SÃO PAULO, 1 de abr de 2021 às 14:54
No último Domingo de Ramos, algumas igrejas de Piracicaba (SP) tiveram que fechar suas portas por ordem da prefeitura, em virtude das restrições adotadas para evitar a propagação do coronavírus. Diante disso, o Bispo local, Dom Devair Araújo da Fonseca, observou que “é preciso haver clareza sobre as competências de cada uma das autoridades”.
Uma das igrejas que precisou fechar as portas foi a Paróquia São Judas Tadeu. Em um vídeo publicado nas redes sociais, o pároco Cônego André Bortolucci Saggioro, OPraem, relatou o ocorrido.
Segundo ele, “a igreja estava aberta para que os fiéis viessem rezar” e “não estava acontecendo nenhum tipo de culto no momento”. Foi quando a guarda municipal chegou e “instruiu que deveríamos fechar”.
O sacerdote ressaltou que os guardas “não nos causaram qualquer tipo de constrangimento, apenas nos informaram que estavam cumprindo ordens” da prefeitura. O pároco, então, fechou a igreja “para evitar maiores problemas”.
A medida tomada pela guarda municipal ocorreu com base no decreto municipal 18.653/21, que estabelece medidas restritivas para conter a propagação da Covid-19. Entre as atividades que “não podem funcionar”, segundo o decreto, estão “cultos religiosos”.
Diante do fechamento de algumas Igrejas, o Bispo de Piracicaba, Dom Devair Araújo da Fonseca, comentou o caso ao final da Missa de Domingo de Ramos, na Catedral Santo Antônio. O Prelado afirmou que a determinação de não realizar Missa pública está sendo respeitada pelas igrejas, mas “o fechamento de igrejas não pode ser feito pelo poder público da forma como está sendo feito”.
“Pedimos que as autoridades competentes tenham clareza do decreto, porque nós temos. Tenham clareza, também, daquilo que são as garantias do direito e da liberdade de culto”, expressou Dom Devair.
Indicou ainda que “as igrejas permanecem abertas e as Missas são transmitidas”, mas “aquelas pessoas que procurem os sacramentos nas nossas igrejas irão recebê-los, elas vão encontrar esses sacramentos, porque isso a lei também nos garante”.
“É preciso haver clareza sobre as competências de cada uma das autoridades. A competência de alimentar espiritualmente o povo é das igrejas e isso nós vamos fazer”, declarou o Bispo.
Quais os limites de restrições à liberdade religiosa durante a pandemia?
Em todo o Brasil, muitos governos têm publicado decretos que restringem as atividades religiosas públicas como medida de segurança sanitária frente à pandemia de Covid-19. Tais determinações vêm gerando questionamentos sobre qual é o limite da atuação do Estado quanto à celebração de Missas e até onde estas decisões afetam a liberdade religiosa.
Em entrevista à ACI Digital, o diretor-secretário da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), Dr. José Tadeu de Barros Nóbrega, e o diretor-tesoureiro da entidade, Dr. Miguel da Costa Carvalho Vidigal, explicaram que, “primeiramente, é preciso reafirmar que o direito à prestação do devido culto a Deus, decorrente do direito à Religião, é um direito natural”.
Esse direito natural, indicaram, “foi reafirmado por meio do ordenamento jurídico positivo (as leis escritas) no Brasil que também assegura esse direito”. Nesse sentido, citaram a Constituição Federal, que no seu artigo 5º, inciso VI, “classifica como inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos, além de garantir a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Os diretores da UJUCASP pontuaram ainda que “o Acordo Brasil-Santa Sé, como outros tratados internacionais de direitos humanos, e a legislação infraconstitucional, inclusive o Código Penal, protegem a liberdade do culto e a liturgia”.
Especificamente no que diz respeito ao contexto de pandemia no Brasil, Dr. José Tadeu e Dr. Miguel Vidigal recordaram o Decreto nº 10.282/20, que regulamenta a Lei nº 13.979/20, a qual dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública. Este “prevê que deverá ser resguardado o exercício e o funcionamento das atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde”.
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Além disso, indicaram que “há outros fatores que impedem as restrições como têm sido feitas. Um deles é a reserva da legalidade”, pois “decretos não podem criar, extinguir ou modificar direitos. Para isso, é necessário que haja lei”. Desse modo, “tais ordenamentos que ferem o direito à Religião, contrariam a legalidade, uma vez que decorrem de imposições criadas em decretos”.
Os especialistas recordaram ainda que, embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha decidido que as normas de combate à pandemia possam “ser emanadas pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios”, a todos estes a Constituição “veda de forma clara” a possibilidade de “impossibilitar o funcionamento dos cultos religiosos e de igrejas”.
Assim, reforçaram que, “admitidas as restrições pelo poder público, sempre por lei, elas não podem impedir o exercício do direito ao devido culto a Deus”.
Nesse sentido, explicaram que também as “normas sanitárias de preservação de distanciamento, uso de máscaras, aferição de temperatura na porta, disponibilização de álcool em gel e outras são possíveis, desde que não venham a embaraçar o culto”. “Tais regras são como exigir um extintor ou ainda lotação máxima, mas jamais com o condão de impedir a realização de uma cerimônia religiosa”, disseram, ressaltando que as igrejas estão “adotando protocolos extremamente rígidos” para evitar o contágio por coronavírus.
Segundo os advogados, “o mesmo se aplica para regras que visem impedir outros Sacramentos”. Citaram ainda “outros casos gravíssimos” observados no decorrer desta pandemia, como decretos determinando que fiéis não possam receber a Eucaristia na boca ou que a hóstia deveria ser pré-embalada. “Não faz sentido! Além do Estado querer impedir a liberdade religiosa, quer também assumir para si o poder de deliberar como deve ser prestação de culto a Deus”, declararam.
Enfim, afirmaram os especialistas, “entendemos que as restrições possíveis, na pandemia ou fora dela, são aquelas feitas por lei e que não venham a embaraçar ou impedir o culto. Tudo o que for contrário a isso, é injusto e não pode prevalecer”.
“Como o Estado, em geral, desconhece o que é essencial na prestação do culto, é recomendável que toda medida restritiva em matéria de culto católico seja feita em comum acordo com o Bispo do local. Ou, então, teríamos uma situação em que o Estado que definiria as normas da religião, o que, certamente, não é o desejo de ninguém”, acrescentaram.
Liberdade religiosa em São Paulo
Diante do fechamento de igrejas em Piracicaba, Dr. José Tadeu e Dr. Miguel Vidigal assinalaram que no estado de São Paulo “há algo de interessante”, pois, “em plena ‘fase emergencial’”, a mais restritiva e que proíbe também atividades religiosas coletivas, “a Assembleia Legislativa aprovou e o governador do Estado sancionou em 12 de março de 2021, a Lei Estadual nº 17.346/20201”, sobre liberdade religiosa.
Em seu artigo 7º, assinalaram, esta lei afirma que “a intolerância religiosa é o cerceamento à livre manifestação religiosa. Antes disso, o artigo 2º é taxativo: ‘a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos, em conformidade com a Constituição Federal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Direito Internacional aplicável’”.
Além disso, segundo observaram, “o tema fica mais impositivo ainda no artigo 25 do mesmo ordenamento”. Neste ponto, a lei estabelece que “as organizações religiosas são livres no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros: exercer os atos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e de trânsito; estabelecer lugares de culto ou de reunião para fins religiosos”.
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— ACI Digital (@acidigital) March 24, 2021