TOKIO, 25 de nov de 2019 às 08:08
Nesta segunda-feira, 25 de novembro, em seu penúltimo dia de visita ao Japão, o Papa Francisco se encontrou em Tóquio com sobreviventes da tríplice catástrofe que atingiu o país em 11de março de 2011. Em seu discurso, agradeceu a solidariedade demonstrada para com as dezenas de milhares de danificados e incentivou a construir uma cultura que combata a indiferença, assim como a refletir sobre que tipo de mundo se quer deixar às gerações futuras.
A seguir, o discurso completo do Papa Francisco:
Queridos amigos!
Este encontro convosco é um momento importante na minha visita ao Japão. Agradeço-vos as boas-vindas, com música argentina. De maneira especial, agradeço a Toshiko, Tokuun e Matsuki, que partilharam a sua história connosco. Eles e vós também representais todos aqueles que tanto sofreram por causa do tríplice desastre – o terremoto, o tsunami e o acidente nuclear – que afetou não só as prefeituras de Iwate, Miyagi e Fukushima, mas o Japão inteiro e os seus habitantes. Obrigado por terdes expresso, com as vossas palavras e a vossa presença, a tristeza e a dor sofridas por tantas pessoas, mas também a esperança aberta para um futuro melhor. Ao concluir o seu testemunho, Matsuki convidou-me a unir-me a vós em oração. Façamos um momento de silêncio e deixemos que a nossa primeira palavra seja rezar pelas mais de dezoito mil pessoas que perderam a vida, pelas suas famílias e pelos que ainda estão desaparecidos. Façamos uma oração que nos una e dê a coragem de olhar em frente com esperança.
Agradeçamos também os esforços dos governos locais, organizações e pessoas que trabalham na reconstrução das áreas onde se verificaram as catástrofes e procuram aliviar a situação das mais de cinquenta mil pessoas que foram evacuadas e se encontram atualmente em alojamentos provisórios, sem poder ainda regressar às suas casas.
Agradeço de modo especial a prontidão – como assinalou Toshiko – com que muitas pessoas, não só do Japão mas de todo o mundo, se mobilizaram logo depois das catástrofes, para socorrer as populações atingidas; fizeram-no com a oração e com a assistência material e financeira. Uma ação que não se pode exaurir no tempo desaparecendo após o choque inicial, mas que devemos prolongar e apoiar. Entretanto – lembrou Matsuki – alguns dos que viviam nas áreas afetadas agora sentem-se esquecidos, e parte deles deve fazer frente a problemas contínuos de terras e florestas contaminadas e os efeitos a longo prazo das radiações.
Que este encontro sirva para podermos, juntos, lançar um apelo a todas as pessoas de boa vontade, para que as vítimas destas tragédias continuem a receber a ajuda de que tanto necessitam.
Sem os recursos básicos, como comida, roupas e abrigo, não é possível levar por diante uma vida digna e ter o mínimo necessário para conseguir uma reconstrução; esta, por sua vez, necessita da solidariedade e apoio de toda uma comunidade. Ninguém se «reconstrói» sozinho, ninguém pode começar de novo sozinho. É essencial encontrar uma mão amiga, uma mão irmã, capaz de ajudar a erguer não só a cidade, mas também o olhar e a esperança. Toshiko disse-nos que, apesar de ter perdido a casa no tsunami, está agradecida por poder apreciar o dom da vida e sentir esperança quando vê as pessoas unir-se para se ajudarem entre si. Nestes oito anos após o tríplice desastre, o Japão demonstrou como um povo se pode unir em solidariedade, paciência, perseverança e resistência. O caminho para uma recuperação completa poderá ser ainda longo, mas sempre é possível enquanto contar com a alma deste povo capaz de se mobilizar para prestar mútuo socorro e ajuda. Se não fizeres nada, como disse Toshiko, o resultado será zero, mas se deres um passo, terás avançado um passo. Por isso, convido-vos a avançar um pouco cada dia na construção do futuro, baseado na solidariedade e empenho recíproco, para vós, para vossos filhos e netos, e para as gerações vindouras.
Tokuun perguntou como podemos dar resposta a outros problemas importantes que nos afetam e que não podem, como bem sabeis, ser considerados e tratados isoladamente: guerras, refugiados, alimentação, disparidades económicas e desafios ambientais. É um erro grave pensar que, hoje, se podem enfrentar os problemas de maneira isolada, sem os assumir como parte duma rede mais ampla. Como justamente assinalaste, fazemos parte desta terra, do meio ambiente, já que, em última instância, tudo está interligado. Penso eu que o primeiro passo, além de tomar decisões corajosas e importantes sobre o uso dos recursos naturais e, em particular, sobre as fontes futuras de energia, é trabalhar e caminhar rumo a uma cultura capaz de combater a indiferença. Um dos males que mais nos afeta está na cultura da indiferença. Urge mobilizar-se para ajudar a tomar consciência que, se um membro de nossa família sofre, todos sofremos com ele; porque não se alcança uma interconexão, se não se cultiva a sabedoria da mútua pertença – pertencemo-nos uns aos outros –, a única capaz de assumir os problemas e as soluções de maneira global.
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Nesta linha, gostaria de recordar especialmente o acidente nuclear de Daiichi em Fukushima e as suas consequências. Além das preocupações científicas ou médicas, existe ainda um trabalho imenso a fazer para restaurar o tecido da sociedade. Enquanto não se restabelecerem os laços sociais nas comunidades locais e as pessoas não voltarem a ter uma vida segura e estável, não estará completamente solucionado o acidente de Fukushima. Daqui brota a preocupação com o prolongamento do uso da energia nuclear, como justamente apontaram os meus irmãos bispos do Japão, que pediram a abolição das centrais nucleares.
No nosso tempo, há a tentação de fazer do progresso tecnológico a medida do progresso humano. Este «paradigma tecnocrático» de progresso e desenvolvimento molda a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade, levando frequentemente a um reducionismo que afeta todas as áreas da nossa sociedade (cf. Laudato si’, 101-114). Por isso, em momentos como este, é importante fazer uma pausa, parar e refletir sobre quem somos e – talvez de forma mais crítica – quem queremos ser. Que espécie de mundo, que tipo de legado queremos deixar a quantos vierem depois de nós? A sabedoria e a experiência dos idosos, juntamente com o empenho e o entusiasmo dos jovens, podem ajudar a plasmar uma visão diferente, uma visão que ajude a olhar com grande respeito o dom da vida e a solidariedade com os nossos irmãos e irmãs na única, multiétnica e multicultural família humana.
Ao pensar no futuro da nossa casa comum, devemos perceber que não podemos tomar decisões puramente egoístas, pois temos uma grande responsabilidade para com as gerações futuras. Neste sentido, é-nos pedida a opção por um estilo de vida humilde e austera, que tenha em conta as urgências que somos chamados a enfrentar. Toshiko, Tokuun e Matsuki lembraram-nos a necessidade de encontrar um novo caminho para o futuro, um caminho baseado no respeito por toda a pessoa e pelo ambiente natural. Neste caminho, «todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades» (Ibid., 14).
Queridos irmãos, no trabalho contínuo de recuperação e reconstrução depois do tríplice desastre, muitas mãos se devem juntar e muitos corações se devem unir como se fossem um só. Desta forma, as pessoas que sofreram receberão apoio e saberão que não foram esquecidas. Saberão que muitas pessoas compartilham, ativa e eficazmente, o seu sofrimento e continuarão a estender uma mão fraterna para ajudar. Mais uma vez, louvemos e demos graças por todos aqueles que procuraram, com simplicidade, aliviar o peso das vítimas. Que esta compaixão seja o caminho que permita a todos encontrar esperança, estabilidade e segurança para o futuro.
De novo obrigado por terdes estado aqui. Por favor, rezai por mim; e que Deus conceda a todos vós e vossos entes queridos as bênçãos de sabedoria, fortaleza e paz.
Muito obrigado!
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— ACI Digital (@acidigital) November 24, 2019