Vaticano, 24 de mar de 2016 às 19:00
Na Sexta-feira Santa, 25 de março, o Papa Francisco presidirá a Via Sacra no Coliseu romano. As meditações foram escritas pelo Arcebispo de Perugia (Itália), Cardeal Gualtiero Bassetti, com o título “Deus é misericórdia”.
A seguir, o texto completo da Via Sacra:
DEPARTAMENTO PARA AS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS DO SUMO PONTÍFICE
SEXTA-FEIRA SANTA PAIXÃO DO SENHOR
VIA-SACRA PRESIDIDA PELO PAPA FRANCISCO NO COLISEU
«DEUS É MISERICÓRDIA»
MEDITAÇÕES deSua Eminência Reverendíssima Cardeal D. Gualtiero Bassetti - Arcebispo de Perugia – Città della Pieve
INTRODUÇÃO
Schola cantorum:
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi,
quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.
Domine, miserere nobis.
Santo Padre:
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
R/. Amen.
«Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação!» (2 Cor 1, 3).
Neste Jubileu extraordinário, a própria Via-Sacra de Sexta-feira Santa nos atrai com uma força especial, a força da misericórdia do Pai Celeste, que quer derramar o seu Espírito de graça e consolação sobre todos nós.
A misericórdia é o canal da graça que, de Deus, chega a todos os homens e mulheres de hoje. Homens e mulheres frequentemente extraviados e confusos, materialistas e idólatras, pobres e sós. Membros duma sociedade que parece ter feito desaparecer o pecado e a verdade.
«Contemplarão aquele a quem trespassaram» (Zc 12, 10): que estas palavras proféticas de Zacarias se cumpram também em nós nesta noite! Que o olhar se erga das nossas misérias sem fim, para se fixar n’Ele, Cristo Senhor, Amor Misericordioso. Então poderemos encontrar o seu rosto e ouvir as suas palavras: «Amei-te com um amor eterno» (Jr 31, 3). Ele, com o seu perdão, apaga os nossos pecados e abre-nos o caminho da santidade, no qual abraçaremos a nossa cruz, juntamente com Ele, por amor dos irmãos. A fonte, que lavou o nosso pecado, tornar-se-á em nós uma «fonte de água que dá a vida eterna» (Jo 4, 14).
Breve pausa de silêncio
Oremos:
Eterno Pai,
através da Paixão do vosso dileto Filho,
quisestes revelar-nos o vosso coração
e dar-nos a vossa misericórdia.
Fazei que, unidos a Maria, sua e nossa Mãe,
saibamos acolher e guardar sempre o dom do amor.
Seja Ela, Mãe da Misericórdia,
a apresentar-Vos as orações
que Vos elevamos por nós e por toda a humanidade,
para que a graça desta Via-Sacra
chegue a cada coração humano
e nele infunda nova esperança,
aquela esperança indestrutível
que irradia da Cruz de Jesus,
o Qual vive e reina convosco
na unidade do Espírito Santo
por todos os séculos dos séculos.
Amém.
I ESTAÇÃO
Jesus é condenado à morte
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Marcos (15, 14-15)
«Pilatos insistiu: “Que fez Ele de mal?” Mas eles gritaram ainda mais: “Crucifica-O!” Pilatos, desejando agradar à multidão, soltou-lhes Barrabás; e, depois de mandar flagelar Jesus, entregou-O para ser crucificado».
Jesus está sozinho diante do poder deste mundo. E submete-Se completamente à justiça dos homens.
Pilatos depara-se com um mistério que é incapaz de compreender. Questiona-se e pede explicações. Procura uma solução e chega, talvez, ao limiar da verdade. Mas opta por não atravessá-lo. Entre a vida e a verdade, escolhe a vida própria. Entre o hoje e a eternidade, escolhe o hoje.
A multidão escolhe Barrabás e abandona Jesus. A multidão quer a justiça na terra e escolhe o justiceiro: aquele que poderia libertá-los da opressão e do jugo da escravidão. Mas a justiça de Jesus não se realiza com uma revolução: passa através do escândalo da cruz. Jesus subverte qualquer plano de libertação, porque toma sobre Si o mal do mundo e não responde ao mal com o mal. E isto… os homens não o compreendem. Não compreendem que, duma derrota do homem, possa derivar a justiça de Deus.
Hoje, cada um de nós é parte integrante desta multidão que grita: «Crucifica-O». Ninguém pode sentir-se excluído. Com efeito, a multidão e Pilatos estão dominados por um sentimento interior que acomuna todos os seres humanos: o medo. O medo de perder os próprios apoios, os próprios bens, a própria vida. Mas Jesus indica outra estrada.
Senhor Jesus,
como nos sentimos parecidos com estes personagens!
Há tanto medo na nossa vida!
Temos medo do outro diferente, do estrangeiro, do migrante.
Sentimos temor do futuro, dos imprevistos, da miséria.
Tanto medo nas nossas famílias, nos locais de trabalho, nas nossas cidades…
E talvez tenhamos medo também de Deus:
aquele medo do juízo divino que nasce da pouca fé,
da falta de conhecimento do seu coração,
da incerteza a propósito da sua misericórdia.
Senhor Jesus, condenado pelo medo dos homens,
livrai-nos do temor do vosso juízo.
Fazei que o grito das nossas angústias não nos impeça
de sentir a força suave do vosso convite: «Não tenhais medo!»
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Stabat Mater dolorosa
iuxta crucem lacrimosa,
dum pendebat Filius.
II ESTAÇÃO
Jesus é carregado com a cruz
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Marcos (15, 20)
«Depois de O terem escarnecido, tiraram-Lhe o manto de púrpura e revestiram-No das suas vestes. Levaram-No, então, para O crucificarem».
O medo proferiu a sentença, mas não pode dar-se a conhecer e esconde-se por trás dos comportamentos do mundo: escárnio, humilhação, violência e zombaria. Agora Jesus é revestido com as suas roupas, com a sua simples humanidade, dolorosa e sanguinolenta, já sem qualquer «púrpura» nem qualquer sinal da sua divindade. E, assim, O apresenta Pilatos: «Ecce homo!» (Jo 19, 5).
Esta é a condição de quantos seguem Cristo. O cristão não procura o aplauso do mundo, nem o consenso das praças. O cristão não adula nem diz mentiras para conquistar o poder. O cristão aceita o escárnio e as humilhações que derivam do amor à verdade.
«Que é a verdade?» (Jo 18, 38) – perguntara Pilatos a Jesus. Esta é a pergunta de todos os tempos. É a pergunta de hoje. Eis a verdade: a verdade do Filho do homem predito pelos Profetas (cf. Is 52, 13 – 53, 12), um rosto humano desfigurado que revela a fidelidade de Deus.
Muitas vezes, porém, andamos à procura duma verdade barata, cómoda para a nossa vida, que dê resposta às nossas inseguranças ou mesmo satisfaça os nossos mais baixos interesses. Desta forma, acabamos por nos contentar com verdades parciais e aparentes, deixando-nos enganar pelos «profetas da desgraça, que sempre anunciam o pior» (São João XXIII), ou por encantadores de serpentes que anestesiam o nosso coração com músicas aduladoras que nos afastam do amor de Cristo.
O Verbo de Deus fez-Se homem,
veio contar-nos toda a verdade sobre Deus e o homem.
Deus é Aquele que toma a cruz sobre os seus ombros (cf. Jo 19, 17)
e segue pelo caminho do dom misericordioso de Si mesmo.
E o homem, que se realiza na verdade, é aquele que O segue neste mesmo caminho.
Senhor Jesus, concedei-nos a graça de Vos contemplar na teofania da cruz,
o ponto mais alto da vossa revelação,
e de reconhecer, no esplendor misterioso do vosso rosto,
também os traços do nosso rosto.
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Cuius animam gementem,
contristatam et dolentem
pertransivit gladius.
III ESTAÇÃO
Jesus cai pela primeira vez sob a cruz
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do livro do profeta Isaías (53, 4.7)
«Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores. Nós o reputávamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado. (…) Foi maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro, ou como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador».
Jesus é o Cordeiro, anunciado pelo profeta, que tomou sobre os ombros o pecado da humanidade inteira. Tomou sobre Si a fraqueza do amado, das suas dores e crimes, das suas iniquidades e maldições. Chegamos ao ponto extremo da encarnação do Verbo. Mas há um ponto ainda mais baixo: Jesus cai sob o peso desta cruz. Um Deus que cai!
Nesta queda, temos Jesus que dá sentido ao sofrimento dos seres humanos. Para o homem, o sofrimento é, às vezes, um absurdo, é incompreensível para a mente, um prenúncio de morte. Há situações de sofrimento que parecem negar o amor de Deus. Onde está Deus nos campos de extermínio? Onde está Deus nas minas e nas fábricas onde trabalham as crianças como escravas? Onde está Deus nas carretas do mar que afundam no Mediterrâneo?
Jesus cai sob o peso da cruz, mas não fica esmagado. Ali está Cristo. Escória entre as escórias. Último com os últimos. Náufrago entre os náufragos.
Deus tomou tudo isto sobre Si. Um Deus que, por amor, renuncia a mostrar a sua omnipotência. Mas mesmo assim, precisamente assim, caído na terra como um grão de trigo, Deus é fiel a Si mesmo: fiel no amor.
Nós Vos pedimos, Senhor,
por todas as situações de sofrimento que parecem não ter sentido,
pelos judeus mortos nos campos de extermínio,
pelos cristãos mortos por ódio à fé,
pelas vítimas de toda a perseguição,
pelas crianças que são escravizadas no trabalho,
pelos inocentes que morrem nas guerras.
Fazei-nos compreender, Senhor,
quão grande liberdade e força interior existem
nesta revelação inédita da vossa divindade,
tão humana que cai sob a cruz dos pecados do homem,
tão divinamente misericordiosa que derrota o mal que nos oprimia.
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
O quam tristis et afflicta
fuit illa benedicta
Mater Unigeniti!
IV ESTAÇÃO
Jesus encontra sua Mãe
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Lucas (2, 34-35.51)
«Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: “Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações. (…) Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração».
Deus quis que a vida viesse ao mundo através das dores do parto: através dos sofrimentos duma mãe que dá a vida ao mundo. Todos precisam de uma Mãe, inclusive Deus. «O Verbo fez-Se homem» (Jo 1, 14) no ventre duma Virgem. Maria acolheu-O, deu-O à luz em Belém, envolveu-O em panos, defendeu-O e ajudou-O a crescer com o calor do seu amor, e chegou juntamente com Ele à sua «hora».
Agora, no Calvário, cumpre-se a profecia de Simeão: uma espada trespassa-Lhe a alma. Maria revê o Filho, desfigurado e exausto sob o peso da cruz. Olhos lacrimosos, aqueles da Mãe, que participa completamente no sofrimento do Filho, mas olhos também cheios de esperança, que, desde o dia do seu «sim» ao anúncio do anjo (cf. Lc 1, 26-38), não deixaram jamais de refletir aquela luz divina que resplandece mesmo neste dia de sofrimento.
Maria é esposa de José e mãe de Jesus. Ontem como hoje, a família é o coração pulsante da sociedade, célula inalienável da vida comum; arquitrave insubstituível das relações humanas; amor para sempre, que salvará o mundo.
Maria é mulher e mãe. Génio feminino e ternura. Sabedoria e caridade. Como Mãe de todos, Maria é «sinal de esperança para os povos que sofrem as dores do parto», é «a missionária que Se aproxima de nós, para nos acompanhar ao longo da vida» e, «como uma verdadeira mãe, caminha conosco, luta conosco e aproxima-nos incessantemente do amor de Deus» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 286).
Maria, Mãe do Senhor,
Vós fostes, para o vosso divino Filho, o primeiro reflexo da misericórdia do seu Pai,
aquela misericórdia que Lhe pedistes para manifestar em Caná.
Agora que o vosso Filho nos revela o Rosto do Pai
até às extremas consequências do amor,
seguis, em silêncio, os seus passos, primeira discípula da cruz.
Maria, Virgem fiel,
cuidai de todos os órfãos da Terra,
protegei todas as mulheres, objecto de exploração e violência.
Suscitai mulheres corajosas em prol do bem da Igreja.
Inspirai cada mãe a educar os seus filhos na ternura do amor de Deus,
e, na hora da provação, a acompanhar o seu caminho
com a força silenciosa da sua fé.
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Quæ mærebat et dolebat
pia Mater, dum videbat
Nati pœnas incliti.
V ESTAÇÃO
Jesus é ajudado por Simão de Cirene a levar a cruz
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Marcos (15, 21-22)
«Para Lhe levar a cruz, requisitaram um homem que passava por ali ao regressar dos campos, um tal Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo. E conduziram-No ao lugar do Gólgota, que quer dizer “lugar do Crânio”».
Na história da salvação, aparece um homem desconhecido. Simão de Cirene, um trabalhador que voltava dos campos, é forçado a levar a cruz. Mas é precisamente nele que, em primeiro lugar, atua a graça do amor de Cristo que passa através daquela cruz. E Simão, forçado a levar um peso contra vontade, tornar-se-á um discípulo do Senhor.
O sofrimento, quando bate à nossa porta, nunca é esperado. Aparece sempre como uma constrição, às vezes até como uma injustiça. E pode encontrar-nos dramaticamente não preparados. Uma doença poderia arruinar os nossos planos de vida. Um filho com deficiência poderia turbar os sonhos duma maternidade tão desejada. Mas aquela tribulação não desejada bate, prepotentemente, ao coração do ser humano. Como nos comportamos perante o sofrimento duma pessoa amada? Quanta atenção prestamos ao grito de quem sofre, mas vive longe de nós?
O Cireneu ajuda-nos a entrar na fragilidade da alma humana e põe em evidência outro aspecto da humanidade de Jesus. Até o Filho de Deus precisou de alguém que O ajudasse a levar a cruz. Quem é, então, o Cireneu? É a misericórdia de Deus, que se torna presente na história dos seres humanos. Deus suja as mãos conosco, com os nossos pecados e as nossas fraquezas. Não Se envergonha. E não nos abandona.
Senhor Jesus,
nós Vos damos graças por este dom
que excede todas as expectativas
e nos revela a vossa misericórdia.
Amastes-nos não só até ao ponto de nos dar a salvação,
mas até nos tornar instrumento de salvação.
Enquanto a vossa cruz dá sentido a cada uma das nossas cruzes,
é-nos dada a graça suprema da vida:
participar ativamente no mistério da redenção,
ser instrumento de salvação para os nossos irmãos.
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Quis est homo qui non fleret,
Matrem Christi si videret
in tanto supplicio?
VI ESTAÇÃO
A Veronica limpa o rosto de Jesus
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do livro do profeta Isaías (53, 2-3)
«O servo cresceu diante do Senhor como um rebento, como raiz em terra árida, sem figura nem beleza. Vimo-lo sem aspecto atraente, desprezado e abandonado pelos homens, como alguém cheio de dores, habituado ao sofrimento, diante do qual se tapa o rosto, menosprezado e desconsiderado».
No meio do alvoroço da multidão que assiste à subida de Jesus para o Calvário, aparece Verónica, uma mulher sem rosto, nem história. E todavia uma mulher corajosa, pronta a escutar o Espírito e seguir as suas inspirações, capaz de reconhecer a glória do Filho de Deus no rosto desfigurado de Jesus, e perceber o seu convite: «Ó vós todos que passais pelo caminho, olhai e vede se existe dor igual à dor que me atormenta» (Lam 1, 12).
O amor, que esta mulher encarna, deixa-nos sem palavras. O amor torna-a forte para desafiar os guardas, superar a multidão, aproximar-se do Senhor e realizar um gesto de compaixão e de fé: deter o sangue das feridas, limpar as lágrimas do sofrimento, contemplando aquele rosto desfigurado, por trás do qual está escondido o rosto de Deus.
Instintivamente somos levados a fugir do sofrimento, porque o sofrimento nos causa repulsa. Quantos rostos desfigurados pelas aflições da vida se cruzam conosco e, com muita frequência, viramos a cara para o outro lado. Como é possível não ver o rosto do Senhor no rosto dos milhões de deslocados, refugiados, desterrados que fogem desesperadamente do horror das guerras, perseguições e ditaduras? Para cada um deles, com o seu rosto irrepetível, Deus sempre Se manifesta como um socorrista corajoso. Como Verónica, a mulher sem rosto, que limpou amorosamente o rosto de Jesus.
«É o vosso rosto que eu procuro, Senhor» (Sal 27/26, 8).
Ajudai-me a encontrá-lo
nos irmãos que percorrem a estrada do sofrimento e da humilhação.
Fazei que eu saiba limpar
as lágrimas e o sangue dos vencidos de cada tempo,
de quantos a sociedade rica e leviana descarta sem escrúpulo.
Fazei que por detrás de cada rosto, mesmo o do homem mais abandonado,
eu possa vislumbrar o vosso rosto de beleza infinita.
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Quis non posset contristari,
Christi Matrem contemplari
dolentem cum Filio?
VII ESTAÇÃO
Jesus cai pela segunda vez
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do livro do profeta Isaías (53, 5)
«Foi ferido por causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. O castigo que nos salva caiu sobre ele, fomos curados pelas suas chagas».
Jesus cai novamente. Esmagado, mas não morto pelo peso da cruz. Mais uma vez, põe a descoberto a sua humanidade. É uma experiência no limite da impotência, de vergonha diante de quem zomba dele, de humilhação perante quem esperara n’Ele. Ninguém gostaria jamais de cair por terra e experimentar o fracasso. Especialmente na frente de outras pessoas.
Muitas vezes os homens rebelam-se contra a ideia de não ter poder, não ser capazes de levar a vida por diante. Jesus, pelo contrário, encarna o «poder dos sem poder». Experimenta o tormento da cruz e a força salvífica da fé. Só Deus nos pode salvar. Só Ele pode transformar um sinal de morte numa cruz gloriosa.
Se Jesus caiu segunda vez por terra, pelo peso do nosso pecado, então aceitemos também cair, ter caído e poder ainda cair pelos nossos pecados. Reconheçamos que não podemos salvar-nos sozinhos com as nossas forças.
Senhor Jesus,
que aceitastes a humilhação de cair novamente à vista de todos,
queremos não só contemplar-Vos enquanto estais no pó,
mas fixar em Vós o nosso olhar,
da mesma posição, também nós no chão, caídos pelas nossas fraquezas.
Dai-nos a consciência do nosso pecado,
aquela vontade de nos levantarmos que nasce da contrição.
Dai a toda a vossa Igreja a consciência do sofrimento.
De modo particular dai aos ministros da Reconciliação
o dom das lágrimas pelo seu pecado.
Como poderiam invocar sobre si e sobre os outros a vossa misericórdia
se antes não soubessem chorar as suas próprias culpas?
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
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et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Pro peccatis suæ gentis
vidit Iesum in tormentis,
et flagellis subditum.
VIII ESTAÇÃO
Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Lucas (23, 27-28)
«Seguiam Jesus uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele. Jesus voltou-se para elas e disse-lhes: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos”».
Embora esteja destroçado pela dor e busque refúgio no Pai, Jesus sente compaixão pelo povo que O segue e fala diretamente às mulheres que O acompanham no caminho do Calvário. E as suas palavras são um forte apelo à conversão.
Não choreis por mim – diz o Nazareno – porque Eu estou a fazer a vontade do Pai, mas chorai por vós, por todas as vezes que não fazeis a vontade de Deus.
É o Cordeiro de Deus que fala e que, carregando aos ombros o pecado do mundo, purifica o olhar destas mulheres, já voltado para Ele, mas ainda de modo imperfeito. «Que devemos fazer?»: parece gritar o pranto destas mulheres diante do Inocente. É a mesma pergunta que as multidões puseram ao Baptista (cf. Lc 3, 10) e que hão-de repetir, em seguida, os ouvintes de Pedro depois do Pentecostes, emocionadas até ao fundo do coração: «Que devemos fazer» (Act 2, 37).
A resposta é simples e clara: «Convertei-vos». Uma conversão pessoal e comunitária: «Orai uns pelos outros para serdes curados» (Tg 5, 16). Não há conversão sem a caridade. E a caridade é a maneira de ser Igreja.
Senhor Jesus,
a vossa graça sustente o nosso caminho de conversão para retornar a Vós,
em comunhão com os nossos irmãos,
a bem dos quais Vos pedimos para nos dardes
as vossas próprias entranhas de misericórdia,
entranhas maternas, que nos tornem capazes de sentir
ternura e compaixão uns pelos outros,
e de chegar também ao dom de nós mesmos pela salvação do próximo.
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Eia, Mater, fons amoris,
me sentire vim doloris
fac, ut tecum lugeam.
IX ESTAÇÃO
Jesus cai pela terceira vez
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Da Carta aos Filipenses (2, 6-7)
«Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; mas esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo, tornando-Se semelhante aos homens».
Jesus cai pela terceira vez. O Filho de Deus experimenta em profundidade a condição humana. Com esta queda, Ele entra de forma ainda mais estável na história da humanidade. E acompanha, a todo o momento, a humanidade sofredora. «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20).
Quantas vezes os homens e as mulheres caem por terra! Quantas vezes os homens, as mulheres e as crianças sofrem por uma família desfeita! Quanta vezes os homens e as mulheres veem a sua dignidade posta em questão, porque não têm trabalho! Quantas vezes os jovens são forçados a levar uma vida precária e perdem a esperança no futuro!
O homem que cai e contempla Deus que cai, é um homem que finalmente pode, já sem medo nem desespero, admitir a sua fraqueza e impotência, precisamente porque também Deus a provou em seu Filho. É por misericórdia que Deus Se abaixou até este ponto, até jazer no pó da estrada. Pó banhado pelo suor de Adão e pelo sangue de Jesus e de todos os mártires da história; pó abençoado pelas lágrimas de tantos irmãos caídos vítimas da violência e da exploração do homem sobre o homem. Foi a este pó abençoado, ultrajado, violado e roubado pelo egoísmo humano, que o Senhor reservou o seu último abraço.
Senhor Jesus,
prostrado nesta terra árida,
estais perto de todos os homens que sofrem
e infundis nos seus corações a força para se levantarem.
Peço-Vos, ó Deus de misericórdia,
por todos aqueles que estão por terra, por muitas razões:
pecados pessoais, matrimónios fracassados, solidão,
perda do emprego, dramas familiares, angústia pelo futuro.
Fazei sentir que não estais longe de cada um deles,
porque o mais próximo de Vós, que sois a misericórdia encarnada,
é o homem que mais sente a necessidade do perdão
e continua a esperar contra toda a esperança!
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Fac ut ardeat cor meum
in amando Christum Deum,
ut sibi complaceam.
X ESTAÇÃO
Jesus despojado das vestes
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Marcos (15, 24)
«Depois, crucificaram-No e repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, para ver o que cabia a cada um».
Junto da cruz, sob o olhar do Crucificado e dos ladrões que sofrem, estão os soldados que se contendem as vestes de Jesus. É a banalidade do mal.
O olhar dos soldados está longe daquele sofrimento e distante da história que os circunda. Aquilo que está a acontecer parece que não lhes diz respeito. Enquanto o Filho de Deus sofre os suplícios da cruz, eles continuam impavidamente a levar uma vida em que as paixões predominam sobre tudo. É este o grande paradoxo da liberdade que Deus concedeu aos seus filhos. Confrontado com a morte de Jesus, cada homem pode escolher: contemplar Cristo ou «tirar à sorte».
É enorme a distância que separa o Crucificado dos seus carrascos. O interesse mesquinho pelas vestes não lhes permite captar o sentido daquele corpo inerme e desprezado, escarnecido e atormentado, em que se realiza a vontade divina da salvação da humanidade inteira.
Aquele corpo que o Pai «preparou» para o Filho (cf. Sal 40/39, 7; Heb 10, 5) agora exprime o amor do Filho para com o Pai e o dom total de Jesus aos homens. Aquele corpo despojado de tudo, exceto do amor, encerra em si o sofrimento imenso da humanidade e descreve todas as suas chagas; sobretudo as mais dolorosas: as chagas das crianças profanadas na sua intimidade.
Aquele corpo mudo e sanguinolento, flagelado e humilhado, indica a estrada da justiça. A justiça de Deus que transforma o sofrimento mais atroz na luz da ressurreição.
Senhor Jesus,
quero apresentar-Vos toda a humanidade sofredora.
Os corpos de homens e mulheres, de crianças e idosos,
de doentes e deficientes não respeitados na sua dignidade.
Quantas violências, ao longo da história desta humanidade,
feriram o que o homem tem de mais seu,
algo de sacro e abençoado porque vem de Deus.
Nós Vos pedimos, Senhor,
por quem foi violado no seu íntimo.
Por quem não capta o mistério do seu corpo,
por quem não o aceita ou deturpa a sua beleza,
por quem não respeita a fragilidade
e a sacralidade do corpo que envelhece e morre.
E que um dia ressuscitará!
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Sancta Mater, istud agas,
Crucifixi fige plagas
cordi meo valide.
XI ESTAÇÃO
Jesus é crucificado
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Lucas (23,39-43)
«Um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-O, dizendo: “Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também”. Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo que as nossas acções mereciam: mas Ele nada praticou de condenável”. E acrescentou: “Jesus, lembra-Te de mim, quando estiveres no teu Reino”. Ele respondeu-lhe: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso”».
Jesus está na cruz, «árvore fecunda e gloriosa», «tálamo, trono e altar» (Hino litúrgico «Eis o vexilo da Cruz»). E, do alto deste trono, ponto de atracção do universo inteiro (cf. Jo 12, 32), perdoa aos seus crucificadores, «porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34). Na cruz de Cristo, «balança do grande resgate» (Hino litúrgico «Eis o vexilo da Cruz»), brilha uma omnipotência que se despoja, uma sabedoria que se abaixa até à loucura, um amor que se oferece em sacrifício.
À direita e à esquerda de Jesus, estão dois malfeitores, provavelmente dois homicidas. Aqueles dois malfeitores falam ao coração de cada ser humano, porque indicam dois modos diferentes de estar na cruz: o primeiro amaldiçoa Deus; o segundo reconhece Deus naquela cruz. O primeiro malfeitor propõe a solução mais cómoda para todos. Propõe uma salvação humana e tem um olhar voltado para baixo. Para ele, a salvação significa escapar da cruz e eliminar o sofrimento. É a lógica da cultura do descarte. Pede a Deus que elimine tudo o que não é útil nem digno de ser vivido.
Ao contrário, o segundo malfeitor não mercantiliza uma solução. Propõe uma salvação divina e tem um olhar todo voltado para o céu. Para ele, a salvação significa aceitar a vontade de Deus, mesmo nas piores condições. É o triunfo da cultura do amor e do perdão.
É a loucura da cruz, perante a qual toda a sabedoria humana só pode desaparecer e emudecer no silêncio.
Dai-me, ó Crucificado por amor,
aquele vosso perdão que esquece
e aquela vossa misericórdia que recria.
Fazei-me experimentar, em cada Confissão,
a graça que me criou à vossa imagem e semelhança
e que me recria sempre que eu coloco a minha vida,
com todas as suas misérias, nas mãos compassivas do Pai.
Que o vosso perdão ressoe para mim como certeza do amor que me salva,
me faz novo e me faz estar convosco para sempre.
Então eu serei verdadeiramente um malfeitor perdoado
e cada perdão vosso será como um antegozo do Paraíso, já desde hoje.
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Tui Nati vulnerati,
tam dignati pro me pati
pœnas mecum divide.
XII ESTAÇÃO
Jesus morre na cruz
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Marcos (15, 33-39)
«Ao chegar o meio-dia, fez-se trevas por toda a terra, até às três da tarde. E às três da tarde, Jesus exclamou em alta voz: “Eloí, Eloí, lemá sabachtâni?”, que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? Ao ouvi-Lo, alguns que estavam ali disseram: “Está a chamar por Elias!” Um deles correu a embeber uma esponja em vinagre, pô-la numa cana e deu-lhe de beber, dizendo: “Esperemos, a ver se Elias vem tirá-lo dali”. Mas Jesus, com um grito forte, expirou. E o véu do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo. O centurião, que estava em frente d’Ele, ao vê-Lo expirar daquela maneira, disse: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus”».
Escuro ao meio-dia: está a acontecer algo de absolutamente inaudito e imprevisível na terra, mas que não pertence apenas à terra. O homem mata Deus! O Filho de Deus foi crucificado como um malfeitor.
Jesus dirige-Se ao Pai gritando as primeiras palavras do Salmo 22. É o grito do sofrimento e da desolação, mas é também o grito da plena «confiança na vitória divina» e da «certeza da glória» (Bento XVI, Catequese, 14 de Setembro 2011).
O grito de Jesus é o grito de cada crucificado da história, do abandonado e do humilhado, do mártir e do profeta, de quem é caluniado e injustamente condenado, de quem está no exílio ou na prisão. É o grito do desespero humano que, no entanto, abre para a vitória da fé que transforma a morte na vida eterna. «Anunciarei o vosso nome aos meus irmãos, e Vos louvarei no meio da assembleia» (Sal 22/21, 23).
Jesus morre na cruz. É a morte de Deus? Não, é a celebração mais alta do testemunho da fé.
O século XX foi chamado o século dos mártires. Exemplos como os de Maximiliano Kolbe e Edith Stein exprimem uma luz imensa. Mas ainda hoje o corpo de Cristo é crucificado em muitas regiões da terra. Os mártires do século XXI são os verdadeiros apóstolos do mundo contemporâneo.
Na grande escuridão, acende-se a fé: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus», porque quem morre assim, transformando em esperança de vida o desespero da morte, não pode ser simplesmente um homem.
O Crucificado é oferta plena.
Não reservou nada, nem uma fímbria da veste,
nem uma gota de sangue, nem a Mãe.
Deu tudo: «Consummatum est».
Quando já não se tem nada para dar, porque se deu tudo,
então uma pessoa torna-se capaz de verdadeiros dons.
Despojado, nu, devorado pelas feridas, pela sede do abandono, pelos impropérios:
já não tem figura de homem.
Dar tudo: eis a caridade.
Onde acaba o meu, começa o paraíso.
(Padre Primo Mazzolari)
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Vidit suum dulcem Natum
moriendo desolatum,
dum emisit spiritum.
XIII ESTAÇÃO
Jesus é descido da cruz
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Marcos (15,42-43.46a)
«Ao cair da tarde, visto ser a Preparação, isto é, véspera do sábado, José de Arimateia, respeitável membro do Conselho que também esperava o Reino de Deus, foi corajosamente procurar Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. (…) Ele, depois de comprar um lençol, desceu o corpo da cruz».
José de Arimateia acolhe Jesus ainda antes de ter visto a sua glória. Acolhe-O como derrotado. Como malfeitor. Como rejeitado. Pede o corpo a Pilatos, para impedir que fosse lançado na vala comum. José põe em risco a sua reputação e talvez, como Tobias, também a sua vida (cf. Tb 1, 15-20). Mas a coragem de José não é a audácia dos heróis em batalha. A coragem de José é a força da fé. Uma fé que se torna acolhimento, gratuidade e amor. Numa palavra: caridade.
O silêncio, a simplicidade e a sobriedade com que José se aproxima do corpo de Jesus contrasta com a ostentação, a banalização e a magnificência dos funerais dos poderosos deste mundo. Pelo contrário, o testemunho de José lembra todos os cristãos que também hoje, por um funeral, põem em risco a sua vida.
Quem podia acolher o corpo sem vida de Jesus senão Aquela que Lhe dera a vida? Podemos imaginar os sentimentos de Maria, que O acolhera nos seus braços, Ela que acreditou nas palavras do Anjo e guardou tudo no seu coração.
Ao mesmo tempo que abraça o seu Filho exânime, Maria repete uma vez mais o seu «fiat». É o drama e a provação da fé. Nenhuma criatura a sofreu como Maria, a Mãe que a todos nos gerou para a fé ao pé da cruz.
Repetia a prece do mundo:
Pai, Abbá, se é possível...»
Apenas um ramo de oliveira
balançava sobre a sua cabeça
a um vento silencioso...
Mas nem um espinho Tu
Lhe tiraste da coroa.
Trespassado o próprio pensamento
não pode, não pode lá em cima
o pensamento deixar de sangrar!
E nem uma mão
Lhe descravaste do madeiro:
que se afastasse dos olhos
o sangue
e Lhe fosse concedido
ver
pelo menos a Mãe lá,
sozinha...
Até poderosos
e mestres de ferocidade
e gente, ao vê-Lo
cobriam o rosto
e Ele a flutuar dentro
duma nuvem:
dentro da nuvem do abandono divino.
E depois, só depois.
Tu e nós a devolver-Lhe a vida.
(Padre Turoldo)
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Fac me tecum pie flere,
Crucifixo condolere,
donec ego vixero.
XIV ESTAÇÃO
Jesus é depositado no sepulcro
V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo São Mateus (27, 59-60)
«José tomou o corpo [de Jesus], envolveu-o num lençol limpo e depositou-o num túmulo novo, que tinha mandado talhar na rocha. Depois, rolou uma grande pedra contra a porta do túmulo e retirou-se».
Enquanto José fecha o túmulo de Jesus, Ele desce à mansão dos mortos e escancara as suas portas.
O que a Igreja Ocidental chama «descida à mansão dos mortos», a Igreja Oriental celebra-o já como Anastasi, isto é, «Ressurreição». Deste modo, as Igrejas irmãs comunicam ao homem a Verdade completa deste Mistério único: «Eis que abrirei as vossas sepulturas e vos farei sair delas, meu povo. (…) Introduzirei em vós o meu espírito e vivereis» (Ez 37, 12.14).
A vossa Igreja, Senhor, canta cada manhã: «Graças ao coração misericordioso do nosso Deus, que das alturas nos visita como sol nascente, para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte» (Lc 1, 78-79).
O homem, encandeado por luzes que têm a cor das trevas, impelido pelas forças do mal, rolou uma grande pedra e fechou-Vos no sepulcro. Mas nós sabemos que Vós, Deus humilde, no silêncio onde a nossa liberdade Vos colocou, estais mais do que nunca em acção para gerar nova graça no homem que amais. Então entrai nos nossos sepulcros: reavivai a centelha do vosso amor no coração de cada homem, no seio de cada família, no caminho de cada povo.
Cristo Jesus!
Todos caminhamos para a nossa morte
e o nosso túmulo.
Permiti que nos detenhamos em espírito
junto do vosso sepulcro.
Que a força de Vida,
que nele se manifestou,
trespasse os nossos corações.
Que esta vida se torne
a luz da nossa peregrinação na terra.
Amen.
(São João Paulo II)
Todos:
Pater noster, qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis debita nostra,
sicut et nos dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a malo. Amen.
Quando corpus morietur,
fac ut animæ donetur
Paradisi gloria.
Amen.
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