REDAÇÃO CENTRAL, 20 de dez de 2019 às 12:00
A nova produção da Netflix, "The Two Popes" (Dois Papas), que se concentra em várias reuniões imaginárias entre o Papa Bento XVI e o Cardeal Jorge Mario Bergoglio no período entre os conclaves de 2005 e 2013, não convenceu alguns críticos de cinema.
Bento XVI é interpretado por Anthony Hopkins e o Cardeal Bergoglio, o futuro Papa Francisco, é interpretado por Jonathan Pryce.
Embora os cineastas digam que o filme é uma obra de ficção, o diretor do filme também disse à CNA – agência em inglês do Grupo ACI – que representa sua compreensão dos valores do Papa Francisco. No entanto, os críticos enfatizam que o filme não representa com precisão o Papa Bento XVI e o Papa Francisco e, por outro lado, reflete uma abordagem ideológica de ambos.
“O casting esquemático do Papa Bento XVI como um reacionário rígido e o futuro Papa Francisco como um reformador revolucionário têm menos a ver com a realidade dos dois homens do que com a necessidade de conflito do dramaturgo e uma preferência ideológica pela narrativa da libertação progressiva que triunfa sobre o tradicionalismo oculto”, disse o diácono Steven Greydanus, crítico de cinema e fundador do decentfilms.com.
A tese de "Dois Papas", disse Greydanus, "é que Bento representa tudo o que havia de errado na Igreja do passado, enquanto Francisco é tudo o que precisamos para a Igreja de amanhã". Além disso, "Bento é o papa vaidoso e ambicioso rejeitado por Deus, enquanto Francisco é o pastor desprendido e firme escolhido por Deus para nos guiar ao futuro".
“Tratar Bento e Francisco como emblemas de campos antitéticos, cada um oposto a tudo o que o outro representa, não é apenas injusto para ambos os papas, mas perpetua um modelo polarizado e reducionista de conflito na Igreja e, finalmente, da própria Igreja”, disse.
“Deveríamos falar de corrupção versus reforma real, sigilo versus comunicação, privilégio versus responsabilidade, tribalismo versus solidariedade. Conservadorismo versus liberalismo é um marco tão esgotado e limitado para abordar os desafios muito sérios que a Igreja enfrenta hoje”, continuou.
O diretor do filme, Fernando Meirelles, disse à CNA que tinha a intenção de desenhar uma dicotomia entre Bento e Francisco.
“Quando li o roteiro pela primeira vez, ficou muito claro para mim: Tinha o papa bom e o papa mau. Sentia muito mais simpatia pelo Papa Francisco, principalmente porque não sabia muito sobre o Papa Bento ”, disse o diretor.
No nível político, Meirelles disse que o filme apresenta a "agenda" do Papa Francisco, que inclui os pobres, "construir pontes", a "crise climática" e a crescente disparidade econômica. "Eu o admiro muito por isso", disse.
Mas críticos e acadêmicos disseram que o apoio do filme à compreensão do diretor sobre a agenda do Papa foi dura e pouco realista.
Jorge Milan, professor de comunicação audiovisual da Universidade Pontifícia da Santa Cruz em Roma, disse à CNA que, em "Dois Papas", é "óbvio que Ratzinger estava do lado conservador: É chato, sempre muito severo, às vezes até com raiva ”, enquanto Francisco é retratado como um personagem progressista e compreensivo.
Milan explicou que, "em geral, há uma polarização no mundo, uma polarização política, de modo que tudo é colocado à direita ou à esquerda".
Enrique Fuster, que também ensina comunicação na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, disse que é óbvio que Francisco deveria ser o "bom papa" do filme, enquanto Bento "não é tão bom".
Essa representação "não faz justiça ao Papa Bento", disse Fuster.
Acrescentou que o filme "levou seus estereótipos longe demais com seu tratamento fraco e superficial da participação de Bento na luta contra o abuso sexual na Igreja".
Apenas uma breve cena do filme trata o tema, com Bento XVI "confessando" um pecado passado ao Cardeal Bergoglio, de tal maneira que insinua que o Papa alemão sabia sobre o sacerdote mexicano sexualmente abusivo e fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel Degollado, mas não agiu ou esperou muito tempo para agir.
Isso é tão "falso" como "injusto", disse Fuster.
De fato, como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Cardeal Joseph Ratzinger iniciou a investigação canônica sobre Maciel e, como papa, retirou-o do ministério sacerdotal em 2006. Isso se soma a muitas outras ações contra os abusos realizadas por Bento XVI, antes e durante o seu papado.
Greydanus explicou que "todos os filmes de ficção, incluindo aqueles baseados em pessoas reais, têm liberdade com os fatos"; e, porque o drama depende do conflito, "não é de surpreender que o filme exagere as diferenças entre Bento e Francisco”.
No entanto, "essas diferenças exageradas incluem falsidades", destacou Greydanus.
Do mesmo modo, assinalou que dizer que o Cardeal Ratzinger era ambicioso e buscava o papado a todo custo, como mostra o filme, também é uma falsidade bem conhecida.
Até o roteirista do filme, McCarten, em seu livro de não ficção "Dois Papas", "expõe a evidência de que o papado era a última coisa que Ratzinger queria, que durante mais de uma década queria se aposentar e se dedicar a estudar e escrever”, disse o crítico do cinema.
Por sua vez, Milan não concordou com a descrição que o filme faz de Bento XVI, como uma pessoa irada, que grita e experimenta um desses momentos de "falta de conexão" com Deus, justo antes de tomar a decisão de renunciar ao papado.
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Greydanus concordou. "Qualquer um que tenha se beneficiado dos escritos de Ratzinger ao longo dos anos sabe como foi pacificador no diálogo, inclusive com pontos de vista com os quais não estava de acordo”, disse.
"O caráter suspeito e mal-humorado do filme é uma caricatura sem graça, às vezes, elevada pelas escolhas sutis de atuação de Hopkins", assinalou.
Milan acrescentou que os católicos que planejam assistir "Dois Papas" se encontrarão "com um filme com muita ficção". Além disso, afirmou que, embora seja "interessante", não sugere que um católico o veja.
O diretor Meirelles disse à CNA que, enquanto pesquisava para o filme e via a representação que Hopkins fazia de Bento XVI, percebeu que os dois papas "não são tão diferentes como eu pensava no começo", mas que ainda prefere "a abordagem do Papa Francisco, realmente vinculado ao mundo, olhando o que está ao seu redor”.
No Brasil, Meirelles é conhecido por co-dirigir "Cidade de Deus", filme de 2002, baseado em uma favela no Rio de Janeiro. Disse que é católico, mas parou de participar da Missa quando era criança.
Não foi a religião o que o levou a aceitar a oferta de dirigir o filme, mas a política, afirmou. "Acho que o Papa Francisco entende o mundo de uma maneira que eu estou de acordo", assegurou.
O diretor disse que o filme também tem elementos espirituais e pessoais a serem considerados. "No nível pessoal, é uma conversa entre dois homens que discordam sobre a maioria de suas coisas, na maioria dos pontos, mas precisam alcançar um terreno comum porque fazem parte da mesma instituição", descreveu.
Ressaltou que o elemento espiritual do filme é a ideia de que, mesmo que você acredite em Deus ou em outro ser divino, "em algum momento perde a conexão". Meirelles comparou o conceito católico de um período intenso de desolação espiritual, às vezes chamada de "noite escura da alma", com uma sessão de ioga sem foco.
"Essa ideia de não escutar Deus, é claro, funciona para os católicos, mas também para quem tem alguma crença", disse.
O filme se mistura com imagens da vida real dos conclaves e eventos históricos "para fazê-lo parecer real", mas não é um documentário ou um "filme biográfico convencional", disse Meirelles.
Também explicou que o filme deveria se chamar "O Papa" e se concentrar em contar a história de Francisco, mas o nome foi alterado nos últimos meses.
Grande parte de "Dois Papas" é dedicada às lembranças de momentos importantes da vida de Francisco em Buenos Aires, como quando percebeu um chamado ao sacerdócio e aos jesuítas e sua ação e inação durante o governo do final dos anos 1970 e início dos anos 1980.
Há momentos de realismo, como mostrar a afinidade de Bento por Francisco. O diretor assinalou que parte do diálogo é adaptada de escritos ou discursos reais dos dois papas, embora as citações sejam usadas fora de contexto e fora de sincronia com a linha do tempo real.
Jonathan Pryce, ator galês que interpreta o Cardeal Jorge Bergoglio, disse à CNA que também admira a política de Francisco. "Normalmente eu teria ido, mas queria interpretar esse papa com esse roteiro, com esse diretor", indicou o ator, que cresceu na tradição protestante.
“Este foi o primeiro papa que senti que estava falando comigo em termos políticos (...). Gostei da ideia de que era progressista e socialista, que para mim o socialismo é uma forma de cristianismo... Os princípios cristãos são princípios socialistas”, disse Pryce.
O Cardeal Peter Turkson, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, assistiu ao filme em uma projeção em 11 de dezembro. Durante uma coletiva de imprensa no dia seguinte, que não tinha relação com o filme, descreveu-o como uma "interpretação".
O Cardeal Turkson também disse que, embora Pryce tenha uma grande semelhança física com o Cardeal Bergoglio e tenha se comportado bem, não acredita que Hopkins tenha conseguido o mesmo com o Papa Bento.
Em 17 de dezembro, um grande anúncio de "Dois Papas" apareceu em um andaime em frente a um prédio de propriedade do Vaticano.
O edifício, localizado na rua principal em frente à Praça de São Pedro, é propriedade extraterritorial do Vaticano e é controlado pela Congregação para a Evangelização dos Povos, também chamada Propaganda Fide.
Embora o Cardeal Turkson e outras autoridades do Vaticano tenham visto o filme em sessões particulares, o Vaticano não comentou publicamente sobre ele.
"Dois Papas" será lançado na Netflix neste dia 20 de dezembro.
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— ACI Digital (@acidigital) December 19, 2019