Armenia, 13 de jan de 2021 às 11:05
Pe. Andreas Taadyan, reitor da Catedral de São Salvador em Shusha (Armênia), que foi obrigado a deixar a sua igreja e cidade natal no meio do conflito com o Azerbaijão, denunciou que os azerbaijanos estão destruindo o patrimônio histórico e cultural cristão.
O conflito entre o Azerbaijão e a Armênia, além de ser geopolítico, também tem uma dimensão religiosa ineludível, uma vez que os azerbaijanos são em sua grande maioria muçulmanos, enquanto mais de 90% dos armênios pertencem à Igreja Apostólica Armênia.
Após o acordo de cessar-fogo de 9 de novembro, que foi negociado sob a liderança da Rússia - em detrimento da Armênia - e colocou fim à guerra, o Azerbaijão assumiu o controle de vários territórios armênios, como a cidade de Shusha, localizada estrategicamente perto da capital da República de Artsakh ou Nagorno-Karabakh.
Shusha é um centro cultural da região que abriga uma das maiores igrejas ortodoxas armênias do mundo, chamada Catedral de São Salvador, que foi severamente danificada por um bombardeio em 8 de outubro, além de três outras igrejas e um convento monástico.
Em declarações ao National Catholic Register (NCR), em 7 de janeiro, Pe. Taadyan, que se refugia em Stepanakert, capital da República de Artsakh, deu seu testemunho sobre a situação em sua cidade em meio ao conflito.
Para isso, o NCR contou com a colaboração da associação humanitária SOS Chrétiens d'Orient, que tem uma missão em Artsakh para ajudar os cristãos deslocados e cujos voluntários em Stepanakert traduziram as respostas do Pe. Andreas do armênio para o francês.
O sacerdote, que atualmente ajuda as muitas famílias deslocadas e a reorganizar a vida local, disse que teve que fugir de sua igreja e de sua cidade natal junto com dezenas de milhares de seus companheiros armênios que vivem nos territórios cedidos ao Azerbaijão.
“Deixamos a igreja e todas as nossas propriedades, casas, tudo em Shusha, e estamos em Stepanakert apenas com as nossas roupas”, disse o Pe. Andreas.
“Perdemos grandes áreas, povoados, cidades, e a maioria da população está desabrigada hoje. Eles não têm onde morar e muitos deles estão tentando ir para Yerevan [capital da Armênia], que é mais tranquilo que Stepanakert, porque não há paz nas cidades e povoados fronteiriços”, acrescentou.
Explicou que “as pessoas estão em perigo permanente; os azerbaijanos costumam entrar nas aldeias fronteiriças, tentando roubar animais para aterrorizar as pessoas. Nosso governo e militares devem proteger esses lugares para que nosso povo esteja realmente seguro".
Sobre o bombardeio de 8 de outubro, o padre disse que testemunhou a explosão na igreja de Shusha da igreja de São João Batista, a outra igreja da cidade. “Não acho que a Catedral [de São Salvador] permaneça intacta. Acho que vai ser destruída ao longo dos anos”, lamentou.
O sacerdote explicou por que Shusha é chamada de "a Jerusalém de Nagorno-Karabakh". Disse que no passado até 1920 era conhecida como “a cidade da cultura”, porque “costumava haver muitas igrejas locais”. As pessoas viviam “uma vida plena e próspera. Havia três ou quatro padres para cada igreja. A cidade era como Jerusalém pelo número de igrejas e sacerdotes”, assinalou.
Pe. Andreas disse que “quando o Azerbaijão assumiu o poder em março de 1920, quase todas [as igrejas] foram destruídas e queimadas. Durante os anos soviéticos, duas igrejas permaneceram e foram parcialmente destruídas”.
Explicou que embora mais tarde tenham reformado os templos, "o apelido de Jerusalém permaneceu associado à cidade, porque enquanto não houvesse igrejas abertas em Stepanakert, os sinos de nossas igrejas tocariam para as cidades vizinhas".
Além disso, afirmou que Shusha é conhecida como “'Monte Tabor', a Montanha da Transfiguração de Cristo, porque lá, nossa igreja branca é intensamente iluminada”.
Sobre a situação atual em Shusha, que ainda está nas mãos dos azerbaijanos, Pe. Andreas disse que "está piorando a cada dia". “Em particular, me disseram que estão destruindo casas, santuários armênios e nosso patrimônio cultural. Acredito que se a situação continuar assim, não haverá nenhum vestígio de armênios lá. Encontrarão algo para destruir todos os dias”, acrescentou.
“Não acho que vão preservar ou reformar os monumentos cristãos, como fizemos quando reformamos a mesquita da cidade. Na verdade, se decidissem destruir a nação armênia, destruiriam os monumentos para sempre”, enfatizou.
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Segundo o padre, as autoridades azerbaijanas se comprometeram a não danificar o histórico Mosteiro de Dadivank, localizado na região de Shahumyan, nem “seu patrimônio artístico”.
“Conseguimos protegê-lo graças às negociações feitas por Sua Santidade [Karekin II, o Patriarca Católico da Igreja Apostólica Armênia]. O Mosteiro de Dadivank é o único monumento protegido pelas forças de paz russas”, disse.
“Há poucos dias nós o visitamos com veículos blindados, pois o local está cercado por azerbaijanos. Receio que, infelizmente, os terroristas mais cedo ou mais tarde destruam todos os outros monumentos desse território, como a igreja de Tsitsernavank ou a da província de Hadrut”.
Sobre a situação atual dos armênios, o sacerdote disse que “nossa vida diária está indo muito bem: continuamos servindo o povo, continuamos celebrando a Missa na igreja da cidade [Stepanakert] e estamos organizando a vida das igrejas no resto de Artsaj”. “Tentamos ser úteis, pelo menos por meio de nossos conselhos e serviços aqui”, acrescentou.
"Estamos tentando ajudar nossos irmãos, já que quase todas as cidades e santuários estão na fronteira do território controlado pelo Azerbaijão". Da mesma forma, disse que eles ajudam os armênios que fugiram de Artsakh para Yerevan durante a guerra, "para que possam retornar, especialmente aqueles com problemas financeiros, econômicos e sociais".
Recordou que embora haja "famílias que optaram por voltar para casa apesar do perigo", muitos "não querem trazer seus filhos porque o lugar ainda não é seguro. Por isso, agora estamos cadastrando desabrigados no município, trabalhando com eles para que possamos fazer o nosso melhor esforço para ajudá-los, em primeiro lugar as famílias com muitos filhos. Isso é o que está planejado neste momento".
Sobre a expectativa de um apoio da comunidade internacional neutra, o sacerdote disse que "todos os armênios se apresentaram para exigir o reconhecimento da República de Artsakh".
“Hoje há faíscas de esperança vindas da República Francesa, já que o Parlamento aprovou recentemente uma resolução de reconhecimento. Pelo menos, não perdemos as esperanças de que Artsakh seja libertado um dia. Ficaríamos muito gratos ao mundo, mas no momento não posso dizer mais", assinalou.
Para o sacerdote, “este problema em Nagorno Karabakh ainda não acabou; ainda há eventos por vir”. No entanto, “as pessoas estão sempre otimistas quanto ao futuro. Todos nós esperamos que amanhã seja melhor do que hoje. Por isso seguimos nossas vidas na esperança de dias melhores”.
“A vida continua e teremos que continuar lutando o bom combate. Teremos que enfrentar esta situação, mas com a esperança de que o amanhã seja nosso novamente e que vivamos em paz e liberdade”, acrescentou.
Nesse sentido, aconselhou “não entrem em pânico, continuem rezando, nunca percam a esperança, sejam otimistas e continuem vivendo nesta pequena terra. Ainda podemos viver aqui e prosperar”, disse. De sua parte, afirma que planeja ficar “em Artsakh para servir onde quer que me enviem. Mas espero voltar a Shusha um dia".
“Acredito que Deus não nos deixará sozinhos. Tudo ficará bem, eventualmente. Atualmente, estamos rodeados de azerbaijanos, por isso existe um perigo físico para todos nós, mas tudo está nas mãos de Deus”, concluiu.
Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.
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