Karen King, a historiadora da Universidade de Harvard (Estados Unidos), que em 2012 causou confusão ao afirmar que existia um “Evangelho da esposa de Jesus”, segundo um papiro copto, admitiu quatro anos depois que era falso e que sua fonte era Walter Fritz, um indivíduo que se envolveu com a egiptologia, a venda de peças de automóvel e a produção de filmes pornográficos.

King, que ensina História Eclesiástica, disse que chegou a esta conclusão depois de ler a investigação de ‘The Atlantic’ sobre a origem do mencionado papiro, dizendo que “parecia que era falsificado”.

Fritz era a peça perdida de um quebra-cabeças que havia confundido durante quatro anos o mundo acadêmico a respeito da autenticidade do papiro, cujo tamanho é de 4,5 centímetros de altura por 9 centímetros de largura, com uma escritura que seria do copto antigo e que, conforme afirmavam, afetaria o cristianismo.

Entretanto, Fritz enviou uma carta ao jornalista do ‘The Atlantic’ para revelar que era o dono do papiro. “Eu, Walter Fritz, certifico que sou o único proprietário de um fragmento de papiro (...) que foi chamado ‘Evangelho da esposa de Jesus’”.

“Garanto que nem eu nem nenhum terceiro inventou, alterou ou manipulou o fragmento e/ou sua inscrição de maneira alguma desde que foi adquirido por mim. O anterior dono não deu indicações de que o fragmento foi manipulado”.

King obteve o papiro em 2011, acompanhado da cópia de um contrato de venda assinado, que ao mesmo tempo mostrava que Fritz o havia comprado em novembro de 1999 de um homem chamado Hans Ulrich Laukamp, o qual conheceu na Alemanha e com quem tinha negócios conjuntos.

Uma nota manuscrita no contrato diz: “O vendedor (Laukamp) entrega fotocópias de correspondência em alemão. Os papiros foram adquiridos em 1963 pelo vendedor em Potsdam (Leste da Alemanha)”.

Segundo o artigo do ‘The Atlantic’, em 1995 Fritz estabeleceu uma companhia chamada ‘Nefer Art’ (‘nefer’ é uma palavra egípcia que significa ‘beleza’). Além disso, esteve afiliado ao Instituto da Egiptologia da Universidade Livre de Berlim, a qual também empregou um homem chamado Peter Munro.

O nome de Munro também é mencionado no pacote que estava com o papiro entregue a King. Foi ele quem analisou os documentos de Laukamp. Peter Munro faleceu em 2006 e durante sua análise do papiro em 1982 escreveu que “o pequeno fragmento (...) é o único exemplo de um texto no qual Jesus usa um discurso direto através do qual menciona ter uma esposa, e que poderia ser a evidência de um possível matrimônio”.

Ao ser perguntado acerca da carta de Munro, Fritz disse ao ‘The Atlantic’: “Não posso fazer comentários sobre algum problema com essa carta (...) pois recebi uma fotocópia de alguém, e esse é o fim da história”.

Entretanto, Rene Ernest, enteado e advogado que representou a herança de Laukamp depois de sua morte em 2002, advertiu que este não estava interessado em antiguidades e não os colecionava.

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Além disso, assinalou que em 1963 vivia em Berlim Ocidental e que nesse então os alemães do ocidente só podiam ir ao lado oriental para visitar suas famílias no Natal. Qualquer violação desta norma podia significar cárcere ou um possível assassinato se fossem descobertos com documentos com aparente escritura criptografada.

Quando se perguntou como a assinatura de Laukamp chegou ao contrato de venda, a esposa de Ernest disse a ‘The Atlantic’: “Posso imaginar facilmente Walter Fritz dizendo ‘necessito de sua assinatura para a companhia’, e que Laukamp o teria assinado sem ler nada”.

Apesar disso, Fritz continuou dizendo ao jornalista que ele não havia falsificado nada.

Peritos advertiram falsidade em 2015

Entretanto, a falsidade do “Evangelho da esposa de Jesus” já havia sido advertida em março de 2015 por Joel Baden, professor associado do Antigo Testamento na escola Divinity da Universidade de Yale; e Candida Moss, professora do Novo Testamento e de Cristandade na Universidade de Notre Dame.

Ambos os peritos assinalaram em uma entrevista à CNN que “tiveram dúvidas desde o começo”, tanto pelo fragmento em si, como pelo anúncio de King de que sua fonte era anônima.

“No mundo das antiguidades, o anonimato (como foi no caso de Fritz) costuma ser um mau sinal que aprofunda a incerteza inerente aos textos que compram e vendem, ao contrário dos que se descobrem em um entorno arqueológico sólido”, explicaram.

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