Na semana passada, a Conferência Nacional de Encarregados de Prevenção de abusos sexuais infantis das dioceses da Alemanha publicou um documento com uma tomada de posição no tema da prevenção destes abusos no âmbito eclesial. O documento cita Michel Foucault, o controverso filósofo francês que defendeu o direito de crianças terem sexo consensual com adultos e, em março deste ano, quase 4 décadas depois de sua morte, é acusado de ter cometido pedofilia na Tunísia.

Em declaração à CNA Deutsch, agência em alemão do grupo ACI, Matthias Kopp, porta-voz da Conferência Episcopal alemã afirmou que as teses de Foucault, apesar da citação textual, não estavam sendo utilizadas pela comissão na construção no texto.

“A posição de Foucault foi citada como exemplo da discussão da relação entre sexualidade e poder no campo filosófico. É simplesmente equivocado assumir que o conceito de prevenção (a abusos) seria feito baseado em declarações de Foucault. Ele foi dado como um exemplo”, justificou o porta-voz.

"Os desenvolvimentos mais aprofundados das investigações contra Foucault serão acompanhados de perto e responderemos de acordo quando houver resultados disponíveis”, acrescentou.

"Se for necessário revisar o texto para deixar claro que é preciso distanciar-se da posição de Foucault, isso não prejudicará a sua referência no conteúdo nem o arcabouço humano-científico do texto como um todo", garantiu o porta-voz dos bispos alemães.

Foucault é citado na página 8 do documento da comissão de prevenção de abusos e em uma nota de rodapé. O documento deverá ser apresentado em uma das próximas assembleias do "Caminho sinodal", uma série de reuniões entre bispos, clérigos, religiosos e leigos que busca realizar mudanças na forma de atuar da Igreja no país e tem sido palco de propostas como a bênção para uniões homossexuais e a abolição do celibato sacerdotal.

Michel Foucault (1926-1984) estudou, entre outras temas, a relação entre poder e sexualidade.

Para Foucault, a sexualidade era "um meio particularmente adequado para relações de poder" e seu pensamento contribui na formulação da ideologia de gênero.  

A controversa frase de Foucault que consta no documento vem do livro História da Sexualidade em que o autor afirma: "Não se deve descrever a sexualidade como um ímpeto rebelde, estranha por natureza e indócil por necessidade, a um poder que, por sua vez, esgota-se na tentativa de sujeitá-la e muitas vezes fracassa em dominá-la inteiramente. Ela parece mais como um ponto de passagem particularmente denso das relações de poder entre homens e mulheres, entre jovens e velhos, entre pais e filhos, entre educadores e alunos, entre padres e leigos, entre administração e população. Nas relações de poder, a sexualidade não é o elemento mais rígido, mas um dos dotados da maior instrumentalidade: utilizável no maior número de manobras, e podendo servir de ponto de apoio de articulação das mais variadas estratégias".

Filósofos como Roger Scruton e Noam Chomsky rechaçaram categoricamente as teses de Foucault já na década de 1980, especialmente a afirmação questionável de que a moralidade sexual é apenas uma construção social.

No final de março de 2021, o escritor francês Guy Sorman acusou publicamente Foucault de ter abusado sexualmente de vários menores na Tunísia em 1969. Em 7 de abril, a mídia alemã também noticiou o caso.

Foucault e a pedofilia

Foucault defendeu publicamente que o sexo "consensual" entre adultos e crianças não deveria ser criminalizado. Em 1977, ele assinou, junto com Jean Paul Sartre, uma petição para diminuir a idade de consentimento para crianças na França para 15 anos de idade. Em entrevista, Foucault defendeu sua postura e argumentou que as crianças seriam capazes de dizer se estariam ou não sendo vítimas de um abuso.

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"Um limite de idade estipulado legalmente (para relações sexuais entre crianças e adultos) faz pouco sentido. Em uma situação assim, pode-se confiar que a própria criança saberá dizer se há ou não há um abuso”, disse o filósofo francês.

Cátedra em homenagem a Foucault foi rechaçada na PUC-SP

A abertura ao pensamento de Michel Foucault por parte de um órgão da Conferência Episcopal alemã contrasta com uma posição tomada pelo arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Pedro Scherer. O cardeal vetou a criação de uma cátedra dedicada a Foucault em 2015 quando era presidente do Conselho Superior da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A cátedra universitária é uma instância acadêmica destinada a fomentar o debate em torno de um pensador ou teórico com destaque em algum campo do conhecimento a fim de preservar e atualizar seu trabalho. O Cardeal, junto a outros 5 bispos católicos que compunham este órgão supervisor da PUC-SP, deram parecer negativo à iniciativa naquela altura.

A decisão de Dom Odilo causou polêmica e críticas ao arcebispo, que comunicou a decisão respondendo a uma carta aberta da professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Marilena Chauí.

Em sua mensagem, Chauí, que não pertencia ao quadro de funcionários nem de autoridades da PUC-SP, criticou a decisão do Conselho e escreveu: “De fato, como interpretar a proibição da instalação da Cátedra Michel Foucault senão como um gesto de censura e intolerância?”.

Diante disso, Dom Odilo esclareceu que a decisão do Conselho “não consistiu na ‘proibição’ de uma Cátedra dedicada a Michel Foucault, mas no indeferimento de um pedido de criação da Cátedra, nos termos em que foi apresentado, ‘independentemente de se manterem os trabalhos do Grupo de Pesquisa deste ou de qualquer outro filósofo na Universidade’”.

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O Arcebispo também explicou que já havia na PUC-SP um grupo de pesquisa dedicado ao filósofo, que continuava em plena atividade.

“Oxalá suas ideias também fossem avaliadas com discernimento crítico, como é próprio de toda boa prática filosófica, para verificar a consistência de seus argumentos”, expressou o cardeal em resposta aos críticos.

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