Neste sábado, 23 de novembro, o Papa Francisco se reuniu na Nunciatura Apostólica com os Bispos do Japão, com os quais conversou sobre a realidade da sociedade japonesa, recordou os 26 mártires do século XVI e assinalou que “proteger toda a vida e anunciar o Evangelho não são duas coisas separadas nem contrapostas, mas uma reclama e exige a outra”.

A seguir, o discurso completo do Papa Francisco:

Queridos irmãos!

Estou muito feliz pela graça de visitar o Japão e pela recepção que me reservastes. Agradeço especialmente a D. Takami as palavras que me dirigiu em nome de toda a comunidade católica deste país. Encontrando-me aqui convosco, neste que é o primeiro encontro oficial, quero saudar todas as vossas comunidades, fiéis-leigos, catequistas, sacerdotes, religiosos, pessoas consagradas, seminaristas. E desejo também estender o meu abraço e as minhas orações a todos os japoneses, neste período marcado pela entronização do novo Imperador e o início da era Reiwa.

Não sei se sabeis, mas desde jovem senti simpatia e estima por estas terras. Passaram-se muitos anos desde aquele impulso missionário, cuja realização se fez esperar. Hoje, o Senhor dá-me a oportunidade de estar no vosso meio como peregrino missionário seguindo os passos de grandes testemunhas da fé. Completam-se quatrocentos e setenta anos da chegada de São Francisco Xavier ao Japão, que marcou o início da propagação do cristianismo nesta terra. Recordando-o, quero unir-me convosco para dar graças ao Senhor por todos aqueles que, ao longo dos séculos, se dedicaram a semear o Evangelho e a servir o povo japonês com grande unção e amor; tal dedicação conferiu uma fisionomia muito particular à Igreja japonesa. Penso nos mártires São Paulo Miki e seus companheiros e no Beato Justo Takayama Ukon, que, no meio de muitas provações, deram testemunho até à morte. Esta oferta de si mesmos para manter viva a fé no meio da perseguição ajudou a pequena comunidade cristã a crescer, consolidar-se e dar fruto. Pensemos também nos «cristãos escondidos» da região de Nagasaki, que mantiveram a fé durante várias gerações graças ao Batismo, à oração e à catequese. Autênticas Igrejas domésticas que resplandeciam nesta terra, talvez sem o saberem, como espelhos da Família de Nazaré.

O caminho do Senhor mostra-nos como a vossa presença se ajusta à vida diária do povo fiel, que procura a forma de continuar a tornar presente a memória d’Ele; uma presença silenciosa, uma memória viva de que, onde estiverem dois ou mais reunidos em seu Nome, aí estará Ele com a força e a ternura do seu Espírito (cf. Mt 18, 20). O DNA das vossas comunidades está marcado por este testemunho, antídoto contra todo o desespero, que nos indica a estrada para onde encaminhar-se. Sois uma Igreja que se manteve viva pronunciando o Nome do Senhor e contemplando como Ele vos guiava no meio da perseguição.

A sementeira confiante, o testemunho dos mártires e a espera paciente dos frutos, que o Senhor concede no devido tempo, caracterizaram a modalidade apostólica com que soubestes acompanhar a cultura japonesa. Como resultado, plasmastes ao longo dos anos um rosto eclesial, geralmente muito apreciado pela sociedade japonesa, graças às vossas variadas contribuições para o bem comum. Este importante capítulo da história do país e da Igreja universal foi agora reconhecido com a designação das igrejas e cidades de Nagasaki e Amacuça como lugares do Patrimônio Cultural Mundial; mas sobretudo como memória viva da alma das vossas comunidades, esperança fecunda de toda a evangelização.

Esta viagem apostólica decorre sob o lema «proteger toda a vida»; lema este, que pode facilmente simbolizar o nosso ministério episcopal. O bispo é uma pessoa que o Senhor chamou do meio do seu povo, para lho devolver como pastor capaz de proteger toda a vida; isto define, em certa medida, o alvo para onde devemos apontar.

A missão nestas terras caracterizou-se por uma busca intensa de inculturação e diálogo, que permitiu a formação de novas modalidades, independentes das desenvolvidas na Europa. Sabemos que, desde o início, se utilizaram escritos, teatro, música e todo o gênero de instrumentos, na sua maioria em língua japonesa. Este fato demonstra o amor que os primeiros missionários sentiam por estas terras. Proteger toda a vida significa, em primeiro lugar, ter um olhar contemplativo capaz de amar a vida de todo o povo que vos está confiado, para reconhecerdes nele, antes de mais nada, um dom do Senhor. «Porque só o que se ama pode ser salvo. Só o que se abraça, pode ser transformado» (XXXIV Jornada Mundial da Juventude, Panamá, Vigília de Oração, 26/I/2019). É o princípio da encarnação, capaz de nos ajudar – melhor do que outras considerações, válidas mas secundárias – a olhar cada vida como um dom gratuito. Proteger toda a vida e anunciar o Evangelho não são duas coisas separadas nem contrapostas, mas uma reclama e exige a outra. Ambas significam estar atentos e vigilantes relativamente a tudo aquilo que hoje possa impedir, nestas terras, o desenvolvimento integral das pessoas confiadas à luz do Evangelho de Jesus.

Sabemos que a Igreja, no Japão, é pequena, e os católicos são uma minoria; mas isto não deve desmerecer o vosso compromisso com a evangelização, pois, na vossa situação particular, a palavra mais forte e clara que se pode oferecer é a dum testemunho humilde, diário, aberto ao diálogo com as outras tradições religiosas. A hospitalidade e o cuidado prestados aos numerosos trabalhadores estrangeiros, que constituem mais de metade dos católicos do Japão, servem não só como testemunho do Evangelho no meio da sociedade japonesa, mas atestam também a universalidade da Igreja, demonstrando que a nossa união com Cristo é mais forte do que qualquer outro vínculo ou identidade e é capaz de atingir e envolver todas as realidades.

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Uma Igreja de mártires pode falar com maior liberdade, especialmente quando aborda questões urgentes como a paz e a justiça no nosso mundo. Em breve, visitarei Nagasaki e Hiroshima, onde rezarei pelas vítimas do catastrófico bombardeamento destas duas cidades e darei voz aos vossos próprios apelos proféticos em prol do desarmamento nuclear. Desejo encontrar aqueles que sofrem ainda as feridas daquele trágico episódio da história humana, bem como as vítimas do «tríplice desastre». O seu prolongado sofrimento é uma advertência eloquente para o nosso dever humano e cristão de ajudar a quantos sofrem no corpo e no espírito e de oferecer a todos a mensagem evangélica de esperança, cura e reconciliação. O mal não faz acepção de pessoas nem pergunta pela sua  filiação; simplesmente irrompe com a sua força destruidora, como aconteceu recentemente com o furação devastador que causou tantas vítimas e danos materiais. Encomendemos à misericórdia do Senhor os que morreram, os seus familiares e todos os que perderam a casa e bens materiais. Não tenhamos medo de realizar sempre, aqui e em todo o mundo, a missão de levantar a voz e defender toda a vida como dom precioso do Senhor.

Por isso vos encorajo nos vossos esforços por garantir que a comunidade católica, no Japão, ofereça um testemunho claro do Evangelho no meio de toda a sociedade. O apostolado educacional da Igreja, muito apreciado, constitui um grande recurso para a evangelização e demonstra o compromisso com as mais amplas correntes intelectuais e culturais; a qualidade da sua contribuição dependerá naturalmente da promoção da sua identidade e missão.

Estamos cientes da existência de vários flagelos que ameaçam a vida de algumas pessoas das vossas comunidades, por várias razões atingidas pela solidão, o desespero e o isolamento. O aumento do número de suicídios nas vossas cidades, bem como o bullying (ijime) e várias formas de consumo estão a criar novos tipos de alienação e desorientamento espiritual. E como tudo isto atinge especialmente os jovens! Convido-vos a prestar atenção especial a eles e às suas necessidades, procurando criar espaços onde a cultura da eficiência, do rendimento e do sucesso possa abrir-se à cultura dum amor gratuito e altruísta, capaz de oferecer a todos – e não só aos mais prendados – possibilidades duma vida feliz e realizada. Com o zelo, as ideias e a energia que conseguirdes comunicar-lhes, para além duma boa formação e um bom acompanhamento, os vossos jovens podem ser uma fonte importante de esperança para os seus coetâneos e dar um testemunho vivo de amor cristão. Uma proposta criativa, inculturada e engenhosa do querigma pode ter um forte reflexo em muitas vidas sedentas de compaixão.

Sei que a messe é tanta, e os operários são poucos. Por isso vos encorajo a buscar, desenvolver e fazer crescer uma missão capaz de envolver as famílias e promover uma formação capaz de atingir as pessoas onde quer que estejam, tendo sempre em conta a realidade: o ponto de partida para todo o apostolado situa-se no lugar onde se encontram as pessoas, com os seus hábitos e ocupações. Aí devemos alcançar a alma das cidades, dos lugares de trabalho, das universidades, para acompanhar com o Evangelho da compaixão e da misericórdia os fiéis que nos foram confiados.

De novo obrigado pela oportunidade que me ofereceis de visitar as vossas Igrejas locais e celebrar juntamente com elas. Pedro quer confirmar-vos na fé, mas vem também para tocar e deixar-se renovar nos passos de tantos mártires testemunhas da fé; rezai ao Senhor para que me dê esta graça.

Peço ao Senhor que vos abençoe e, na pessoa de cada um de vós, às vossas comunidades.

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