Em uma ação sem precedentes, o Papa Francisco enviou nesta segunda-feira, 20 de agosto, uma carta a todo o “povo de Deus”, na qual condena “veementemente essas atrocidades” de abusos cometidos por membros da Igreja, particularmente os clérigos, e exorta todos a se unirem em jejum, penitência e oração a fim acabar com este mal.

Na missiva, que contém uma condenação rotunda aos abusos em toda a Igreja e destinada a todo o Povo de Deus, o que representa um esforço sem precedentes contra o tema dos abusos, o Pontífice recorda o trecho da carta de São Paulo aos Coríntios: “Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele”. Em seguida, lembra o relatório divulgado nos últimos dias detalhando que ao menos mil pessoas foram vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência durante décadas por parte do clero na Pensilvânia (Estados Unidos).

“Ao longo do tempo – assinala o Santo Padre –, conhecemos a dor de muitas das vítimas e constamos que as feridas nunca desaparecem e nos obrigam a condenar veementemente essas atrocidades, bem como unir esforços para erradicar essa cultura da morte”.

Segundo Francisco, trata-se de “um crime que gera profundas feridas de dor e impotência, em primeiro lugar nas vítimas, mas também em suas famílias e na inteira comunidade, tanto entre os crentes como entre os não crentes”.

Nesse sentido, afirma que “a dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a proteção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade”.

O Pontífice admitiu que “sentimos vergonha quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que proclamamos com a nossa voz”.

Assim, “com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas vidas”.

Na carta, assinala que “a dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse fato de maneira global e comunitária” e, dessa forma, “hoje, como Povo de Deus, somos desafiados a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito”.

“Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro, num âmbito onde os conflitos, tensões e, especialmente, as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor”, assegura.

Tal solidariedade, segundo o Papa Francisco, exige que “denunciemos tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa” e também que se lute “contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual”.

“O chamado de Paulo para sofrer com quem sofre é o melhor antídoto contra qualquer tentativa de continuar reproduzindo entre nós as palavras de Caim: ‘Sou, porventura, o guardião do meu irmão?’”, indica o Santo Padre.

O Pontífice também reconhece “o esforço e o trabalho que que são feitos em diferentes partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem segurança e protejam à integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade”, assim como a “tolerância zero”.

Entretanto, reconhece que “tardamos em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias”; “mas confio que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro”, e assinala a necessidade de que “cada batizado se sinta envolvido na transformação eclesial e social que tanto necessitamos”.

Receba as principais de ACI Digital por WhatsApp e Telegram

Está cada vez mais difícil ver notícias católicas nas redes sociais. Inscreva-se hoje mesmo em nossos canais gratuitos:

Nesse sentido, lança um convite a “todo o Povo Santo fiel de Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do Senhor, que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o compromisso com uma cultura do cuidado e o ‘nunca mais’ a qualquer tipo e forma de abuso”.

“É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os membros do Povo de Deus”, asseverou o Papa, acrescentando que “o clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje”.

Assim, pontua, “a única maneira de respondermos a esse mal que prejudicou tantas vidas é vivê-lo como uma tarefa que nos envolve e corresponde a todos como Povo de Deus”, pois “essa consciência de nos sentirmos parte de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer nossos pecados e erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a partir de dentro”.

O Santo Padre indicou, então, que “a dimensão penitencial do jejum e da oração ajudar-nos-á, como Povo de Deus, a nos colocar diante do Senhor e de nossos irmãos feridos, como pecadores que imploram o perdão e a graça da vergonha e da conversão e, assim, podermos elaborar ações que criem dinâmicas em sintonia com o Evangelho”.

“É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros”, exorta.

O Papa Francisco, como fez em outras ocasiões, apontou que “a penitência e a oração nos ajudarão a sensibilizar os nossos olhos e os nossos corações para o sofrimento alheio e a superar o afã de domínio e controle que muitas vezes se torna a raiz desses males”.

Por outro lado, o jejum “nos dá fome e sede de justiça e nos encoraja a caminhar na verdade, dando apoio a todas as medidas judiciais que sejam necessárias. Um jejum que nos sacuda e nos leve ao compromisso com a verdade e na caridade com todos os homens de boa vontade e com a sociedade em geral, para lutar contra qualquer tipo de abuso de poder, sexual e de consciência”.

Mais em

Por fim, Francisco convida a seguir os passos de Nossa Senhora e, “quando experimentamos a desolação que nos produz essas chagas eclesiais, com Maria nos fará bem ‘insistir mais na oração’, procurando crescer mais no amor e na fidelidade à Igreja”.

A carta na íntegra se encontra disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2018/documents/papa-francesco_20180820_lettera-popolo-didio.html

Confira também: