A fundação pontifícia Scholas Occurrentes, que considera o Papa Francisco como fundamental para o seu funcionamento, teria usado a figura e a reputação do Santo Padre para divulgar o material de doutrinação sobre a ideologia de gênero para crianças em pelo menos uma dezena de países da América Latina.

Desde 2015, com o emblema de Scholas Ocurrentes, a coleção de livros "Com Francisco ao meu lado" é publicada em conjunto com jornais da Argentina, México, Espanha, Colômbia, Equador, Guatemala, El Salvador, Peru, Nicarágua e Bolívia, incluindo entre as suas páginas conceitos de ideologia de gênero.

Entre as páginas da coleção está o conto dirigido às crianças intitulado “Soy um perro!” (Sou um cachorro, tradução livre ao português), que apresenta a história do esforço de um “gatinho branco baixinho e corajoso” que queria ser reconhecido publicamente como um cão.

No final da história dirigida às crianças, o gato faz com que os cachorros o reconheçam como um deles graças à defesa de um burro que se identifica como cavalo.

Ao explicar a história "para pais e educadores", Scholas afirma que "nossa imagem e sentido de nós mesmos se desenvolve ao longo de nossas vidas".

Outra das histórias publicadas por Scholas, intitulada “Chiquillería” (Criançada, em tradução livre ao português), afirma que “há crianças que têm pai e mãe. Um de cada. Outros, dois de cada. Outros, um e dois. Ou dois e um”. O fragmento é ilustrado com duas crianças de mãos dadas com dois personagens que usam saias.

No "guia para pais e educadores", Scholas destaca que a história "Chiquillería" ensina que "a diversidade vai além do grupo social ou da cultura a que pertencemos" e inclui "os traços que não somos capazes de mudar: inclui idade, características físicas, gênero e orientação sexual”.

Cada um dos livros da coleção publicada por Scholas Ocurrentes traz um desenho do Papa Francisco e inclui frases do Santo Padre em suas primeiras páginas.

Ao anunciar a divulgação da coleção nos diversos países, informaram que contavam com o apoio do Vaticano e do Papa Francisco.

O jornal equatoriano El Universo informou em 2015 que seu subeditor, César Pérez Barriga “esteve na Cidade do Vaticano para assinar o convênio proposto com Scholas. Lá, foi apresentado o material bibliográfico e, inclusive, os diretores de meios assistentes cumprimentaram” o Santo Padre pessoalmente.

Por sua vez, para divulgar a coleção, o jornal argentino Clarín utilizou um pequeno fragmento de vídeo no qual o Papa Francisco afirma que “90% das cartas das crianças vêm com desenho”.

Além da edição realizada em parceria com o jornal mexicano Milenio, Scholas divulgou “Com Francisco ao meu lado” com o apoio do Governo da Cidade do México por ocasião da visita do Santo Padre em 2016.

ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, enviou pedidos de transparência ao Governo da Cidade do México, em outubro de 2020, para saber como essa publicação foi financiada e quantos exemplares foram impressos, sem obter resposta até o momento.

Em um e-mail enviado em 12 de janeiro de 2021 a Virginia Priano, diretora de comunicação da Fundação Pontifícia, ACI Prensa perguntou quanto dinheiro foi investido e quanto foi recebido em doações por ocasião da publicação “Com Francisco ao meu lado”, assim como o motivo das publicações que promovem a ideologia de gênero. Também perguntou a Scholas Occurrentes se os livros realmente receberam a aprovação do Papa Francisco e do Vaticano.

Priano não respondeu a esse e-mail nem a um recordatório enviado em 2 de fevereiro.

ACI Prensa ligou para Virginia Priano pelo WhatsApp em 3 de fevereiro. Depois de atender e desligar a chamada, o telefone italiano da diretora de Comunicações da Scholas Occurrentes não estava mais disponível, de modo que as mensagens não são mais recebidas e sua foto não pode mais ser vista, como quando um usuário foi bloqueado do sistema de mensagens.

Novas chamadas e mensagens encaminhadas de outro telefone também permaneceram sem resposta.

O que é Scholas Occurrentes e qual é sua relação com o Papa Francisco?

A Scholas Occurrentes define-se no seu site como “somos instituição e somos história, a história do nosso caminhar. Somos isso que contamos e nos contam de nós mesmos... uma instituição aberta ao encontro que nos recria. Como uma obra de arte, guardando as diferenças, vamos escutando o que é esse único de Scholas".

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Além disso, estabelece sua origem “na cidade de Buenos Aires quando Jorge Bergoglio era Arcebispo sob o nome de 'Escola de Vizinhos', integrando alunos de escolas públicas e privadas, de todas as confissões religiosas, a fim de educar os jovens como cidadãos no compromisso pelo bem comum”.

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Scholas Occurrentes assegura que tem "escritórios na Argentina, Chile, Cidade do Vaticano, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, Haiti, Japão, Itália, México, Moçambique, Panamá, Paraguai, Portugal e Romênia"; embora ACI Prensa saiba que a suposta sede nos Estados Unidos deixou de funcionar para fins práticos.

Também está presente “com sua rede em 190 países, integrando mais de 400 mil centros educacionais e atingindo mais de um milhão de crianças e jovens em todo o mundo”.

Scholas Occurrentes foi oficialmente constituída em 14 de maio de 2015, na Espanha, "a pedido da Santa Sé", e tem como objetivos "promover, melhorar a educação e conseguir a integração das comunidades, com foco nas de menos recursos", assim como “promover campanhas de sensibilização sobre os valores humanos”.

Em 15 de agosto de 2015 foi instituída a fundação na Argentina. Nesse mesmo dia, o Papa Francisco assinou um quirógrafo - um decreto pontifício - instituindo as Scholas Occurrentes "como Fundação de Direito Pontifício", assegurando que se trata de uma "rede mundial de escolas que compartilham seus bens, tendo objetivos comuns, com especial atenção àquelas com menos recursos”.

Scholas Occurrentes, os promotores do aborto e milhões em doações

Usando também a imagem do Santo Padre, a Fundação Pontifícia Scholas Occurrentes lançou sua “Universidade do Sentido”, uma série de conferências virtuais cujos palestrantes incluem conhecidos promotores do aborto legal, como o filósofo Darío Sztajnszrajber e a escritora Luisa Valenzuela.

ACI Prensa teve acesso a documentos financeiros de Scholas Occurrentes que revelam como, sem construir uma única escola para crianças e jovens de baixa renda em qualquer parte do mundo, a fundação pontifícia recebe milhões de dólares em doações e convênios.

No entanto, uma quantia significativa desses milhões de dólares seria usada para pagar honorários, viagens e escritórios.

Só em 2016, a Scholas Occurrentes gastou quase 5,2 milhões de dólares em “honorários profissionais” para sua filial argentina e outro milhão de dólares em “honorários temporários”.

Do mesmo modo, usou mais de 448 mil dólares para "salários e encargos sociais". Em “aluguel de escritórios”, a Scholas Occurrentes gastou mais de 324 mil dólares naquele ano. Outros 300 mil dólares foram para "telefonia móvel".

Em seu “Projecto Ágora. Criação de uma Rede Social Mundial baseada na Educação: Scholas”, a fundação pontifícia afirma que “o Papa é um ativo fundamental para Scholas e, portanto, é necessário um modelo de desenvolvimento que permita à Scholas Global ter amplo controle sobre o uso de sua imagem em todos seus capítulos/sedes”.

Consultas enviadas por ACI Prensa a Scholas Occurrentes sobre a convocação de palestrantes a favor do aborto e o uso de milhões de dólares que recebem em doações permanecem sem resposta desde setembro de 2020.

Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.

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