SYDNEY, 16 de dez de 2020 às 10:02
O Cardeal George Pell, que atuou como prefeito da Secretaria de Economia do Vaticano e foi injustamente preso por pouco mais de um ano em uma prisão de Melbourne (Austrália), acusado de abusos que não cometeu, disse em uma entrevista que “é cada vez mais frequente o assassinato da reputação”.
Assim indicou o Cardeal australiano em entrevista com Monica Maggioni para o programa Settestorie (Sete histórias) da emissora de televisão italiana Rai Uno, realizada na segunda-feira, 14 de dezembro.
Ao ser perguntado sobre se acredita que o que aconteceu com ele tem a ver com seus esforços para colocar ordem às finanças do Vaticano, o Cardeal de 79 anos disse que “é verdade que suspeitei disso. Todos os personagens mais influentes que trabalhamos juntos para a reforma financeira, cada um de nós, com pouquíssimas exceções, teve a sua reputação atacada pelos meios de uma forma ou de outra”.
“Todos nos lembramos do que aconteceu com [o banqueiro Roberto] Calvi [em 1982], que se suicidou na Ponte de Londres, com as mãos nas costas, uma forma estranha de se matar. Também nos lembramos do que aconteceu com outro, [Michele] Sindona, envenenado na prisão [em 1986], ‘tempos antigos’. Hoje, é usado com frequência o assassinato de reputação”.
Calvi foi presidente do Banco Ambrosiano e devido às suas estreitas relações econômicas com a Santa Sé era conhecido como “banqueiro de Deus”, enquanto Sindona serviu como assessor do Instituto para as Obras da Religião (IOR), popularmente conhecido como “Banco do Vaticano".
Em seguida, o cardeal contou que “um senhor que trabalhou comigo e fez um grande trabalho, chamado Danny Casey, um empresário eficiente e capaz em Sydney, acidentalmente encontrou seu carro queimado na frente da sua casa. Trata-se, certamente, de uma coincidência, dado que todos sabem que os carros costumam se incendiar sozinhos (risos), mas, em suma, todas as pessoas mais experientes suspeitam que existe uma relação direta entre ambas as coisas. Na Austrália, todos aqueles com quem trabalho não têm dúvidas de que é evidente a ligação “entre o que aconteceu com ele e seu esforço para colocar ordem nas finanças do Vaticano”.
"Temos evidências, nenhuma prova ainda", continuou o Cardeal. “Alguns criminosos foram ouvidos dizendo, 'Pell está fora do jogo. Agora temos uma estrada pela frente'”. “Outro criminoso, desde os primeiros dias, dizia 'temos o Tribunal Australiano para consertar isso'. É verdade que tudo isso ainda é fumaça, ainda não é possível considerar provas, mas continua sendo uma possibilidade”.
O Cardeal australiano recordou que durante o julgamento “provamos que o crime do qual fui acusado era impossível. Teria acontecido cinco ou seis minutos logo após a Missa".
Segundo o demandante, o Arcebispo mostrou suas partes íntimas e obrigou dois meninos a cometer atos sexuais com ele, enquanto o cardeal estava totalmente revestido com seu traje litúrgico, quase imediatamente após a missa, na sacristia da Catedral de São Patrício, em 1996, quando havia muitas pessoas no local. O demandante também disse que o Cardeal Pell o acariciou em um corredor em 1997.
O outro demandante faleceu em 2014 e não pôde testemunhar no processo. Em 2001, negou a sua mãe que tivesse sofrido qualquer abuso por parte do Cardeal.
O Purpurado também disse na entrevista com Rai Uno que “minha família me disse que teria sido diferente se a máfia tivesse me perseguido ou se outros elementos, como os maçons, o tivessem feito. É muito pior se o que tentou me destruir está dentro da Igreja”.
“Por isso, espero que não haja suficientes provas para demostrar que o dinheiro do Vaticano foi usado não necessariamente para corromper diretamente, mas apenas para envenenar a atmosfera pública contra mim. Pelo bem da Igreja, espero que não haja nenhuma prova para estabelecer isso”.
O Cardeal afirmou também que “aqueles que não gostam da Igreja buscarão novas formas para nos atacar. Eu o dizia então e o repito. Por esta e outras razões mais simples, temos que colocar ordem no plano econômico. Servem a transparência, as metodologias modernas, especialmente porque as pessoas não dão o seu dinheiro para a Igreja para vê-lo roubado”.
O respaldo do Papa Francisco
Na entrevista, o Cardeal Pell contou que sua família sempre foi próxima a ele e que “havia poucos católicos praticantes que eram hostis ou que acreditavam que ele fosse culpado, enquanto a grande maioria daqueles na Igreja não acreditava nesta história [de supostos abusos] e eu sabia”.
Depois de comentar que no ensinamento cristão uma pessoa sempre pode oferecer suas dores a Deus, "algo que foi um consolo", o Prefeito Emérito da Secretaria para a Economia ressaltou que o Papa Francisco também o apoia.
“Sempre soube que ele me apoiava. Sabia que acreditava na minha inocência e que esperava que eu fosse libertado. Foi um grande consolo. O Papa sempre me apoiou nessas dificuldades”.
Quando voltou ao Vaticano, o Cardeal pôde se reunir com o Santo Padre. "Obrigado pelo seu testemunho", disse-lhe.
“Estou muito grato por isso. Mais tarde, também me disse: ‘Você tinha razão sobre muitas coisas’, e acho que ele se referia aos assuntos econômicos sobre os quais realmente não há mais muitas dúvidas".
Um momento difícil para o Vaticano
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O Cardeal comentou que o que acontecia antes no Vaticano é que “havia dinheiro, mas não estava registrado nos livros de contabilidade. E isso era indicativo de um modo muito primitivo de gestão nas coisas ou a falta de informações precisas”.
Sobre o seu trabalho na parte financeira do Vaticano, o Cardeal australiano disse que “estou satisfeito com o que realizamos no trabalho. Encontramos muitos obstáculos, mas fizemos todos os progressos que queríamos”.
“A situação econômica do Vaticano neste momento é grave, mas me consola pensar que entendemos que pelo menos se se julga exatamente onde estamos, se há pessoas inteligentes e para o bem, é possível entender como avançar melhor no meio de uma situação difícil".
No entanto, destacou, “se está em um mundo de hipocrisia, é muito difícil. Não sabemos exatamente quantas pessoas vão para o inferno, mas sabemos bem se estamos perdendo dinheiro. As dívidas estruturais já existiam antes da Covid. É um momento verdadeiramente difícil para o Vaticano”.
Sobre o novo Prefeito de Economia, o sacerdote jesuíta Juan Antonio Guerrero Alves, o Cardeal disse que ele é “um homem honesto e capaz, que fez muitos progressos. Também acho que o novo Conselho de Finanças, com seis mulheres, está fazendo um bom trabalho. São mulheres muito qualificadas e acho que será muito difícil para os criminosos fazerem algo com elas. Nós, homens, somos mais sentimentais. Espero que o novo conselho ao ver um buraco no cobertor diga: 'há um buraco no coberto'”.
Em agosto de 2020, o Papa Francisco nomeou para o Conselho de Economia duas mulheres alemãs, Charlotte Kreuter-Kirchhof e Marija Kolak; duas mulheres espanholas, María Concepción Osacar Garaicoechea e Eva Castillo Sanz; e duas britânicas, Ruth Mary Kelly e Lesile Jane Ferrar. O conselho tem um total de 15 membros, oito dos quais são bispos e cardeais.
O Cardeal George Pell também assegurou que “nunca se pode dizer que isso terminou. Não tenho certeza se minha história acabou, mas também não acho que haja qualquer possibilidade de envolver o Papa"
A acusação contra o Cardeal Pell
Em 2019, o Cardeal Pell foi condenado à prisão acusado de abusar de dois menores. No entanto, em 7 de abril deste ano, foi libertado, depois que a Suprema Corte da Austrália concluiu que o júri no julgamento do Cardeal não agiu de maneira razoável, ao não encontrar possibilidade de dúvida nas acusações que enfrentava. Foi absolvido de todas as acusações.
Relatos de que o Cardeal Angelo Becciu teria transferido dinheiro para a Austrália para armar uma cilada para o Cardeal Pell atraíram a atenção internacional. O cardeal Becciu negou essas e outras acusações sobre o escândalo financeiro
No entanto, o Papa Francisco retirou o cardeal Becciu de seu cargo como prefeito da Congregação para as Causas dos Santos e retirou seus direitos cardinalícios, incluindo a impossibilidade de participar do próximo conclave.
O Cardeal Pell agradeceu ao Santo Padre as medidas adotadas em relação ao ainda Cardeal Becciu.
Até 2017, o Cardeal Pell liderou um esforço incentivado pelo Santo Padre para ordenar e esclarecer as finanças do Vaticano, que por muito tempo careceram de procedimentos, controles ou supervisão centralizados. O Cardeal entrou em conflito nesse trabalho com o Cardeal Becciu, que serviu no Vaticano como Substituto do Secretário de Estado.
Entre outras coisas, o Cardeal Becciu agiu para cancelar um contrato que o Cardeal Pell havia feito para uma auditoria externa das finanças do Vaticano.
Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.
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