PEQUIM, 12 de mar de 2020 às 14:30
As políticas do governo da China para desenvolver uma "religião com características chinesas" aumentaram a perseguição aos cristãos do país, disse a ONG de direitos humanos ChinaAid.
Esta ONG tem como foco aumentar a conscientização sobre os abusos dos direitos humanos, fornecendo apoio e assistência jurídica aos presos de consciência chineses e suas famílias e promovendo o estado de direito e a liberdade religiosa em todo o país.
Um relatório de 53 páginas divulgado em 28 de fevereiro pela organização com sede no Texas (Estados Unidos) acusa as autoridades chinesas de destruir igrejas, impor regulamentos estritos sobre a religião e incentivar tanto as pessoas não religiosas como as igrejas reconhecidas oficialmente a informar sobre as igrejas ilegais estabelecidas em casas.
As políticas governamentais "incentivam as denúncias de atividades religiosas ilegais, principalmente dirigidas às igrejas em casas", disse.
"Incentivar a denúncia é um método comum aplicado pelo Partido Comunista Chinês para reforçar seu governo. As autoridades usaram incentivos monetários para motivar os não crentes a denunciar as chamadas 'atividades religiosas ilegais' das igrejas em casas, tentando produzir conflitos e tensões entre os não cristãos e os cristãos e aumentar a desconfiança entre os dois grupos”, comentou ChinaAid .
Algumas regiões da China possuem um sistema de qualificação e revisão que reduz os pontos para as igrejas que não cumprem com as políticas do governo. Se as igrejas se recusarem a corrigir as violações ou obtiverem menos de 50 pontos por dois anos consecutivos, poderão perder seu registro como locais religiosos oficiais. As igrejas cristãs que carregam logotipos ou cruzes religiosas podem perder cinco pontos, assim como as igrejas que não erguem a bandeira nacional.
Por outro lado, a denúncia ativa de atividades religiosas ilegais às autoridades dará à igreja cinco pontos.
Os vetos automáticos faz com que uma igreja caia para zero pontos, por exemplo, se desobedecer ao governo, organizar protestos, entrar em contato com membros no exterior, entrar em contato com membros de grupos religiosos ou dirigir escolas dominicais ou acampamentos de verão. Um modelo computadorizado de gestão e cumprimento está ativo em alguns lugares religiosos.
Em março de 2019, todos os sacerdotes católicos que não haviam ingressado na Associação Patriótica Católica Chinesa (CPCA, na sigla em inglês) na Diocese de Mindong receberam ordem de ingressar ou deixar suas igrejas. Uma recompensa monetária aproximada de 28.600 dólares foi oferecida aos sacerdotes que aderiram.
A Igreja na China continental se dividiue há cerca de 60 anos entre a Igreja clandestina, que é perseguida e cujas nomeações episcopais muitas vezes não são reconhecidas pelas autoridades chinesas, e a CPCA, uma organização autorizada pelo regime.
Em setembro de 2018, o Vaticano e a China chegaram a um acordo sobre a ordenação de bispos com a intenção de normalizar a situação dos católicos chineses e unificar a Igreja clandestina e a CPCA.
Segundo alguns relatos, a perseguição do governo à Igreja clandestina se intensificou após a assinatura do acordo. Os críticos do acordo incluem o Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, Bispo Emérito de Hong Kong.
O tratamento aos cristãos chineses pode variar segundo a província e a localidade. ChinaAid assinala que a província de Zhejiang foi "a mais agressiva" e foi o ponto de partida que iniciou as medidas para demolir cruzes.
Um apêndice do relatório resume os casos de perseguição nos quais os indivíduos são assediados, detidos ou processados. Algumas congregações são declaradas ilegais e forçadas a fechar e a demolição forçada de cruzes ou igrejas.
ChinaAid foi fundada em 2002 como um grupo de defesa dos direitos humanos e da liberdade religiosa em resposta ao anúncio de uma sentença de morte para cinco líderes de igrejas em casas chinesas.
Um ponto do relatório da ChinaAid é a nova campanha do governo chinês para "sinizar" o cristianismo.
"Ao longo do ano, ChinaAid observou casos crescentes de opressão religiosa, motivados pela campanha do governo para desenvolver 'religião com características chinesas’", disse a ONG.
As cruzes e os edifícios da Igreja foram destruídos e aqueles que se rebelam são presos. Os cristãos são obrigados a cantar canções nacionalistas como parte de seus cultos e enfrentam deficiências sociais, assédio e prisão.
Algumas autoridades provinciais removeram todos os símbolos cristãos dos edifícios e proibiram crianças menores de 18 anos de entrar nas igrejas.
"As autoridades do governo condenaram inclusive o comportamento de ensinar as crianças a cantar hinos em casa e o enquadraram como ‘ilegal’”, disse ChinaAid.
As agências governamentais proíbem a publicação e venda de Bíblias não autorizadas e livros cristãos. As novas edições de livros de texto de alguns clássicos da literatura, incluindo a história "The Little Match Girl", de Hans Christian Andersen, e "Robinson Crusoe", de Daniel Defoe, não têm referências a Deus ou à Bíblia.
Alguns esforços para controlar o cristianismo são sistemáticos e de alcance nacional. A liberdade religiosa é oficialmente garantida pela Constituição chinesa, mas os grupos religiosos devem se registrar com o governo e são supervisionados pelo Partido Comunista Chinês. O presidente Xi Jinping, que assumiu o poder em 2013 e fortaleceu a supervisão governamental das atividades religiosas, promoveu a sinização da religião.
Wang Yang, presidente do XIII Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, participou de uma reunião de líderes religiosos em 1º de fevereiro de 2019. A conferência disse que a sinização incluiria o estabelecimento de características chinesas para sistemas ideológicos religiosos, estruturas institucionais e estilos cerimoniais.
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Em uma reunião de 26 de novembro com líderes religiosos, a conferência consultiva discutiu como "usar os valores socialistas centrais para orientar os grupos religiosos a reinterpretar a doutrina religiosa para garantir que ela atenda aos requisitos dos tempos progressistas". O discurso de Wang enfatizou o desenvolvimento gradual de um sistema ideológico religioso que exibe as características chinesas e adapta a religião à sociedade socialista. A reunião exigiu uma reavaliação integral do cânone religioso e reinterpretações para se adaptar melhor à visão de progresso das autoridades chinesas, informou ChinaAid.
Em 2018, as autoridades chinesas delinearam um plano de sinização de cinco anos para os grupos protestantes oficiais, o Conselho Cristão Chinês e o Movimento Patriótico dos Três Seres, bem como um plano de cinco anos delineado até 2022 para "promover a adesão ao caminho da sinização do catolicismo sob os auspícios da CPCA”.
Existem planos semelhantes para os outros grupos religiosos oficiais da China, incluindo o islã, o taoísmo e o budismo.
Alguns sacerdotes e bispos católicos foram presos pelas autoridades, assim como outros ministros e leigos cristãos.
Algumas igrejas católicas não oficiais foram demolidas, assim como as igrejas católicas oficiais que declararam ter exibido logotipos religiosos com destaque. As igrejas protestantes sofreram destinos semelhantes, incluindo algumas congregações de igrejas em casas. Algumas instalações foram confiscadas e reutilizadas para centros comunitários.
Em 10 de setembro, a CPCA e a Conferência Episcopal da Igreja na China emitiram uma declaração conjunta pedindo a elevação da bandeira nacional, o canto do hino nacional e orações por bênçãos na China. Também solicitaram um relatório posterior à atividade.
O documento de ChinaAid é baseado em informações dos líderes da igreja, seus funcionários, os cristãos comuns das igrejas em casas e as igrejas do Movimento Patriótico dos Três Seres.
"Depois de revisar essas informações, ChinaAid concluiu que a perseguição ocorrida em 2019 é maior do que a ocorrida em 2018", afirmou o relatório.
O grupo sugere que suas informações possam representar apenas uma fração dos abusos cometidos na China e, embora a descreva como "não exaustiva", citou muitas províncias e municípios que mostram uma ampla gama de abusos.
ChinaAid disse que, ao contrário da coleta de dados dos anos anteriores, desta vez enfrentaram dificuldades extremas para o relatório de 2019. Isso fez com que o grupo acredite que o governo chinês está “ameaçando ou intimidando os cristãos para que não denunciem os abusos aos meios internacionais”. Acrescentou que “a falta de abertura” da China neste assunto também colaborou para esta conclusão.
Todas as igrejas em casas sofreram alguma forma de perseguição. Todos os líderes das igrejas em casas foram convocados ou investigados pela polícia. Os líderes das igrejas em casas fechadas sofreram pelo menos uma prisão de curto prazo.
Nas áreas urbanas, as igrejas em casas se dispersaram em pequenos grupos. Nas áreas rurais, a maioria das igrejas em casas passou à clandestinidade e se encontram "de maneira semi-secreta". Pequenas reuniões de membros de igrejas proibidas enfrentam assédio e ataques constantes por parte das autoridades.
As autoridades chinesas exigiram que as celebrações religiosas da véspera de Natal e de Natal sejam realizadas nas grandes cidades para admitir apenas cristãos com boleto e excluir os cristãos e aqueles que não tinham boletos.
Alguns pregadores devem apresentar seus sermões aos funcionários com antecedência para revisão e inspeção.
Algumas igrejas em casas foram obrigadas a assinar acordos que exigem que tenham um local específico e um tempo para reuniões, um número limitado de pessoas e que estabeleçam atividades. Devem ter uma equipe de supervisão, agendas e registros de ações, regulamentos de segurança e equipamentos contra incêndio. São proibidos de mudar de local ou tamanho, aceitar ofertas ou estabelecer contas bancárias, convidar estrangeiros para pregar ou organizar eventos de avivamento ou batismos.
As autoridades chinesas com o Departamento do Trabalho da Frente Unida e o documento de segurança pública publicaram um documento sobre como combater a "infiltração religiosa estrangeira". As autoridades visam evitar o estabelecimento de organizações filiais de igrejas norte-americanas e sul-coreanas que são "contra o Partido e o governo".
Embora os termos do acordo entre o Vaticano e a China tenham sido mantidos em sigilo, permite que a CPCA escolha uma lista de nomeados para bispo, dentre os quais o Papa depois selecionaria para fazer a sua nomeação.
O Cardeal Zen foi um crítico aberto do acordo, qualificando-o como um ato de “rendição descarada” ao governo comunista.
Publicado originalmente em CNA. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.
Confira também:
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— ACI Digital (@acidigital) March 4, 2020