ROMA, 24 de fev de 2016 às 18:30
O vaticanista italiano Sandro Magister explicou que não existe evidência de que o Beato Papa Paulo VI tenha concedido a permissão às religiosas do Congo para que tomassem anticoncepcionais na década dos anos sessenta quando o país estava em meio de uma guerra civil e as religiosas corriam o risco de ser violentadas.
Em um artigo publicado hoje em seu blog Chiesa.it, Magister assinala: “Nenhum documento mostra que Paulo VI tenha concedido explicitamente essa permissão. Ninguém pôde citar nunca uma só palavra sua a este respeito”.
A origem desta “lenda urbana” é do pontificado de São João XXIII. Em 1961, “a questão sobre se era lícito que umas religiosas que corriam o risco de ser violentadas usassem os anticoncepcionais, em uma situação de guerra como a que destruiu o Congo, foi submetida a três competentes teólogos moralistas”.
Entre eles estão: Pietro Palazzini, então secretário da Sagrada Congregação do Concílio que logo foi escolhido cardeal; Francesco Hürth, jesuíta e professor da Pontifícia Universidade Gregoriana; e Ferdinando Lambruschini, professor na Pontifícia Universidade Lateranense e depois Arcebispo de Perugia.
Os três formularam juntos os correspondentes pareceres na revista da Opus Dei, Studi Cattolici (Estudos Católicos), número 27 (1961) páginas 62 a 72, com o título: Una Donna domanda: come negarsi alla violenza? Morale esemplificata. Un dibattito (Uma mulher pergunta: como negar-se à violência? Moral exemplificada. Um debate).
Os três, explica Magister, eram favoráveis a admitir a licitude deste ato, embora com argumentos distintos. Ainda segundo o vaticanista, tal parecer favorável não só passou ileso no rigoroso exame do Santo Ofício, que tornou-se a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé em 1965, mas terminou por converter-se em doutrina comum entre os moralistas das diversas escolas.
Esta é, segundo o vaticanista italiano Sandro Magister, a origem da lenda urbana sobre Paulo VI e sua suposta permissão para que as religiosas, em meio de uma situação de guerra e correndo o risco de ser violentadas, usem anticoncepcionais.
A Humanae Vitae
Em 1968, o Papa Paulo VI publicou a profética encíclica que ficou marcada na história, a Humanae Vitae, na qual condenou como intrinsecamente má “toda ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou em sua realização, ou no desenvolvimento de suas consequências naturais, proponha-se, como fim ou como meio, fazer impossível a procriação” (n° 14).
Pode ler: A encíclica Humanae Vitae do Paulo VI: http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae.html
Esta censura aos anticoncepcionais entrou em 1997 com as mesmas palavras no numeral 2370 do Catecismo da Igreja Católica.
“Mas também depois da Humanae Vitae a licitude do comportamento das irmãs congolesas continuou sendo pacificamente admitida, sem que Paulo VI e seus sucessores se pronunciassem em mérito”, afirma Magister.
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Em 1993, durante o pontificado de São João Paulo II, a questão foi exposta novamente, mas desta vez foi pela guerra na Bósnia, não no Congo.
“O teólogo moralista que neste ano foi o porta-voz competente da doutrina comum favorável à licitude foi o jesuíta Giacomo Perico, com um artigo na revista ‘La Civiltà Cattolica’, impressa com a permissão das autoridades vaticanas com o título: ‘Violação, aborto e anticoncepcionais’”, afirma o vaticanista italiano.
“Na verdade, a controvérsia entre os moralistas, desde essa época até hoje, não tem nada a ver com a licitude do ato em questão, mas com os fundamentos de tal licitude”, acrescenta.
Magister explica que existem duas correntes de pensamento entre os moralistas:
“Há quem considera a licitude deste ato uma ‘exceção’ a qual, por conseguinte, poderiam acrescentar outras, avaliadas em cada caso, o que invalidaria o atributo de ‘intrinsecamente mau’ – e, portanto, já não haveria nenhuma exceção – aplicada pela Humanae Vitae à anticoncepção”.
A segunda corrente considera que “o ato das irmãs congolesas ou bósnias (é) um ato de legítima defesa dos efeitos de um ato de violência que não tem nada a ver com o ato conjugal livre e voluntário, o qual tem o objetivo de excluir a procriação, sobre o qual, e só sobre este, cai a condenação – sem exceção de nenhum tipo – da Humanae Vitae”.
O estudioso que reconstruiu de maneira mais clara o choque entre estas duas correntes foi Martin Rhonheimer, professor de ética e filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, indica Magister.
Rhonheimer escreveu a respeito no livro Ethics of Procreation and the Defense of Human Life (A ética da procriação e da defesa da vida humana), The Catholic University of America Press, Washington, 2010, nas páginas 133-150, que por sua vez reproduz um ensaio seu precedente publicado em 1995 em La Scuola Cattolica, a revista da faculdade teológica de Milão, com o título Minaccia di stupro e prevenzione. Un'eccezione? (Ameaça de violação e prevenção. Uma exceção?).
Confira ainda:
A incrível história por trás da Humanae Vitae e a paixão de Paulo VI http://t.co/uSyLb7hxbF
— ACI Digital (@acidigital) 20 de outubro de 2014