Neste segundo dia de sua viagem ao Iraque, o Papa Francisco celebrou uma Missa em rito caldeu na Catedral de São José, em Bagdá, na qual incentivou a imitar Jesus vivendo as bem-aventuranças.

“Para se tornar bem-aventurado, não é preciso ser herói de vez em quando, mas testemunha todos os dias. O testemunho é o caminho para encarnar a sabedoria de Jesus. É assim que se muda o mundo: não com o poder nem com a força, mas com as Bem-aventuranças. Pois foi assim que fez Jesus, vivendo até ao fim aquilo que dissera ao início. Tudo se resume em testemunhar o amor de Jesus”, destacou o Papa.

A seguir, o texto completo da homilia do Papa Francisco durante a Missa na Catedral caldeia de São José, em Bagdá:

Hoje a Palavra de Deus fala-nos de sabedoria, testemunho e promessas.

A sabedoria foi cultivada nestas terras desde tempos muito antigos. Desde sempre, a sua busca tem fascinado o homem; mas, frequentemente, quem possui mais recursos pode adquirir mais conhecimentos e ter mais oportunidades, ao passo que quantos têm menos são excluídos. É uma desigualdade inaceitável, atualmente em aumento. Entretanto o livro da Sabedoria surpreende-nos, ao inverter a perspectiva. Nele se diz que «o pequeno encontrará misericórdia, mas os poderosos serão examinados com rigor» (Sab 6, 6). Para o mundo, quem tem menos é descartado e quem tem mais é privilegiado; para Deus, não: quem tem mais poder é sujeito a um exame rigoroso, enquanto os últimos são os privilegiados de Deus.

Jesus, a Sabedoria em pessoa, completa esta inversão no Evangelho: não num momento qualquer, mas no início do primeiro discurso, com as Bem-aventuranças. A inversão é total: os pobres, os que choram, os perseguidos são declarados bem-aventurados. Como é possível? Bem-aventurados, para o mundo, são os ricos, os poderosos, os famosos! Vale quem tem, quem pode, quem conta! Para Deus, não: não é maior quem tem, mas quem é pobre em espírito; não quem pode tudo sobre os outros, mas quem é manso com todos; não quem é aclamado pelas multidões, mas quem é misericordioso com o irmão. Chegados aqui, pode-nos vir a dúvida: Se vivo como Jesus pede, que ganho com isso? Não corro o risco de ser espezinhado pelos outros? A proposta de Jesus será conveniente? Ou é perdedora? Não é perdedora, mas sapiente.

A proposta de Jesus é sapiente, porque o amor, que é o coração das Bem-aventuranças, embora pareça frágil aos olhos do mundo, na realidade vence. Na cruz, provou ser mais forte do que o pecado; no sepulcro, derrotou a morte. Foi este mesmo amor que tornou os mártires vitoriosos na provação… E houve tantos no último século! Mais do que nos anteriores. O amor é a nossa força, a força de tantos irmãos e irmãs que também aqui foram vítimas de preconceitos e ofensas, sofreram maus tratos e perseguições pelo nome de Jesus. Mas, enquanto o poder, a glória e a vaidade do mundo passam, o amor permanece, como nos disse o apóstolo Paulo: «o amor jamais passará» (1 Cor 13, 8). Assim, viver as Bem-aventuranças é tornar eterno aquilo que passa, é trazer o Céu à terra.

Mas como se vivem as Bem-aventuranças? Não exigem que se façam coisas extraordinárias, empreendimentos acima das nossas capacidades. Exigem o testemunho diário. Bem-aventurado é quem vive com mansidão, quem pratica a misericórdia no lugar onde se encontra, quem mantém o coração puro lá onde vive. Para se tornar bem-aventurado, não é preciso ser herói de vez em quando, mas testemunha todos os dias. O testemunho é o caminho para encarnar a sabedoria de Jesus. É assim que se muda o mundo: não com o poder nem com a força, mas com as Bem-aventuranças. Pois foi assim que fez Jesus, vivendo até ao fim aquilo que dissera ao início. Tudo se resume em testemunhar o amor de Jesus, aquela caridade que São Paulo descreve de forma estupenda na segunda Leitura de hoje. Vejamos como a apresenta.

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Em primeiro lugar diz que «a caridade é magnânima» (1 Cor 13, 4). Não esperávamos este adjetivo; amor parece sinônimo de bondade, generosidade, bem-fazer. Mas Paulo diz que a caridade é, antes de tudo, magnânima. Trata-se de um termo que exprime, na Bíblia, a paciência de Deus. Ao longo da história, o homem continuou a trair a aliança com Ele, a cair nos pecados habituais, e o Senhor, em vez de Se cansar e abandoná-lo, permaneceu sempre fiel, perdoou, recomeçou. A paciência de recomeçar sempre é a primeira qualidade do amor, porque o amor não se indigna, mas sempre recomeça. Não se abate, mas relança; não desanima, mas permanece criativo. Perante o mal, não se rende, não se resigna. Quem ama não se fecha em si mesmo, quando as coisas correm mal, mas responde ao mal com o bem, lembrando-se da sabedoria vitoriosa da cruz. Assim procede a testemunha de Deus: não é passiva, fatalista, não vive à mercê das circunstâncias, do instinto e do momento, mas mostra-se sempre esperançosa, pois está fundada no amor que «tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (13, 7).

Podemos interrogar-nos: Como reajo eu às situações funestas? À vista das adversidades, apresentam-se sempre duas tentações. A primeira é a fuga: fugir, virar as costas, desinteressar-se. A segunda é reagir, como irritados, com a força. Assim aconteceu com os discípulos no Getsêmani: no alvoroço geral, vários fugiram e Pedro puxou da espada. Mas nem a fuga nem a espada resolveram coisa alguma. Ao contrário, Jesus mudou a história. Como? Com a força humilde do amor, com o seu paciente testemunho. O mesmo somos nós chamados a fazer; assim Deus realiza as suas promessas.

Promessas. A sabedoria de Jesus, encarnada nas Bem-aventuranças, pede o testemunho e oferece a recompensa, contida nas promessas divinas. De fato, vemos que a cada Bem-aventurança segue uma promessa: quem as vive terá o reino dos céus, será consolado, saciado, verá a Deus… (cf. Mt 5, 3-12). As promessas de Deus asseguram uma alegria incomparável e não decepcionam. Mas como se realizam? Através das nossas fraquezas. Deus faz bem-aventurados aqueles que percorrem até ao fim o caminho da sua pobreza interior. Esta é a estrada; não há outra. Olhemos para o patriarca Abraão: Deus promete-lhe uma grande descendência, mas ele e Sara são idosos e sem filhos. Precisamente na velhice paciente e confiante deles, Deus realiza maravilhas e dá-lhes um filho. Vejamos Moisés: Deus promete-lhe que libertará o povo da escravidão e, para isso, pede-lhe para ir falar ao Faraó. Moisés observa que tem dificuldade na fala; e no entanto Deus cumprirá a promessa através das suas palavras. Olhemos para Nossa Senhora, que é chamada a ser mãe, justamente quando, nos termos da Lei, não pode ter filhos. E olhemos para Pedro: renega o Senhor e, todavia, é precisamente a ele que Jesus chama para confirmar os seus irmãos. Às vezes, queridos irmãos e irmãs, podemos sentir-nos incapazes, inúteis. Não lhe demos crédito, pois Deus quer fazer maravilhas precisamente através das nossas fraquezas.

Ele gosta de proceder assim e, nesta tarde, repetiu oito vezes ţūb’ā [bem-aventurados] para nos fazer compreender que, com Ele, o somos realmente. É certo que somos provados, muitas vezes caímos, mas não devemos esquecer que, com Jesus, somos bem-aventurados. Tudo aquilo que o mundo nos tira, não é nada em comparação ao amor terno e paciente com que o Senhor cumpre as suas promessas. Querida irmã, querido irmão, talvez olhes para as tuas mãos e te pareçam vazias, talvez sintas insinuar-se no coração a desconfiança e penses que a vida é injusta contigo. Se tal suceder, não temas! As Bem-aventuranças são para ti, para ti que estás na aflição, com fome e sede de justiça, perseguido. O Senhor promete que o teu nome está escrito no seu coração, nos Céus. E hoje agradeço-Lhe convosco e por vós, porque aqui, onde na antiguidade surgiu a sabedoria, nestes tempos se levantaram tantas testemunhas, muitas vezes transcuradas nos noticiários mas preciosas aos olhos de Deus; testemunhas que, vivendo as Bem-aventuranças, ajudam Deus a realizar as suas promessas de paz.

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