CARACAS, 9 de jun de 2020 às 09:30
O Cardeal Jorge Urosa Savino, Arcebispo Emérito de Caracas, analisou a situação atual na Venezuela e comentou que o coronavírus "não é o pior problema" porque, infelizmente, existem muitos outros e mais graves que agravam a crise no país todos os dias.
“Todos os meses, devido à violência criminal nas nossas ruas, morrem cem vezes mais pessoas que as falecidas agora pela COVID-19, que são cerca de 20”, lamentou o Cardeal em declarações à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI.
Segundo dados oficiais, existem até agora 2.377 casos na Venezuela e 22 mortes devido ao coronavírus. O Cardeal Urosa reconheceu que esses números baixos, diferentemente de outros países da América Latina, se devem em parte ao fato de "o governo ter agido bem, decretando quarentena a tempo", embora o aumento de infecções nos últimos dias "exija agora maior precaução".
No entanto, o Arcebispo Emérito de Caracas explicou que o sistema de saúde “é muito deficiente. Os hospitais públicos, que até cerca de 15 anos atrás estavam funcionando muito bem, estão se deteriorando bastante e agora têm deficiências muito graves”.
“Têm poucos médicos; em muitos não há água nem boa comida; existem sérias carências de medicamentos, suprimentos e materiais hospitalares. Além disso, nas farmácias há escassez de medicamentos e estes têm preços muito altos. Portanto, nossa situação neste campo é ruim", continuou.
Uma longa reportagem da Aliança Rebelde Investiga (ARI) denuncia as graves deficiências dos 47 hospitais de campanha que o Governo de Nicolás Maduro colocou à disposição para enfrentar a pandemia de coronavírus. Entre estas estão a falta de água, raios-X e respiradores.
Além disso, existem atualmente 23.723 leitos para lidar com a COVID-19, o que significa 0,8 leitos por mil habitantes, quando a OMS estabelece que deve haver pelo menos 3 leitos por mil.
José Félix Oletta, da Aliança Venezuelana pela Saúde, afirma que “a fraqueza do sistema de saúde anterior à pandemia não foi corrigida. Excederá sua capacidade já reduzida devido à crise hospitalar e porque o governo não construiu mais centros de saúde nos últimos 12 anos”.
Outro problema do sistema de saúde é que, em setembro de 2019, pelo menos 30 mil médicos emigraram do país devido à grave crise do país.
O Cardeal Urosa disse que "sem dúvida, o coronavírus é um problema de saúde nacional muito sério, mas não é, no entanto, o pior problema da Venezuela".
A grave crise na Venezuela
“A pandemia chega até nós em meio a gravíssimos problemas econômicos, político-sociais. Uma inflação contínua e imparável; a desvalorização muito alta de nossa moeda; a produção agrícola nacional muito baixa e, consequentemente, a escassez e os altos preços dos alimentos. A desnutrição infantil está aumentando”, continuou o Cardeal.
“Além disso, um problema incomum e inaceitável em um país petrolífero: escassez de gasolina para transporte e gás para uso doméstico. Tudo ficou mais difícil", acrescentou.
A taxa de câmbio do dólar hoje na Venezuela, no mercado paralelo, é de 195.003 bolívares, segundo o portal Dolar Today. Com esse cálculo, o salário mínimo é de 4 dólares por mês e o cálculo da cesta básica é de cerca de 90 dólares.
O Cardeal Urosa alertou que “o problema político está cada vez pior. A Conferência Episcopal Venezuelana assinalou essa realidade e, em nossos documentos oficiais de julho de 2019 e janeiro de 2020, exigimos a saída do atual governo e a realização de eleições presidenciais limpas, em condições de transparência e equidade.
"No entanto, em vez de acolher estas exigências, o partido no poder realizou em janeiro deste ano um ataque, se é que se pode dizer, à Assembleia Nacional, de maioria opositora. Agora existem duas Assembleias: Uma legítima de diretiva opositora e outra de diretiva governista. Tudo é mais confuso e difícil”, continuou.
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Além disso, a Câmara Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de maioria chavista, acaba de retirar da Assembleia Nacional liderada pela oposição o poder de nomear os membros do Conselho Nacional Eleitoral, responsável pela organização das eleições na Venezuela.
Na opinião de Cardeal, esse poder corresponde à Assembleia Nacional, "em primeiro lugar", portanto esta decisão "é um forte golpe à oposição política".
O Arcebispo Emérito de Caracas também denunciou que "nestes tempos de pandemia, o Governo intensificou seu ataque aos políticos da oposição, especialmente ao deputado Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional Legítima e presidente interino da Venezuela, embora não seja reconhecido como tal pelo atual Governo”.
"Houve prisões e também ataques às pessoas de seu ambiente político, como busca e apreensão nas casas de algumas dessas pessoas e seus parentes; os jornalistas são assediados para impedir que registrem e divulguem as confusões e problemas atuais”, advertiu o Cardeal Urosa.
A tarefa da Igreja
O Cardeal Urosa também disse à ACI Prensa que a grande tarefa da Igreja, que serve os fiéis em todo o país de várias maneiras, pode ser dividida em dois grandes desafios.
"O primeiro é fazer nossa tarefa principal, que ninguém mais pode fazer: o cuidado religioso do povo, a evangelização e a santificação. Temos o desafio de intensificar nossa obra evangelizadora e santificadora”.
A tarefa essencial da Igreja na Venezuela é “levar agora, mais do que nunca, a mensagem salvadora de Jesus Cristo, o kerygma, a evangelização e a catequese. E os dons sacramentais de Cristo ao nosso povo, mas também, infundir e sustentar a esperança dos fiéis no amor e proximidade a Deus.
O segundo desafio, continuou, é “a urgente e imprescindível pastoral social. Temos o desafio de continuar trabalhando pelos direitos do povo, defender os pobres e todos os cidadãos dos abusos do Estado. Além disso, continuar e intensificar nosso trabalho social, assistencial e de promoção humana, assim como o trabalho educativo”.
"Em suma, continuar sendo bons pastores do povo venezuelano!", concluiu o Cardeal.
Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.
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