LONDRES, 28 de fev de 2020 às 11:12
Apesar da alegação de seus pais, que asseguram que mostra "sinais de vida", um bebê de quatro meses que sofreu graves danos cerebrais foi declarado legalmente morto e seu respirador foi removido no Reino Unido.
Midrar Ali foi desconectado recentemente de seu respirador, depois que os juízes concordaram com os médicos do St. Mary’s Hospital (Manchester) de que o tronco cerebral da criança estava morto. No entanto, o critério usado no caso do Reino Unido é controverso e a "morte do tronco encefálico" não é aceita para o diagnóstico de morte em muitas partes do mundo.
Um bioeticista católico indica que o caso de Ali merece julgamento médico e ético cuidadoso e alerta que o Reino Unido adotou uma abordagem "questionável" para definir a morte e cuidados médicos adequados para danos cerebrais graves.
"A morte do tronco cerebral não equivale necessariamente à morte", disse em 26 de fevereiro a CNA – agência em inglês do Grupo ACI – Pe. Tadeusz Pacholczyk, PhD, bioeticista e diretor de educação no National Catholic Bioethics Center (Centro Católico Nacional de Bioética).
"A Grã-Bretanha adotou uma abordagem pouco ortodoxa e questionável pela qual tentam classificar alguém com dano irreversível ao tronco cerebral como ‘morto’, mesmo quando outros centros superiores do cérebro manifestam que existe funcionalidade integradora", disse.
Em seguida, acrescentou que "a profissão médica fora da Grã-Bretanha não compartilha essa perspectiva amplamente, e certamente tampouco a profissão médica nos Estados Unidos", disse Pe. Pacholczyk, que tem doutorado em neurociência pela Universidade de Yale.
Em setembro de 2019, o recém-nascido Midrar Ali sofreu um dano cerebral grave durante o parto, quando as complicações relacionadas ao seu cordão umbilical o privaram de oxigênio. Foi tratado no St. Mary’s Hospital, em Manchester.
A BBC informou em 26 de fevereiro que o menino foi desconectado de seu respirador. Seu pai solicitou uma investigação judicial e forense, informa a BBC News.
Em 14 de fevereiro, um tribunal de apelações rejeitou o recurso legal dos pais da criança, Karwan Ali, de 35 anos, e Shokhan Namiq, de 28 anos. O tribunal ficou do lado de um juiz do Tribunal Superior que, em janeiro de 2020, decidiu que o bebê Midrar teve uma "morte do tronco encefálico". Isso significava que os médicos poderiam interromper o tratamento.
Os juízes declararam que, do ponto de vista do tribunal, Midrar Ali morreu em 1º de outubro, 14 dias após seu nascimento. O pai do menino disse que o julgamento foi "terrível".
“Não podem ter 100% de certeza de que ele está morto. Ele continua crescendo. Os olhos dele se movem. Eu os vi se mexer”, disse o pai, segundo o jornal britânico The Guardian.
Em dezembro, Ali disse que o hospital não conseguiu convencer a família de sua posição. "Temos evidências de que ele responde", afirmou.
“Nenhum médico, nenhum biólogo pode manter viva uma pessoa morta durante três meses. Eu sou biólogo, eu sei. O corpo não funciona sem o cérebro”, disse Ali, segundo a BBC News.
Pe. Pacholczyk disse que "na medida em que essas observações são uma manifestação do funcionamento coordenado da parte superior do cérebro, a criança não pode ser declarada ‘morta’”.
Em janeiro, a juíza da Suprema Corte, Nathalie Lieven, determinou que os pais da criança não tinham um caso discutível e que os médicos poderiam parar de usar a respiração mecânica.
Sir Andrew McFarlane, juiz mais antigo do Tribunal da Família na Inglaterra e no País de Gales, disse que Midrar não tinha mais um cérebro reconhecível e que não havia outra conclusão a ser alcançada, a não ser retirar o suporte vital.
“A evidência objetiva e médica prévia era mais do que suficiente para justificar as conclusões", disse McFarlane.
A Fundação de Serviço Nacional de Saúde da Universidade de Manchester disse que os órgãos da criança estão se deteriorando. Nunca tinha respirado de forma independente. A fundação disse que continuar com o tratamento não era digno e afirmou que deveria ser permitida para a criança uma “morte amável e digna”.
Os advogados da fundação disseram que três testes confirmaram a morte do tronco encefálico.
Pe. Pacholczyk assinalou que a abordagem diagnóstica do Reino Unido na morte do tronco encefálico difere de outros padrões médicos em todo o mundo. Disse que "a morte cerebral, entendida como a perda completa e irreversível de todas as funções neurológicas integradas (incluindo a função do tronco encefálico) é uma forma confiável para os profissionais médicos determinarem que um paciente morreu".
O próprio advogado dos pais assinalou que o diagnóstico de morte nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e outros lugares se baseia na "morte cerebral total" e não na "morte do tronco encefálico".
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A decisão do tribunal de apelações de 14 de fevereiro citou o testemunho de um médico que disse que o ponto principal sobre os critérios de diagnóstico do Reino Unido é que "nenhum paciente recuperou a consciência ou o conhecimento após a morte do tronco encefálico" e que, quando o tronco encefálico morre, é "impossível para um paciente respirar sem ajuda".
Pe. Pacholczyk refletiu sobre os padrões de atendimento nesses casos.
“As pessoas com danos cerebrais merecem o pleno respeito e participam plenamente da dignidade humana, assim como pessoas cujos cérebros não estão danificados. Elas merecem receber tratamentos razoáveis ('proporcionais') como qualquer outra pessoa”, afirmou.
Ao mesmo tempo, deve ser "cuidadosamente avaliado" se certas intervenções foram "extraordinárias" no caso de Midrar. A ética católica não exige atenção médica extraordinária.
"A questão é saber se finalmente o fará, ou talvez já tenha se estabilizado em sua condição, de modo que eram necessários apenas tratamentos adicionais menores além do respirador, também será importante avaliar com cuidado", disse Pe. Pacholyczyk antes da notícia da desconexão do respirador da criança.
O especialista também questionou a abordagem declarada do hospital em manter a "dignidade" da criança. O hospital "parece estar usando linguagem discriminatória e crítica quando afirma que continuar tratando Midrar é ‘indigno’".
“O primeiro papel de um hospital não é negociar 'avaliações de dignidade' sobre a vida de um paciente em particular, nem tentar fazer julgamentos subjetivos sobre a 'qualidade de vida' de alguém, mas prestar cuidados aos pacientes e ajudar a facilitar o diálogo produtivo entre familiares, profissionais médicos e outros, para que intervenções razoáveis possam ser oferecidas aos pacientes”, disse Pe. Pacholczyk à CNA.
O pensamento católico sobre os cuidados no final da vida e o diagnóstico médico da morte estão resumidos no documento "Brain Death" (morte cerebral) do Centro Nacional de Bioética Católica de fevereiro de 2015.
Em um discurso de 29 de agosto de 2000 ao Congresso Internacional da Sociedade de Transplantes, o Papa São João Paulo II declarou que "a cessação total e irreversível de toda atividade cerebral" (no cérebro, cerebelo e tronco encefálico), "se for aplicado escrupulosamente, não parece estar em conflito com os elementos essenciais de uma correta concepção antropológica".
Portanto, esses critérios podem ser usados para chegar à certeza moral de que a morte ocorreu, afirmou o Papa.
Essa certeza moral é considerada "a base necessária e suficiente para um curso de ação eticamente correto", afirmou o resumo do centro de bioética.
O centro católico de bioética assinalou que determinar a morte por esses critérios neurológicos geralmente envolve testes de cabeceira para avaliar a ausência de resposta ou reflexos, testes de apneia para avaliar a ausência da capacidade de respirar e “possíveis testes confirmatórios para avaliar melhor a ausência de atividade cerebral (por exemplo, um eletroencefalograma) ou ausência de fluxo sanguíneo no cérebro”.
Da mesma forma, as diretrizes éticas e religiosas dos bispos dos Estados Unidos para os serviços de atenção médica católicos indicam que “a determinação da morte deve ser realizada pelo médico ou pela autoridade médica competente, de acordo com critérios científicos responsáveis e comumente aceitos".
Em uma declaração de 2008 sobre morte cerebral, a Pontifícia Academia das Ciências declarou que "morte cerebral... 'é morte'" e que existe uma "coisa essencial que distingue a morte cerebral de todos os outros tipos de disfunções cerebrais severas que trazem alterações de consciência (por exemplo, coma, estado vegetativo, estado de consciência mínima)”.
“Se os critérios para morte cerebral não são satisfeitos, a barreira entre vida e morte não é atravessada, não importa quão severo ou irreversível seja a lesão no cérebro”, acrescentou a academia.
A Pontifícia Academia de Ciências disse que após a morte cerebral "é o respirador artificial, e não o indivíduo, que artificialmente mantém a aparência da vitalidade do corpo".
"Por isso, na condição de morte cerebral, a chamada vida das partes do corpo é uma ‘vida artificial’ e não natural. Na essência, um instrumento artificial se tornou a principal causa de tal ‘vida’ não natural. Desse modo, a morte é camuflada ou mascarada pelo uso de um instrumento artificial”, acrescenta.
Publicado originalmente em CNA. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.
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— ACI Digital (@acidigital) January 3, 2020