Vaticano, 16 de jul de 2020 às 12:50
A Congregação para a Doutrina da Fé publicou em 16 de julho um "vade-mécum sobre alguns pontos de procedimento no tratamento dos casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos", que é um "manual de instruções" para guiar os bispos e superiores religiosos no momento em que recebem denúncias de casos de abuso infantil por diáconos, sacerdotes e bispos.
Segundo indicou a sala de imprensa da Santa Sé, a solicitação de documento ocorreu após a reunião sobre "a proteção de menores na Igreja", realizada no Vaticano de 21 a 24 de fevereiro de 2019, na qual o Papa Francisco se reuniu com bispos e superiores gerais e se destacou a necessidade "da unidade dos bispos na aplicação de parâmetros que tenham o valor de normas e não apenas de orientações".
Até agora, este documento conta com 18 páginas e "está aberto a futuras atualizações, também sobre a base da legislação vigente". Atualmente, está disponível em italiano, espanhol, inglês, francês, português e polonês e em breve estará disponível também em alemão.
O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Luis F. Ladaria Ferrer, destacou que esse “Vade-mécum sobre alguns pontos do procedimento no tratamento dos casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos nasceu a partir de numerosos pedidos feitos à Congregação para a Doutrina da Fé por parte de Bispos, Ordinários, Superiores de Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica para ter a disposição um instrumento que possa ajudá-los na delicada tarefa de conduzir corretamente os casos que envolvem diáconos, sacerdotes e bispos quando são acusados de abuso contra menores".
Nesta linha, o Cardeal Ladaria assinalou que o Vade-mécum "foi escrito principalmente para eles, bem como para os profissionais do direito que os ajudam a lidar com os casos" e explicou que "não é um texto normativo: não é promulgada nenhuma nova lei, e nenhuma regra nova”.
“Trata-se, ao contrário, de um ‘manual de instruções’, que se destina a ajudar os que devem tratar concretamente dos casos do início ao fim, ou seja, desde a primeira notícia de um possível delito (notitia de delicto) até a conclusão final do caso (res iudicata)”, indicou.
Assim, este texto utiliza fontes legais e práticas. Em nível normativo, as principais referências “são os Códigos em vigor, as Normas substanciais e processuais sobre delitos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé promulgada com o Motu Proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela (2001, atualizado em 2010 por Bento XVI), e o mais recente Motu Proprio Vos estis lux mundi (2019)”, explicou o Cardeal.
Além disso, junto com as normas acima mencionadas, "há os procedimentos da Congregação, amadurecidos ao longo dos anos, em particular desde 2001, ano do primeiro regulamento especificamente dedicado aos delitos mais graves", afirmou o Cardeal Ladaria, acrescentando que este texto recebeu "a contribuição de numerosos canonistas, tanto internos como externos à Congregação, de Tribunais e dioceses locais que ao longo dos anos conduziram investigações e processos em nome da Congregação".
Dessa maneira, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé apontou que o Vade-mécum é entregue hoje em sua primeira versão, chamada "1.0", pois "é um número que prevê futuras atualizações".
"Sendo um ‘manual’, terá que seguir os eventuais desenvolvimentos da legislação canônica, adaptando-se a ela. Também terá que responder aos novos desafios que a experiência trará para o tratamento jurídico dos casos em questão", afirmou o Cardeal Ladaria, acrescentando que "deverá levar em conta as considerações que virão das diferentes realidades eclesiais: dioceses, institutos, faculdades eclesiásticas, centros de escuta instituídos em nível diocesano e interdiocesano”.
Finalmente, o Cardeal Luis Ladaria reconheceu que "a história recente atesta a crescente atenção da Igreja a este flagelo" e acrescentou que "o caminho da justiça por si só não pode esgotar a ação da Igreja, mas é necessário chegar à verdade dos fatos”.
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"Trata-se de um caminho articulado, que entra no intricado mundo de normas e práticas, diante do qual Ordinários e Superiores às vezes se encontram na incerteza da direção a seguir", disse o prefeito da Congregação para Doutrina da fé.
Por sua parte, o secretário do mesmo Dicastério do Vaticano, Dom Giacomo Morandi, assinalou em entrevista aos meios vaticanos que o atual Vade-mécum "não promulgou nenhuma nova norma", mas “a verdadeira novidade, entretanto, é que pela primeira vez o procedimento é descrito de modo organizado, desde a primeira notícia de um possível crime até a conclusão definitiva do caso, unindo as normas existentes e a prática da Congregação”.
Nesse sentido, Dom Morandi explicou que os crimes reservados à Congregação para a Doutrina da Fé "são todos aqueles contra a fé e somente os mais graves (na língua comum hoje habitual falamos de delicta graviora) contra a moral e a administração dos sacramentos”.
No entanto, o Vade-mécum publicado em 16 de julho "refere-se apenas a um desses crimes, que o artigo 6 do motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela atribui ao clérigo quando realiza ações com menores contra o sexto mandamento do Decálogo. Trata-se dos casos que a nível dos meios de comunicação mais se tornam notícia, também por causa de sua gravidade”.
Da mesma forma, diante da questão da obrigação de denunciar por parte dos bispos e superiores religiosos, o secretário da Congregação para a Doutrina da Fé enfatizou que, embora “em alguns países a lei já prevê esta obrigação, em outros não. De fato, o motu proprio Vos estis lux mundi do Papa Francisco, promulgado no ano passado, expressa nestes termos que a Igreja age em casos deste tipo ‘sem prejuízo dos direitos e obrigações estabelecidos em todos os lugares pela legislação dos Estados, particularmente aqueles relativos a possíveis obrigações de informação às autoridades civis competentes’. (Art. 19). Por outro lado, o artigo 17 do Vade-mécum também declara: ‘Mesmo na ausência de uma obrigação legal explícita, a autoridade eclesiástica deve informar as autoridades civis competentes sempre que considerar isso indispensável para proteger a pessoa ofendida ou outros menores contra o perigo de novos atos criminosos’.
Por fim, Dom Giacomo Morandi afirmou que "o caminho da verdade e da justiça é um dos caminhos de resposta da Igreja", por isso acrescentou que é necessário "mas não suficiente", já que "sem uma formação adequada, um discernimento cuidadoso, uma prevenção serena mas decidida, a ferida do abuso que estamos presenciando hoje não será curada sozinha”.
Para ler o texto completo do Vade-mécum, clique aqui.
Confira também:
Especialista assinala os desafios da Igreja na comunicação com vítimas de abusos https://t.co/b8yDnJAVl8
— ACI Digital (@acidigital) July 7, 2020