LONDRES, 12 de nov de 2020 às 10:30
Líderes da Igreja Católica se ofereceram para reformar os procedimentos de segurança e proteção após a publicação de um relatório independente e crítico sobre abusos sexuais cometidos por membros do clero na Inglaterra e no País de Gales entre 1970 e 2015.
O relatório de 147 páginas, publicado no mesmo dia em que o Vaticano divulgou o Relatório McCarrick, acusa o Cardeal Vincent Nichols de não aceitar sua “responsabilidade pessoal” e de não “mostrar compaixão para com as vítimas” de abusos durante uma audiência pública.
O relatório da Investigação Independente sobre Abuso Sexual Infantil (IICSA, na sigla em inglês) assinala que o presidente da Conferência Episcopal da Inglaterra e País de Gales “nem sempre exerceu a liderança esperada de um membro importante da Igreja, e às vezes preferiu proteger a reputação da Igreja Católica na Inglaterra e País de Gales e em Roma”.
Em uma declaração de 11 de novembro, o Cardeal Nichols afirmou que o relatório marca "um momento importante no caminho para a segurança na Igreja Católica".
"O relatório ajudará a reforma já em andamento e a melhoria da segurança em todos os aspectos da vida da Igreja", disse o Arcebispo de Westminster em uma declaração conjunta com o Arcebispo de Liverpool, Dom Malcolm McMahon, vice-presidente da conferência episcopal.
Ambos pediram desculpas por não terem escutado ou apoiado as vítimas de abusos, conforme indicado no relatório e indicaram que o texto será analisado na assembleia plenária dos bispos na próxima semana
“Ao escutar com humildade aqueles que sofreram, podemos contribuir a curar as feridas do abuso e, assim, aprender com aqueles que foram mais diretamente afetados como devemos melhorar os padrões de segurança na Igreja, suas políticas e procedimentos”, assinalaram.
Por sua vez, a acadêmica Alexis Jay, que liderou a investigação, criticou a resposta do Vaticano. "Ainda hoje as respostas da Santa Sé parecem não estar de acordo com a promessa do Papa de agir sobre este problema imensamente importante”, disse.
O relatório afirma que o Vaticano apenas forneceu "informações muito limitadas" para a investigação, muitas das quais já eram de domínio público.
“A resposta limitada da Santa Sé sobre este assunto não demonstra claramente um compromisso para agir. A falta de cooperação vai além da nossa compreensão”, concluiu.
Theresa May, Ministra do Interior em 2014, anunciou a constituição da IICSA por causa de alguns casos de abuso sexual infantil. Este grupo também investiga outras entidades, como a Igreja Anglicana, escolas e conselhos locais.
As conclusões finais serão publicadas em um relatório geral em 2022 com algumas recomendações para melhorar a proteção das crianças em toda a sociedade. Também poderia exigir a denúncia obrigatória, algo que a Igreja Católica se opõe dado que isso implicaria que os sacerdotes rompam o segredo de confissão.
A IICSA já emitiu um relatório sobre as escolas dos beneditinos em Ampleforth e Downside em agosto de 2018, um segundo sobre a Arquidiocese de Birmingham em junho de 2019 e um terceiro sobre a Abadia Ealing e a Escola St. Benedict em Londres em outubro de 2019.
O relatório apresentado na terça-feira, após várias audiências públicas, revelou que a Igreja na Inglaterra e no País de Gales recebeu mais de 900 queixas sobre 3 mil incidentes de abuso sexual infantil contra mais de 900 pessoas entre 1970 e 2015. Nesse período, houve 177 processos que culminaram em 133 condenações.
O relatório afirma que o abuso por parte do clero não é simplesmente um fenômeno histórico e que desde 2006 a Igreja tem informado mais de 100 acusações por ano.
O relatório inclui o estudo de casos específicos, como o de uma mulher identificada como "RC-A710", que acusou o Cardeal Cormac Murphy-O'Connor, predecessor do Cardeal Nichols como Arcebispo de Westminster. A polícia investigou as alegações, mas não tomou nenhuma medida adicional.
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O relatório descreve uma divergência entre os bispos sobre se a Igreja deveria pedir desculpas à mulher depois que alguns detalhes de seu relato, que era confidencial, vazaram para a mídia.
Depois de citar alguns comentários do Cardeal Nichols em uma audiência pública, o relatório sugere que “ele estava mais preocupado com o impacto do vazamento na reputação do Cardeal O'Connor do que com o impacto que a disseminação das informações pessoais de RC. -A710 teve nela”.
“Nos 13 meses entre o vazamento e a audiência pública, RC-A710 não recebeu um pedido de desculpas de parte do Cardeal Nichols. Parece que ele não se desculpou devido ao seu desejo equivocado de dar-lhe prioridade à reputação da Igreja, do Papa e do Cardeal Murphy-O’Connor”, acrescenta o relatório.
O relatório destaca que o Cardeal Nichols se encontrou com RC-A710 em dezembro de 2019 e que não se soube qual foi a fonte do vazamento após investigação.
A IICSA ofereceu sete recomendações à Igreja. Exortou a conferência dos bispos e a conferência dos religiosos da Inglaterra e do País de Gales a nomear "um membro líder" que seja responsável pela segurança. Também pediu a capacitação obrigatória em segurança para aqueles que trabalham com crianças ou vítimas de abuso, assim como "uma estrutura clara para lidar com casos de não conformidade".
O relatório também recomenda uma auditoria externa do Serviço de Assessoria de Segurança Católico (CSAS, na sigla em inglês), que visa melhorar as práticas de segurança na Inglaterra e no País de Gales. Além disso, pediu ao CSAS que elabore políticas e procedimentos mais “consistentes, mais fáceis de seguir e mais acessíveis”.
Referindo-se ao cânon 1395 do Código de Direito Canônico, que estabelece que um clérigo pode ser expulso do estado clerical se abusar de um menor, o relatório exortou os bispos a solicitar que a Santa Sé “reconheça os crimes canônicos relacionados com o abuso sexual infantil como crimes contra crianças”.
Finalmente, o relatório pedia aos bispos e religiosos que publiquem uma política nacional diante das acusações para proteger as vítimas.
Em uma carta de 9 de novembro, o Cardeal Nichols informou aos fiéis que o Papa Francisco aceitou sua renúncia como arcebispo de Westminster, mas que permanecerá no cargo até que haja uma nova previsão. No domingo, 8, o Cardeal completou 75 anos, idade de aposentadoria dos bispos.
“Quando escrevi ao Papa Francisco, disse-lhe que estava pacificamente à sua disposição. Portanto, é com essa mesma disposição pacífica que continuarei como seu bispo. Faço-o encorajado pela mensagem do Santo Padre e apoiado por suas orações, seguindo com boa vontade e paciência diante das minhas limitações”.
Publicado originalmente em CNA.
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— ACI Digital (@acidigital) November 12, 2020