Vaticano, 22 de fev de 2019 às 08:30
“Peço ao Espírito Santo que ajude a restabelecer a confiança na Igreja”, renovada e “absolutamente livre de abusos sexuais”, expressou uma das vítimas aos bispos e superiores que participam do Encontro sobre a Proteção de Menores, que acontece no Vaticano, quando também se pediu que as pessoas que sofrem estas agressões sejam mais ouvidas.
Na quinta-feira, 21 de fevereiro, foi inaugurado o encontro convocado pelo Papa Francisco para abordar com os presidentes de todos os episcopados o abuso sexual dentro da Igreja. O histórico evento será concluído no domingo, 24 de fevereiro, e é realizado na sala Nova do Sínodo.
Depois da oração inicial, foi projetado um vídeo através do qual os 190 participantes escutaram cinco testemunhos de vítimas de abusos sexuais cometidos por membros do clero.
“Gostaria de falar de mim, como católico, do que me aconteceu e do que eu gostaria de dizer aos bispos. Para um católico, a coisa mais difícil é conseguir falar de abuso sexual, mas uma vez que você tomou coragem e começa a contar, falo de mim, a primeira coisa que eu pensei foi: vou contar tudo para a Santa Mãe Igreja, onde me ouvirão e me respeitarão. A primeira coisa que fizeram foi tratar-me como um mentiroso, virar as costas para mim e dizer que eu e outros, éramos inimigos da Igreja”, expressou a primeira das vítimas, cujo nome, como o dos demais, não foi divulgado.
Nesse sentido, a pessoa disse aos bispos que as vítimas devem ser respeitadas e acompanhadas, sem “o perdão falso, o perdão forçado” que não funciona. “Vocês são os médicos da alma e todavia, com raras exceções, vocês se transformaram, em alguns casos, em assassinos da alma, em assassinos da fé. Que contradição terrível!”, expressou.
“Eu me pergunto: o que pensam Jesus e Maria quando veem que os seus pastores traem suas ovelhas? Peço-lhes, por favor, para colaborar com a justiça, que cuidem de modo particular das vítimas”, acrescentou.
Por isso, incentivou a escutar o Papa Francisco e pediu “ao Espírito Santo que os ajude a restabelecer a confiança na Igreja. Que aqueles que não querem ouvir o Espírito Santo e que querem continuar cobrindo, que vão embora da Igreja para deixar espaço aos que querem criar uma Igreja nova, uma Igreja renovada e uma Igreja absolutamente livre de abusos sexuais”.
“Não podemos continuar com o crime de cobrir o flagelo dos abusos sexuais na Igreja. Espero que o Senhor e Maria os ilumine e que, de uma vez por todas, colaboremos com a justiça para erradicar esse câncer da Igreja, porque a está destruindo. É isso que o demônio quer”.
Posteriormente, escutou-se o testemunho de uma mulher que foi obrigada a abortar três vezes por um sacerdote com o qual mantinha uma relação, o de um presbítero que, quando jovem, foi abusado por um clérigo, e de outros dois leigos que também foram vítimas de membros do clero.
O presbítero que foi abusado relatou que o fato ocorreu quando era adolescente. O abusador foi o sacerdote que o ensinava a ler a Bíblia durante a Missa. “Outra coisa que me feriu foi o bispo ao qual falei, depois de muitos anos, já adulto, sobre o ocorrido. Fui a ele junto com o meu provincial. Primeiro, escrevi uma carta ao bispo, seis meses depois de uma conversa com um padre. O bispo não me respondeu e depois de seis meses eu escrevi para o núncio”.
“O núncio reagiu mostrando compreensão. Depois eu encontrei o bispo e ele me atacou sem tentar me entender, e isso me feriu. De um lado o padre e do outro o bispo que...”, assinalou.
“O que sinto? Sinto-me mal, porque nem aquele padre respondeu à minha carta e nem o bispo respondeu, e já se passaram 8 anos. O que eu gostaria de dizer aos bispos? Que eles escutem essas pessoas, que aprendam a ouvir as pessoas que falam. Eu queria que alguém me escutasse, que se soubesse quem é aquele homem, aquele padre e o que faz. Perdoo de coração aquele padre e o bispo”, expressou.
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O quarto testemunho disse que como resultado do abuso “ainda há dor nos meus relacionamentos familiares, ainda há dor em meus irmãos e irmãs. Ainda sinto dor pelos meus pais, ainda sinto dor pela disfunção, pela traição, pela manipulação que esse homem malvado, que na época era o nosso padre católico, infligiu à minha família e a mim”.
Embora, tenha dito que “agora eu estou bem, porque encontrei esperança e cura contando a minha história”, esta pessoa exortou os bispos a terem “uma liderança, uma liderança de visão e coragem”.
Para isso citou como exemplo o Cardeal Francis George, que enfrentou os abusos cometidos por sacerdotes.
“Pensei: se ele pôde se expor e se tornar um exemplo, então eu poderia fazer isso também, e outros sobreviventes e outros católicos e fiéis podem se expor a fim de trabalhar por uma solução, trabalhar por uma cura, por uma Igreja melhor”, afirmou.
O último testemunho disse que foi assediado sexualmente “por muito tempo, e mais de cem vezes”, e isso lhe causou “traumas e flashbacks por toda a vida”. “É difícil viver a vida, é difícil estar com as pessoas, se relacionar com as pessoas. Eu tive esse comportamento também em relação à minha família, meus amigos e até mesmo Deus”, expressou.
Disse: “Toda vez que falei com os Provinciais e com os Superiores maiores, eles cobriam regularmente o problema, cobriam os abusadores e isso à vezes me mata. Conduzi esta batalha por muito tempo, mas a maior parte dos Superiores não são capazes de deter os abusadores, por causa da amizade entre eles”.
Por isso, pediu aos participantes do encontro “para tomarem ações severas. Se queremos salvar a Igreja, acredito que os abusadores devem ser punidos”.
“Se vocês querem salvar a Igreja, devemos nos mover e indicar os autores com nome e sobrenome. Não devemos permitir que as amizades cubram esse tipo de coisa, porque isso destruirá toda uma geração de crianças. Como Jesus dizia, devemos nos tornar como crianças, não molestadores de crianças”.
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— ACI Digital (@acidigital) 22 de fevereiro de 2019