SYDNEY, 15 de ago de 2019 às 18:00
O Arcebispo de Melbourne (Austrália), Dom Peter Comensoli, afirmou que preferiria ir para a prisão a romper o segredo de confissão; assim anunciou após a apresentação de um novo projeto de lei que obrigaria os sacerdotes do estado de Victoria a denunciar suspeitas de abuso infantil após conceder o sacramento da Confissão.
"Pessoalmente, guardarei o segredo", respondeu o Arcebispo à ABC Radio Melbourne na quarta-feira, 14 de agosto, quando perguntado se estaria disposto a romper o sacramento. Imediatamente depois, quando questionado se ele estava preparado para ir para a cadeia, disse: "Direi, no meu caso, que sim".
Na quarta-feira, 14, nas primeiras horas da manhã, o Parlamento de Victoria propôs o projeto de lei que incluiria sacerdotes em leis de denúncia obrigatória em casos de abuso sexual infantil, sem nenhuma exceção, mesmo para aqueles que concedem o sacramento da Reconciliação.
Essa lista de “denúncia obrigatória” incluía professores, policiais, médicos, enfermeiras, conselheiros escolares, funcionários da primeira infância e justiça juvenil, entre outros.
Dom Comensoli disse durante a entrevista que não considerava como "mutuamente excludentes" os princípios de denunciar o abuso infantil e o princípio de respeitar o sigilo sacramental.
“Sustento o princípio de denúncia obrigatória. Também me agarro ao princípio do segredo de confissão. Minha própria posição é que não vejo isso como mutuamente excludente”, expressou.
Neste sentido, disse que encorajaria alguém que admitisse abusar sexualmente de outra pessoa a informar para a polícia ou para a autoridade competente.
Além disso, encorajaria a pessoa que confessou o abuso a repetir a revelação novamente, mas desta vez fora do contexto da confissão, onde o segredo da confissão não se aplicaria e seria livre de denunciar para a polícia.
No entanto, disse que se a pessoa que está confessando se recusa a fazer isso, então, não quebraria o segredo confessional.
Em 2017, a Comissão Real de Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil pediu a abolição do sigilo sacramental como uma das 85 mudanças sugeridas para prevenir ainda mais o abuso infantil.
"A confissão na Igreja Católica é um encontro espiritual com Deus através do sacerdote", disse o então Arcebispo de Melbourne, Dom Denis J. Hart, em um comunicado emitido em agosto de 2017, que respondia à recomendação.
Dom Hart, que era o presidente da Conferência Episcopal Australiana na época, disse que a confissão "é uma parte fundamental da liberdade religiosa e é reconhecida na lei da Austrália e em muitos outros países".
“Deve permanecer assim, aqui na Austrália. Fora disso, todos os crimes contra crianças devem ser denunciados às autoridades e estamos absolutamente comprometidos em fazê-lo”, disse.
Em 2004, o sacerdote australiano Pe. Michael McCardle escreveu em uma declaração jurada que havia confessado o crime de abuso infantil 1.500 vezes a 30 sacerdotes durante um período de 25 anos. O presbítero disse que recebeu instruções de "rezar mais". Finalmente, foi condenado a seis anos de prisão depois de ser declarado culpado de mais de 60 acusações relacionadas a abusos.
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Os defensores dos direitos das crianças citaram os crimes de McArdle e suas repetidas confissões aos sacerdotes como justificativa para acabar com o sigilo sacramental.
Dom Comensoli disse, na quarta-feira, que as confissões de abuso sexual no confessionário são "profundamente raras" e que a maioria das confissões são feitas de forma anônima.
O Arcebispo de Melbourne disse que outras recomendações da Comissão Real Australiana, como supervisão e capacitação contínua para reconhecer e prevenir abusos, eram "muito mais importantes" do que os chamados a violar o segredo da confissão.
“Acho que todos esses tipos de coisas têm muito mais a ver com a proteção das crianças e são melhores em um nível prático do que essa coisa em particular. No entanto, essa coisa em particular se tornou quase tudo e acho que isso é uma pena”, disse Dom Comensoli.
A Constituição da Austrália afirma que "a Commonwealth não promulgará nenhuma lei para estabelecer uma religião, impor nenhuma observância religiosa ou proibir o livre exercício de qualquer religião".
Os esforços em outros países para obrigar o clero a violar o segredo da confissão não prosperaram.
O que diz o direito canônico
O Código de Direito Canônico que rege a Igreja Católica afirma que “o sigilo sacramental é inviolável; pelo que o confessor não pode denunciar o penitente nem por palavras nem por qualquer outro modo nem por causa alguma”.
Além disso, "é absolutamente proibido ao confessor o uso, com gravame do penitente, dos conhecimentos adquiridos na confissão, ainda que sem perigo de revelação”.
Um sacerdote confessor que “violar diretamente o sigilo sacramental, incorre em excomunhão latae sententiae (automática), reservada à Sé Apostólica”, que só pode ser levantada pelo Papa.
Confira também:
Por que mais sacerdotes da Austrália se negam a quebrar segredo de confissão? https://t.co/T4qc1WruyU
— ACI Digital (@acidigital) July 12, 2018