SYDNEY, 8 de set de 2020 às 11:13
Os bispos da Austrália entregaram ao governo federal as observações do Vaticano sobre as 12 recomendações feitas pela Royal Commission, após o relatório publicado em 2017 sobre abusos sexuais em instituições do país. No seu texto, a Santa Sé defendeu o segredo da confissão e reiterou que este é inviolável.
A Royal Commission foi encarregada de investigar denúncias de abusos sexuais contra menores até 2017. Após seu trabalho, emitiu mais de 100 recomendações.
“A Santa Sé afirma mais uma vez a sua determinação absoluta de enfrentar e erradicar os abusos de menores e pessoas vulneráveis, onde quer que ocorram na Igreja”, indicam as observações da Santa Sé de 26 de fevereiro.
As observações do Vaticano, nas quais se destaca que "o Papa tem buscado promover reformas e vigilância em todos os níveis na Igreja", foram entregues aos bispos da Austrália que por sua vez as entregaram ao procurador-geral australiano, e sobre as quais emitiram um comunicado em 4 de setembro.
Duas recomendações da Royal Commission são para esclarecer se "a informação recebida de um menor durante o sacramento da reconciliação que sofreu abuso sexual está protegida pelo segredo de confissão" e se "uma pessoa que se confessa , no sacramento da reconciliação, de ter abusado de menor, pode ser absolvida antes de informar às autoridades civis”.
A Santa Sé respondeu que uma nota da Penitenciária Apostólica datada de 29 de junho de 2019 sobre o foro interno, reafirmou a inviolabilidade do segredo da confissão "e forneceu indicações úteis para chegar a uma resposta ponderada às perguntas feitas". Observou-se que o segredo da confissão inclui todos os pecados conhecidos na confissão, do penitente e de outros.
A Santa Sé acrescentou que este é "o ensinamento permanente e duradouro da Igreja sobre a inviolabilidade do segredo sacramental, como algo exigido pela própria natureza do sacramento e, portanto, derivado da lei divina".
Do mesmo modo, indicou que o confessor "certamente pode, e em alguns casos deve encorajar a vítima a buscar ajuda fora do confessionário ou, quando apropriado, denunciar o abuso às autoridades".
Quanto à absolvição, a Santa Sé citou o direito canônico e destacou que “o confessor deve determinar que o fiel que confessa seus pecados está verdadeiramente arrependido deles e que tem um propósito de correção. Visto que o arrependimento está, de fato, no coração deste sacramento, a absolvição só pode ser negada se o confessor concluir que o penitente carece da contrição necessária. Então, a absolvição não pode ficar condicionada a ações futuras no foro externo”.
O Vaticano indicou que “o confessionário oferece uma oportunidade - talvez a única – para que aqueles que cometeram abusos sexuais possam admiti-lo. Nesse momento, surge a possibilidade de o confessor aconselhar e de fato admoestar o penitente, exortando-o à contrição, à correção da vida e à restauração da justiça. No entanto, se fosse convertido em uma prática na qual os confessores denunciem aqueles que se confessam de abuso sexual infantil, nenhum destes penitentes se aproximaria ao sacramento e se perderia uma oportunidade para o arrependimento e para a reforma”.
A Santa Sé também assinalou que “é de fundamental importância que os programas de formação para confessores incluam uma análise detalhada das normas da Igreja, incluindo a 'Nota' da Penitenciária Apostólica, juntamente com exemplos práticos para instruir os sacerdotes sobre questões e situações difíceis que podem surgir. Estas podem incluir, por exemplo, princípios para o tipo de diálogo que um confessor deve ter com um jovem que foi abusado ou que parece vulnerável a abusos, bem como com qualquer pessoa que confesse ter abusado de um menor”.
Os procuradores-gerais do governo federal australiano e dos governos estaduais concordaram em novembro de 2019 com um conjunto de diretrizes para denunciar abusos e que exigem que os sacerdotes violem o segredo da confissão ou as normas obrigatórias da Austrália para denunciar abusos.
Além disso, os sacerdotes não poderiam usar a defesa das comunicações privilegiadas no segredo da confissão para evitar depor contra terceiros em processos civis ou criminais. Victoria, Tasmânia, Austrália do Sul e o Território da Capital Australiana já adotaram leis que obrigam os sacerdotes a violar o segredo da confissão; algo que não aconteceu em Nova Gales do Sul, Queensland e Austrália Ocidental.
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Considerando outras recomendações da Royal Commission, a Santa Sé concordou que "o tema da segurança das crianças recebe a devida consideração no processo" de nomear de bispos, e assinalou que algumas sugestões foram feitas nos últimos anos, especialmente por meio do motu proprio Vos estis lux mundi (Vós sois a luz do mundo), que o Papa Francisco publicou em 2019.
Entre as recomendações está a rejeição retrospectiva do estatuto de limitações sobre o processo canônico de crimes de abuso sexual. A Santa Sé destacou que o estatuto de limitações foi aumentado e que a Congregação para a Doutrina da Fé pode revogá-lo, dependendo do caso.
O Vaticano observou que “o abuso sexual de menores é um crime na lei civil e canônica. A responsabilidade civil e criminal dos indivíduos que cometem este crime é um tema para a lei do estado onde foi cometido. Centrados no aspecto eclesial do crime, o direito canônico visa punir o agressor pelos graves danos que causou e proteger os fiéis de danos maiores. Ao mesmo tempo, não pode ficar indiferente à conversão do pecador, pois tem como objetivo fundamental a salvação das almas”.
A Santa Sé lembrou também a importância da presunção de inocência e a necessidade de que um juiz tenha certeza moral para tomar uma decisão.
Outra recomendação da Royal Commission rejeitada pelo Vaticano foi a que tem a ver com o celibato voluntário dos sacerdotes.
A Santa Sé indicou que “deseja destacar o grande valor do celibato e alertar contra a sua redução a uma mera consideração prática. Com efeito, convém lembrar que a prática do celibato sacerdotal tem uma origem muito antiga, que se desenvolveu em imitação do estilo de vida escolhido pelo próprio Jesus Cristo e que não pode ser entendida fora da lógica da fé e da escolha de vida dedicada a Deus".
“Em relação a qualquer afirmação sobre uma ligação entre o celibato e o abuso sexual, uma vasta evidência mostra que não existe uma relação de causa e efeito. Infelizmente, o espectro do abuso aparece em todos os setores e tipos de sociedade, e também é encontrado em culturas onde o celibato é pouco conhecido ou praticado”.
Dom Mark Coleridge, Arcebispo de Brisbane e Presidente da Conferência Episcopal Australiana, indicou que “os bispos estamos dispostos a apoiar o diálogo atual sobre políticas, práticas e protocolos que garantam que as crianças e outras pessoas em risco estejam seguras em nossas comunidades. Isso está no espírito das observações que foram publicadas”.
Publicado originalmente em CNA.
Confira também:
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— ACI Digital (@acidigital) August 22, 2017