Buenos Aires, 6 de jan de 2021 às 14:13
Especialistas em direito e medicina na Argentina explicam que os médicos têm direito à objeção de consciência, apesar de na prática a nova lei do aborto tentar negar esse poder.
Consultado por ACI Prensa – agência em espanhol do Grupo ACI – especialistas explicaram detalhadamente a nova lei 27610 sobre o aborto, aprovada pelo Senado em 30 de dezembro com 38 votos a favor e 29 contra.
A regra indica que as mulheres podem acessar o aborto até a 14ª semana de gestação, sem estabelecer nenhuma causa.
Fora desse período, o artigo 4º da lei afirma, sem dar maiores detalhes, que o aborto pode ser realizado quando a gravidez for resultado de estupro ou “se a vida ou a saúde integral da pessoa gestante estiver em perigo”.
Martín Zeballos Ayerza, de Advogados pela Vida, disse ao ACI Prensa que, “embora a objeção de consciência esteja prevista na lei sancionada26710, a realidade é que se trata apenas de uma expressão de desejos. Do que a lei diz ao que vai ser verificado há uma grande distância”.
“O mais grave é exigir que os médicos se registrem publicamente em um cadastro de objetores, o que permitirá perseguir ideologicamente esses médicos”, alertou.
O artigo 10 da lei estabelece que “o profissional de saúde que deva intervir diretamente na interrupção da gravidez tem o direito de exercer a objeção de consciência”, mas deve “encaminhar a paciente de boa fé para ser tratada por outro profissional de forma temporária e oportuna, sem demora”.
Também indica que "o pessoal de saúde não pode se recusar a interromper a gravidez no caso de a vida ou a saúde da pessoa grávida estiver em perigo e exigir cuidados imediatos e urgentes" e "não se poderá alegar objeção de consciência para se negar a prestar atenção sanitária pós-aborto”.
Zeballos especificou que, desta forma, quando o médico objetor de consciência fizer valer esse direito, será “obrigado a encaminhar a gestante a outra pessoa para que essa outra possa realize o aborto. Desse modo, a objeção de consciência é gravemente prejudicada porque, em vez de ser um executor, o médico objetor passa a ser cúmplice do aborto”.
O artigo 11 da lei se refere à objeção de consciência institucional e estabelece que, quando um estabelecimento de saúde fizer uso desse direito, tem a obrigação de encaminhar a gestante a outro que pratique o aborto.
“Os procedimentos e custos associados ao encaminhamento e transferência da paciente ficarão a cargo de quem realiza o encaminhamento. Todas as derivações contempladas neste artigo devem ser cobradas de acordo com a cobertura a favor do efeito que realize a prática”, indica o texto da norma.
Com esta medida, explicou o especialista, “as instituições opositoras são punidas, obrigando-as a pagar por abortos que vão ser feitos em outras instituições”.
“Claramente, trata-se de uma barbárie porque se viola a possibilidade de que os estabelecimentos de saúde tenham uma ideologia institucional em defesa dos nascituros e na Argentina há muitas instituições médicas que têm uma ideologia contra o aborto”, alertou.
Perseguição ideológica
O advogado lembrou ainda que, “antes mesmo da lei, os médicos que defendem a vida do nascituro eram perseguidos ideologicamente, impedindo-os de progredir na vida profissional nos hospitais públicos ou impedindo-os de obter cargos de chefia em estabelecimentos públicos, ou impedindo-os o exercício da profissão como o caso do Dr. Rodríguez Lastra”.
O médico Leandro Rodríguez Lastra foi condenado por não praticar um aborto em 2017, salvando assim a vida da mãe e do filho, que finalmente foi entregue para adoção. A pena imposta foi de um ano e dois meses de prisão suspensa e dois anos e quatro meses de desabilitação para exercer de cargos públicos.
A lei do aborto incorpora em seu artigo 15 o artigo 85 do Código Penal, que estabelece que “será punido com pena de prisão de três meses a um ano e desabilitação especial pelo dobro de tempo da condenação o funcionário público ou a funcionária pública ou a autoridade do estabelecimento de saúde, profissional, efetor ou pessoal de saúde que injustificadamente atrasar, obstruir ou recusar, em contravenção às normas vigentes, a realização de um aborto em casos legalmente autorizados”.
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O especialista jurídico disse à ACI Prensa que também serão “objetores de consciência os docentes aos quais se vai obrigar a ensinar o aborto como um direito".
Como recorrer à objeção de consciência?
A Dra. María José Mancino, fundadora e presidente de Médicos pela Vida, explicou a ACI Prensa que há 10 anos, junto com a Universidade Católica de Santa Fé e a Associação Civil ‘Ojo Ciudadano’, foi elaborado um “Protocolo de objeção de consciência” que pode ser útil diante da aprovação da lei do aborto.
O protocolo respondia e agora responde ao “grande número de casos e consultas que nos foram apresentados, ao longo deste período, sobre assédio, ameaças e coação recebidos contra colegas que pretendem exercer o seu direito à objeção de consciência e o seu direito a proteger seus dados mediante a lei de proteção de dados pessoais, como ferramentas para evitar ser coagidos a realizar tais práticas”.
O Artigo 2 da lei de proteção de dados, aprovada em 2000, define como dados sensíveis os “dados pessoais que revelam origem racial e étnica, opiniões políticas, convicções religiosas, filosóficas ou morais, filiação sindical e informações sobre a saúde ou vida sexual”.
Da mesma forma, o artigo 7 dessa lei estabelece no inciso 3 a proibição da “formação de arquivos, bancos ou registros que armazenem informações que revelem direta ou indiretamente dados sensíveis”. Desta forma, a lei do aborto colide com as disposições da lei de proteção de dados.
A Dra. Mancino disse à ACI Prensa que, dada a necessidade de os médicos recorrerem à objeção de consciência e a grande variedade de casos que podem surgir, “muitas das organizações civis especialmente formadas por advogados (a Associação para a Promoção dos Direitos Civis - PRODECI, Advogados pela Vida Argentina, entre outros), estão à disposição dos médicos e de todo o pessoal de saúde que tenha interesse em expor suas dúvidas ou que deseje assessoria mais específica, confiando que participação e a troca de experiências beneficiará a todos”.
Pode até ser que uma lei do aborto inclua a objeção de consciência, mas seria de maneira restritiva e encurtada, tal como na lei que acaba de ser sancionada, destacou a especialista.
As declarações de Mancino lembram as palavras do jurista Siro de Martini em sua obra “El médico frente al aborto”, publicada pelas faculdades de direito e ciências médicas da Pontifícia Universidade Católica Argentina (UCA)
“Uma primeira e imediata resposta surge do senso comum e do próprio significado das coisas (dos quais o direito nunca pode se desentender): o aborto é um crime porque tem por objetivo matar uma criança que se sabe que é inocente e indefesa”, indica o especialista.
“Nenhuma circunstância pela qual a mãe passa modifica a natureza moral e legal do aborto. Ninguém pode matar um ser humano inocente e indefeso. Ninguém pode, portanto, ordenar ou exigir que outra pessoa mate um ser humano inocente e indefeso. Consequentemente, qualquer ordem, regra, exigência, sugestão que alguém faça a esse respeito é ilegal”, sublinha.
Para colaborar com os médicos objetores, o PRODECI oferece “um modelo de manifestação de objeção de consciência, a ser apresentado em hospitais públicos nacionais, provinciais ou municipais. A instituição deve assinar, lacrar e datar uma segunda via, como comprovante de recebimento”.
Do mesmo modo, declara que um médico objetor deve procurar assessoria de "um advogado antes de agir".
Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Natalia Zimbrão.
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