REDAÇÃO CENTRAL, 26 de set de 2019 às 20:00
O Bispo Emérito do Marajó, Dom José Luis Azcona Hermoso, que serviu nessa jurisdição da Amazônia durante quase 30 anos, criticou o silêncio sobre o pecado nos indígenas no Instrumentum laboris ou documento de trabalho do Sínodo da Amazônia, que será realizado de 6 a 27 de outubro no Vaticano.
O Prelado já se referiu em outras ocasiões ao texto e criticou, entre outras coisas, a “visão distorcida do chamado rosto amazônico”, a “interculturalidade” e a ordenação de homens casados.
Nesta oportunidade, Dom Azcona compartilhou com ACI Prensa – agência em espanhol do Grupo ACI – um artigo intitulado “O pecado dos indígenas no Instrumento de trabalho do Sínodo”, no qual se refere ao silêncio sobre este tema que há no texto que guiará as reflexões dos padres sinodais.
A seguir, o artigo completo do Bispo Emérito de Marajó:
O pecado dos indígenas no Instrumento de Trabalho do Sínodo
Entre os silêncios do Instrumento de Trabalho (IT) do Sínodo está a eliminação do conceito, a realidade do pecado nos indígenas, com consequências irreparáveis para a fé cristã, a Igreja, os sacramentos e a evangelização.
O reducionismo do pensamento único que caracteriza o IT alcança aqui extremos insustentáveis. O indígena amazônico é, segundo o IT, o homem em sua pureza original, nascido na selva e capaz de desenvolver sua inocência primitiva de uma maneira perfeita, o homem chamado pelo destino para salvar a humanidade, o homem no paraíso, o homem prelapsariano, o novo homem, o super-homem (Übermensch).
Este indígena seria o protótipo do ser humano chamado a amazonizar a Igreja e, assim, amazonizar o mundo. Este destino histórico teria uma oportunidade única durante a celebração do Sínodo em Roma. Desta maneira, as religiões indígenas pagãs seriam anunciadas, assim como seus rituais, celebrações, espíritos, conhecimentos da natureza e cosmovisões, sabedoria dos antepassados, dos grupos étnicos dos ancestrais que interpretam a terra como a mãe terra, sempre fiel, integrando e interligando todo o cosmos.
De fato, o IT nega a existência do pecado original e suas consequências na história, nas sociedades, em todas as culturas e nações, como ensina repetidamente o Catecismo da Igreja Católica e todo o magistério pós-conciliar.
Mas a verdade é essa. O conhecimento de Deus sobre os povos indígenas, assim como sobre os povos pagãos de Romanos 1 (Sabedoria 13-14), não os levou à obediência nem à glorificação de Deus, apesar de tê-lo conhecido por suas obras, especialmente por seu poder (Dynamis) e sua eternidade.
Amarraram a justiça na impiedade, como todos os povos da terra. Convencidos de ser sábios por meio da sabedoria de seus anciões, mitos, cosmovisões, culturas, domínio sobre os espíritos, forças ocultas ou evidentes, fizeram-se estúpidos (Romanos 1, 22), e exatamente como os gregos e os romanos adoraram amuletos, fetiches, totens, animais, plantas, pedras, espíritos (Romanos 1, 23).
Em uma palavra, como todos os povos, serviram às criaturas e não ao Criador que é bendito pelos séculos (Romanos 1, 25). Por isso, também entre os indígenas não são exceção os adúlteros, os violentos, os bêbados, indígenas sem misericórdia, invejosos, infanticidas, suicidas, cruéis, etnias belicosas que historicamente eliminaram outras etnias e nações indígenas, vários tipos de família indígena completamente alheios ao plano do Deus sobre o casal humano e a estrutura familiar.
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Por que o IT ignora e não aplica aos indígenas amazônicos a palavra apostólica da carta aos Romanos: Todos pecaram e todos necessitam da glória do Deus? (3, 23). Ou também esquece Jesus de Nazaré, o Filho de Deus vivo que diz: aqueles que têm saúde não necessitam de médico, mas sim os doentes; Eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores? (Mt 9, 12-13).
Onde está a misericórdia e a compaixão de Jesus, o amigo dois pecadores que se demonstra na pregação do ‘Arrependei-vos e crede, porque o Reino de Deus chegou’ (Mc 1, 15) completamente esquecido por parte do IT ou de teologias como a assim chamada Teologia indígena?
E como falar de liberdade, reconhecer e servir à dignidade dos povos indígenas, se também a eles não se proclama com alegria que são justificados, salvos gratuitamente pela graça (e com eles suas culturas e nações) por meio da Redenção realizada em Cristo Jesus (Romanos 3, 24), se eles o desejarem?
Em Jesus, a quem Deus constituiu (unicamente) como vítima de expiação pelos pecados em seu sangue pela fé (Ibid 25) e na qual todos e cada um dos homens são perdoados, também os indígenas, seus ancestrais pajens, culturas e povos.
Diante de tudo isso, que sentido tem a presença da assim chamada Tenda comum em Roma durante o Sínodo com seus incensos, defumações, rituais de aldeia, celebrações? Chegou a hora de abandonar os devaneios da arrogância (káujesis) prometeica e assumir a atitude de Maria, a única atitude eclesial digna: Aqui está a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo sua palavra.
Tenhamos de uma vez a coragem de permitir que ressoe em nossa mente a palavra de Pablo: De que te glorias se tudo o que recebeste como se não o tivesses recebido?
Levemos no coração esta outra do mesmo: Onde abundou ou pecado (também na Amazônia) superabundou a graça (Romanos 5, 20).
Tenhamos a coragem de entrar de uma vez na onda onipotente da Graça que Deus prepara para a Amazônia e para toda a humanidade.
Confira também:
Cardeal venezuelano analisa o Instrumentum Laboris do Sínodo da Amazônia https://t.co/QO2Xxmbl6r
— ACI Digital (@acidigital) September 24, 2019