CAIRO, 29 de nov de 2016 às 07:00
Como é a vida dos cristãos egípcios após cinco anos agitados de revoluções e golpes de estado que transformaram completamente a política e a sociedade do país do Nilo? Os cristãos no Egito são discriminados?
No Egito, o islã necessita que se produza uma mudança em seu discurso religioso, assinala o porta-voz da Igreja Católica no país, Pe. Rafic Greiche.
Em declarações ao grupo ACI, o sacerdote residente no Cairo lamentou a influência do salafismo, ideologia extremista sustentada e apoiada pelo regime Wahhabí da Arábia Saudita, no mundo muçulmano.
Apesar de tudo, assinalou que no Egito “todo cristão tem direito de praticar a sua religião”, embora seja verdade que “um muçulmano que se converte ao cristianismo não pode viver livremente a sua fé”.
Nem “os eruditos muçulmanos, que teriam a capacidade de impulsionar essa mudança de discurso, podem falar livremente dos desafios da religião islâmica, porque poderiam sofrer ataques dos salafistas”.
No Egito, cristãos e muçulmanos convivem desde a chegada do islã ao país. Os cristãos egípcios representam 5% de uma população de aproximadamente 90 milhões de habitantes, na qual 95% se declara muçulmano.
A maior parte dos cristãos egípcios pertencem à Igreja copta, embora também exista uma pequena comunidade católica. As origens do cristianismo egípcio são do século I, com a pregação do Evangelista São Marcos.
O islã irrompeu no país do Nilo no século VII, com a chegada de invasores procedentes da península arábica.
“Se conhecerem o Egito, verão que muçulmanos e cristãos egípcios vivem juntos nos mesmos povos, nas mesmas ruas e edifícios”, destacou.
“A maioria dos 90 milhões de egípcios não têm problemas para viver juntos, mas em determinadas regiões, onde a pobreza, a escassa alfabetização e o fundamentalismo têm uma presença notável, pode haver problemas sectários”.
Entretanto, “se compararmos o momento atual com o ano 2013, quando governavam os Irmãos Muçulmanos, a situação era muito diferente”.
Os cristãos egípcios “são muito religiosos e a Igreja tem uma grande importância nas suas vidas. De qualquer maneira, não podemos negar que, devido ao fundamentalismo, há discriminação, especialmente em alguns setores da sociedade como a segurança, a Universidade ou o acesso ao mercado de trabalho”, disse o sacerdote.
Os cristãos perderam o medo
Por outra parte, a Irmã Expedita Pérez León, missionária comboniana que trabalha na Alexandria com refugiados sudaneses, indica que os cristãos no Egito perderam o medo de exigir seus direitos e estão se incorporando pouco a pouco na sociedade, dispostos a assumir as suas responsabilidades em uma sociedade que luta pelo seu progresso e coesão nacional.
A missionária de origem espanhola explica que “certamente, aconteceu uma mudança na convivência religiosa entre cristãos e muçulmanos depois da revolução no Egito”.
Depois de 30 anos do governo de Hosni Mubarak, em 11 de fevereiro de 2011 o presidente egípcio renunciou como consequência dos protestos massivos que exigiam democracia durante a “Primavera Árabe”.
Além disso, após um longo processo eleitoral, o partido islamista dos Irmãos Muçulmanos assumiu o poder, até quando o Conselho Militar Supremo destituiu o novo presidente, Mohamed Mursi e convocou novas eleições.
Desde junho de 2014, o ex-militar Abdulfatah Al-Sisi ocupa a presidência do país ao ganhar as eleições presidenciais. O novo presidente limitou a ação política dos islamistas radicais e trabalha em colaboração com os diferentes líderes religiosos a fim de conseguir uma convivência pacífica entre muçulmanos e cristãos no país.
Conforme assinala a Irmã Expedita, como resultado de todo esse processo, a sociedade mudou tanto em um aspecto positivo, como em um aspecto negativo.
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“Explico-me: no começo da revolução, cristãos e muçulmanos tinham um único objetivo: pão, liberdade e justiça; deixando de lado o fator religioso. Depois da ‘abdicação’ do presidente Mubarak, o movimento de corte islâmico-religioso se apropriou da revolução para marcar um novo objetivo dirigido a estabelecer um estado islâmico no Egito”.
Entretanto, a chama da liberdade e da convivência entre os egípcios já havia começado na sociedade.
“Os cristãos, que tinham se libertado da sua atitude habitual passiva ante os assuntos políticos e liberais e, apoiados por uma elite de intelectuais egípcios, reclamaram seu direito à cidadania. Inclusive ocorreram enfrentamentos durante os quais os cristãos sofreram violência e injustiças sem que o Conselho Militar Supremo interviesse, o qual o converteu em cúmplice”.
Mais tarde, ao situar-se em primeiro plano os salafistas, o exército decidiu agir. Alguns exemplos da violência e injustiças sofridas pelos cristãos foram a destruição de uma igreja próxima de Guiza, a matança de manifestantes no Cairo ou os enfrentamentos no bairro de Moqattam, explicou a religiosa Expedita.
“Depois da revolução foram reveladas as verdadeiras intenções de todos e foi derrubada a barreira do medo. Quem reclamava um estado religioso dizia abertamente e, quem estava a favor de um estado leigo que garantisse os direitos de todos os cidadãos independentemente da sua religião, também o expressava abertamente”, indica.
“Muitos artigos de diversos intelectuais em diferentes jornais, revistas ou programas televisivos começaram a reclamar direitos para os cristãos”.
A liberdade religiosa
Perguntada sobre a liberdade religiosa no Egito e a discriminação contra a minoria cristã, a Irmã Expedita disse que “não se pode falar de uma perseguição deliberada e sistemática, tudo depende das atitudes e dos pontos de vista”.
“Como os muçulmanos são a grande maioria no Egito, é possível que se dê a impressão equivocada de que há uma perseguição ou discriminação sistemática”.
A religiosa explica que “os cristãos egípcios têm fortalezas e debilidades, com tudo o que isso implica. Sua religiosidade se expressa no culto litúrgico e nas práticas externas com uma separação entre a religiosidade e a fé. Sofrem um complexo de inferioridade, típico das minorias”.
Como consequência e devido à secular discriminação social da qual são vítimas, muitas vezes “interpretam cada ação como uma conspiração premeditada e intencionada”.
A religiosa comboniana trabalha na Alexandria no serviço aos refugiados sudaneses, especialmente na área da educação.
“Fui a coordenadora didática de três escolas abertas pelos Irmãos Missionários Combonianos no Cairo para os refugiados sudaneses e outros”.
“Estou na Alexandria há um ano, sou responsável por uma comunidade de irmãs idosas e doentes. Nossa comunidade está localizada em uma região popular da cidade. Seis religiosas temos entre 50 e 70 anos, enquanto as outras 24 têm entre 80 e 96 anos”, explicou.
Apesar da sua idade, são responsáveis de diversos serviços, como um dispensário para os pobres onde 7 doutores e 5 enfermeiras atendem entre 200 e 300 pessoas a cada dia; ou uma creche para 300 meninos e meninas.
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— ACI Digital (@acidigital) 25 de junho de 2016