29 de jan de 2020 às 16:00
O estudioso muçulmano radicado na França, Kamel Abderrahmani, publicou um artigo intitulado “A inquisição dos tempos modernos”, no qual denuncia que a liberdade de expressão está morrendo no mundo islâmico.
“No mundo muçulmano, a liberdade de expressão está morrendo. Ninguém pode se expressar livremente se o que pensa vai além da estrutura do pensamento único e majoritário. Quando se fala de religião, a pressão de multiplica, aumento e o debate é praticamente impossível”, escreve Abderrahmani no texto publicado em francês em sua página de Facebook e na agência Asia News, onde escreve habitualmente desde 2016 sobre questões relacionadas ao islã.
O muçulmano denuncia que esta forma de proceder constitui uma espécie de “jihad judicial” com a qual se entrega à justiça quem critica “ou desmistifica a natureza violenta dos seguidores da que – apesar de tudo – diz ser uma religião de paz”.
No Ocidente, explica o especialista, faz-se com organizações geralmente dirigidas pela Irmandade Muçulmana que se orientam a “combater o racismo ou a ‘islamofobia’”; enquanto nos países muçulmanos, a jihad judicial tem na mira “os intelectuais, pesquisadores e até mesmo os islamólogos que se atrevem a ter um olhar crítico em relação à religião, a fazer uma leitura crítica do islã e a interpretar os textos religiosos de um modo que difere da versão oficial e dominante”.
Como exemplo desta perseguição, Abderrahmani explica o caso de Saïd Djabelkhir, um polêmico islamólogo que recebeu ameaças de morte diante da passividade do governo. Foi denunciado pela “celebração do Ano Novo berbere, o 'Yennayer', porque o mufti salafista Mohamed Ali Ferkous considera que se trata de uma festa pagã e ilícita".
O Yennayer é a celebração do primeiro dia do ano do calendário agrário usado desde os tempos antigos pelos berberes, habitantes nativos do norte da África. Este ano, a celebração foi realizada em 12 de janeiro.
Mohamed Ali Ferkous emitiu uma fátua, ordem que poder ter inclusive valor legal no mundo muçulmano, para proibir o Yennayer e “para erradicá-lo dos costumes e tradições argelinas”.
Segundo Abderrahmani, Saïd Djabelkhir respondeu de forma sólida e disse que “o Yennayer não tem uma conotação religiosa que justifique sua proibição em nome do islã; e que o islã inclui algumas práticas pagãs, como a peregrinação e o sacrifício das ovelhas para o Aïd”.
Por sua vez, o ministro de Assuntos Religiosos na Argélia, Youcef Belmehdi, participou de uma conferência sobre o patrimônio berbere e incentivou a “bloquear o caminho a quem se aproveita do pluralismo cultural argelino para semear a discórdia na sociedade”.
Além disso, o órgão que coordena os imãs na Argélia, os deputados que obedecem ao islã e outros pediram que Saïd Djabelkhir fosse processado por "ter tentado contra os preceitos do islã e por semear discórdia na sociedade argelina”.
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Na denúncia contra ele, Djabelkhir é acusado pelo “crime de escárnio referido às ciências da religião e aos ritos islâmicos” e de “ultraje ao profeta Maomé”, ou blasfêmia.
Nos países muçulmanos, a lei de blasfêmia pode terminar em uma condenação à morte e, em certas ocasiões, os acusados são linchados por multidões islâmicas que exigem o escárnio público do acusado.
Kamel Abderrahmani considera que o que Djabelkhir disse está devidamente sustentado por “textos religiosos que os estudantes sunitas tentam ocultar aos muçulmanos”.
Os sunitas constituem o ramo majoritário do islã, que se consideram o mais tradicional e ortodoxo da religião muçulmana, sendo aproximadamente de 85% a 90% de seus membros.
O especialista conclui seu artigo ressaltando que, como “islamólogo, Djabelkhir é um perigo para o pensamento obscurantista que os islamistas usam para manter a sociedade sob seu controle”.
Publicado originalmente por ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Natalia Zimbrão.
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