Roma, 18 de jul de 2017 às 18:00
Durante a Segunda Guerra Mundial, o campo de concentração nazista de Dachau, localizado na Alemanha, era o lugar para onde os membros do clero eram enviados. Foi neste local de dor e morte que aconteceu um incrível evento: a ordenação de um sacerdote católico.
A história do Beato Karl Leisner é narrada no livro “La Baraque des prêtres, Dachau, 1938-1945” (O Pavilhão dos Padres, Dachau, 1938-1945) , escrito pelo jornalista francês Guillaume Zeller.
Karl Leisner nasceu na Alemanha em 1915 e cresceu na cidade de Cléveris. Desde jovem sentiu o chamado ao sacerdócio e ingressou no seminário de Munique quando tinha 19 anos. Nesse tempo, também se uniu ao movimento apostólico de Schoenstatt, ao qual pertenceu até a sua morte.
Em 1939, foi ordenado diácono, mas contraiu tuberculose e teve que ser internado em um hospital. Em novembro desse mesmo ano, Leisner foi preso pela Gestapo, a polícia secreta nazista, porque um companheiro o delatou por criticar Hitler.
Foi transferido a uma prisão na cidade de Freiburg e, em 14 de dezembro de 1941, os nazistas o enviaram ao campo de concentração de Dachau.
Em seu livro, Zeller assinalou que entre os anos de 1938 e 1945, foram enviados a esse campo de concentração 2576 sacerdotes, seminaristas e monges católicos. Desses, 1034 faleceram nessa prisão.
Zeller indicou que nesse local os nazistas se dedicavam a “desumanizar e degradar os prisioneiros” e afirmou que “o campo de Dachau continua sendo o maior cemitério de sacerdotes católicos no mundo”.
As duras condições de vida do campo de concentração fizeram com que a saúde de Leisner piorasse. Entretanto, o jovem nunca perdeu a alegria. Segundo narra uma biografia sua publicada no site de Schoenstatt, o beato era “capaz de alegrar e atrair os outros” e animava os prisioneiros tocando o violão que seus amigos conseguiram lhe enviar.
A tuberculose o debilitava cada vez mais e o jovem sentia que se reduziam as possibilidades de que fosse ordenado sacerdote. Mas, tudo mudou quando o Bispo da Diocese francesa de Clermont-Ferrand, Dom Gabriel Piguet, chegou como prisioneiro em 6 de setembro de 1944.
Como somente o bispo pode conceder a ordenação sacerdotal, Leisner pediu a um sacerdote belga, Pe. Leo de Coninck, que intercedesse em seu favor ante Dom Piguet. O Prelado aceitou com a condição de que esta ordenação tivesse a autorização do Arcebispo de Munique, Cardeal Michael Faulhaber, porque era a ele que Leisner devia obediência.
O trâmite para conseguir a autorização foi realizado por uma jovem chamada Josefa Imma Mack, que anos mais tarde se tornaria religiosa. Mack conhecia os sacerdotes e religiosos que estavam presos em Dachau porque alguns desses vendiam às pessoas as flores e frutas que cultivavam lá.
O ‘Catholic Herald’ narrou que esta jovem conseguiu entregar aos prisioneiros as cartas nas quais o Cardeal Faulhaber concedia a autorização para ordenar Leisner sacerdote. Conseguiu inclusive o óleo do crisma, uma estola e os livros litúrgicos.
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Graças à intervenção diplomática do Vaticano, os nazistas autorizaram que se construíssem uma capela no Bloco 26 do campo de concentração de Dachau. O sacrário, o altar, os bancos e os candelabros foram elaborados com materiais disponíveis na prisão. A primeira Missa foi celebrada em 21 de janeiro de 1941.
Em seu livro, Guillaume Zeller descreveu que a cerimônia de ordenação do Beato Leisner, realizada em 17 de dezembro de 1944, “teve um impacto duradouro entre os sacerdotes que estiveram presentes”.
Nesse dia, o jovem diácono usava a alva sobre o uniforme de listras que os prisioneiros usavam. Até mesmo alguns dos paramentos do Bispo, como a casula e a mitra, foram feitos pelos próprios sacerdotes prisioneiros.
A ordenação de Leisner também motivou vários gestos de solidariedade por parte de protestantes e judeus. Um grupo de pastores ajudou a organizar a cerimônia e um violinista judeu se ofereceu para tocar perto da capela para gerar uma distração.
Dom Piguet escreveu em suas memórias que ao presidir a celebração sentiu “como se esta tivesse sido na minha catedral ou na capela do meu seminário. Nada, não faltava nada no que diz respeito à grandeza religiosa de tal ordenação, que é provavelmente única nos anais da história”.
Pe. Leisner presidiu sua primeira e única Missa em 26 de dezembro de 1944, porque sua saúde se agravou. Foi libertado do campo de concentração em 4 de maio de 1945, cinco meses depois de sua ordenação.
Nessa época, sua doença estava na fase final e passou as últimas semanas de sua vida em um hospital em Munique, onde faleceu rodeado por sua família em 12 de agosto daquele mesmo ano.
As últimas palavras que escreveu em seu diário foram: “Abençoa, oh Altíssimo, também os meus inimigos!”.
Pe. Karl Leisner foi beatificado por São João Paulo II em 23 de junho de 1996, em Berlim, junto com Pe. Bernhard Lichtenberg, que faleceu em 1943, enquanto era transferido para Dachau.
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— ACI Digital (@acidigital) 15 de março de 2017