ROMA, 16 de fev de 2018 às 16:00
Um sacerdote missionário e especialista na Igreja Católica na China analisa detalhadamente o possível acordo que a Santa Sé e o país asiático estariam negociando a respeito da nomeação dos bispos.
A CNA – agência em inglês do Grupo ACI – entrevistou Pe. Bernardo Cervellera, editor da agência de notícias ‘Asia News’, um Projeto do Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras (PIME), a fim de conhecer mais a respeito do tema que tem defensores e críticos. Entre os críticos está o Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, Bispo Emérito de Hong Kong.
O sacerdote italiano explicou que o acordo entre o Vaticano e a China poderia dar uma maior liberdade aos católicos do país comunista, mas, ao mesmo tempo, questionou o quão longe isso poderia chegar, no âmbito de um regime que até agora lutou para erradicar a religião da sociedade.
O presbítero disse que, se chegassem a um acordo, o Vaticano deveria promover “uma maior liberdade religiosa”. “Não se pode simplesmente liberar a Igreja, mas também deve haver mais liberdade religiosa”, explicou.
‘Asia News’ relata detalhadamente o que acontece com a Igreja na China. Recentemente informou que, em outubro de 2017, uma delegação do Vaticano foi ao país asiático para pedir a dois bispos – Dom Peter Zhuang Jianjian, Bispo de Shantou, e Dom Joseph Guo Xijin, Bispo de Mindong – que deixem os seus cargos para permitir que dois prelados nomeados pelo governo os assumam.
As relações diplomáticas entre a China e o Vaticano se romperam em 1951, dois anos depois da chegada ao poder dos comunistas que expulsaram os clérigos estrangeiros.
Entretanto, desde a década de 1980, as nomeações foram feitas em conjunto, embora o governo não tenha deixado de nomear bispos sem a aprovação do Vaticano.
O resultado foi uma relação cada vez mais tensa entre a Associação Patriótica Comunista Chinesa (Igreja “oficial” e fiel ao governo) e a chamada Igreja “clandestina”, que inclui os bispos legítimos e sacerdotes que permanecem fiéis ao Papa.
Os últimos são permanentemente assediados pelas autoridades comunistas, inclusive chegaram a ser presos. Além disso, o governo também destruiu várias igrejas.
Entretanto, como parte do acordo que seria “iminente” segundo algumas fontes,e que poderia se concretizar em abril deste ano, espera-se que o Vaticano reconheça oficialmente sete bispos que não estão em comunhão com Roma, entre eles, dois ou três bispos, incluindo Joseph Ma Yinglin, cujas excomunhões foram explicitamente declaradas pela Santa Sé.
De acordo com algumas fontes, o acordo seria semelhante ao do Vaticano com o Vietnã, no qual a Santa Sé propõe três nomes para que o governo escolha um deles.
Pe. Cervellera disse à CNA que o governo chinês considera a religião como uma ameaça para a coexistência social. Em sua opinião, fazer uma concessão para chegar ao acordo “provavelmente é o passo necessário para mostrar que a Igreja não está interessada em derrubar o governo chinês”.
Em relação às declarações do Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, Pe. Cervellera indicou que “este acordo não é um acordo que vende a Igreja”, mas é verdade que, dependendo de quantas concessões o Vaticano fizer, poderia colocar o destino da Igreja “completamente nas mãos do governo”.
O especialista também disse que nos últimos dias o governo aumentou as limitações em relação à religião. Recordou que no dia 1º de fevereiro foram decretadas novas normas segundo as quais nenhum menor de 18 anos pode participar de serviços religiosos. Também foi proibido qualquer tipo de atividade com jovens, inclusive fora das igrejas.
Pe. Cervellera comentou ainda que um sacerdote lhe disse que o governo “transformou as igrejas em uma espécie de ‘casas noturnas’ somente para adultos”.
Se impedirem os jovens de participar do âmbito religioso, indicou o sacerdote, “praticamente condenam as religiões à morte” e esse “sempre foi o projeto do Partido Comunista Chinês. Foi assim que nasceu a Associação Patriótica, a fim de controlar a religião e, desse modo, aos poucos a religião vai morrendo por sufocamento”.
Por outro lado, continuou, um acordo com a Santa Sé poderia “facilitar a decisão dos candidatos sem problemas e ajudar com a administração cotidiana da Igreja”.
Se o Vaticano não insiste em ter mais espaços, “tanto a Igreja oficial como a clandestina continuarão sendo sufocadas, porque o que falta é a liberdade religiosa”.
Na segunda-feira, 12 de fevereiro, um grupo de 15 católicos chineses, a maioria deles de Hong Kong, escreveu uma carta aberta às conferências episcopais do mundo para manifestar a sua oposição ao acordo, assinalando que o governo comunista não deve participar da nomeação dos bispos. Além disso, advertiram sobre um eventual cisma caso este acordo chegue a se concretizar.
Receba as principais de ACI Digital por WhatsApp e Telegram
Está cada vez mais difícil ver notícias católicas nas redes sociais. Inscreva-se hoje mesmo em nossos canais gratuitos:
Porém, no dia anterior, o Bispo da Diocese de Mindong, Dom Joseph Guo Xijin – um dos dois prelados que o Vaticano pediu que fosse retirado em outubro de 2017 –, disse que estaria disposto a deixar o cargo para que assuma Dom Zhan Silu, excomungado por Roma.
Segundo o ‘New York Times’, Dom Guo Xijin, que foi preso em várias ocasiões pela polícia, assinalou que respeitaria o acordo e que, se lhe apresentarem um documento oficial e verificável do Vaticano solicitando a sua renúncia, “nesse caso teremos que obedecer a decisão de Roma”.
“A nossa posição é respeitar o acordo entre a Santa Sé e o governo chinês”, disse o Prelado, observando que “a Igreja Católica na China deve ter uma conexão com o Vaticano, a conexão não pode ser cortada”.
O Bispo também explicou que o regime chinês ainda está em dúvida se dá ao Vaticano a possibilidade de reger a vida espiritual e, embora não assinalem explicitamente que a Igreja deve “desconectar-se” de Roma, isso às vezes está implícito.
Dom Guo Xijing recordou que certa vez disse ao governo que, “quando impedem que as igrejas da China se comuniquem com Roma, estão batendo na própria cara. Precisamos participar de modo que a voz da China” não se perca, mas seja escutada na Igreja universal.
No entanto, apesar das diversas restrições aplicadas recentemente pelo governo, o Prelado acredita que as autoridades “estão se abrindo gradativamente”.
Na entrevista concedida à CNA, Pe. Cervellera disse que um acordo tornaria o processo de nomeação dos bispos mais simples e poderia abrir vários canais de comunicação entre o Vaticano e o governo.
“Agora realmente é complicado que o Vaticano faça com que as suas necessidades sejam escutadas na Igreja da China” e, por isso, um acordo poderia facilitar as coisas, mas “isso não significa que a torne mais livre”.
Sobre os rumores de que o acordo seguiria o modelo do Vietnã, o sacerdote disse que, neste caso, “pelo menos se pode assegurar que os critérios para escolher os candidatos estão baseados na fé”, porque com a Associação Patriótica os critérios são basicamente os seus interesses.
O especialista não acredita que o acordo seja realizado em abril. “Não digo isso sendo pessimista, mas porque há muitos problemas dentro (da comunidade católica)”, incluindo o fato de que muitos não querem.
Em resposta aos que assinalam que o acordo prejudicaria as relações entre o Vaticano e Taiwan, o sacerdote explicou que não seria assim porque, “se ocorre, teremos um acordo sobre a nomeação dos bispos. Não é um acordo de relações diplomáticas”.
Para este outro tópico, disse que “precisaremos de mais tempo”.
Se a Santa Sé chegar a um acordo com a China, “eu não acho que seja um grande problema (para Taiwan)”, porque “o Vaticano não pode esquecer Taiwan, pois sempre teve uma Igreja viva”.
Um acordo entre a China e o Vaticano, continuou o sacerdote, permitiria uma expressão religiosa maior para enfrentar o materialismo que carece de valores espirituais.
Então, sublinhou, “para encontrar um caminho para dar ou promover valores espirituais às pessoas, esta é uma tarefa importante”.
Ao concluir, Pe. Cervelera disse: “Não sei se isso possa acontecer através de um acordo sobre a nomeação dos bispos. Espero que sim, mas esta certamente é a missão da Igreja, de toda a Igreja universal em relação à China; para fazê-lo de maneira que o desenvolvimento chinês seja dentro da dignidade da pessoa humana. Espero que a Igreja seja capaz de tornar a China mais humana”.
Confira também:
Jornal da China: Acordo com o Vaticano se dará “cedo ou tarde” https://t.co/fcsHKUkl2F
— ACI Digital (@acidigital) 7 de fevereiro de 2018