Desde 2017, Moçambique vive uma situação de guerra contra grupos terroristas, com milhares de mortos e deslocados, mas um dos principais dramas é o sequestro de centenas de garotos para se tornarem jihadistas e garotas para serem escravas sexuais, denuncia o padre Kwiriwi Fonseca, da Diocese de Pemba.

Embora não haja estatísticas oficiais sobre os sequestros realizados por terroristas em Moçambique, padre Fonseca declarou à Fundação Ajuda À Igreja que Sofre (ACN) que “podemos falar em centenas, porque se nós contarmos com todas as aldeias onde teve raptos, podemos [apontar] para esse número”.

Segundo o sacerdote, esses sequestros têm dois objetivos. “Os terroristas estão usando meninos para treiná-los, enquanto as meninas são feitas de esposas, estupradas, tudo isso. Algumas das mulheres, quando [os terroristas] percebem que [já] não lhes interessa, são mandadas embora”.

Padre Fonseca contou ainda que teve conhecimento desses casos por meio da brasileira irmã Eliane da Costa. Em agosto de 2020, a religiosa da congregação de São José de Chambéry e irmã Inês Ramos estavam entre as pessoas sequestradas por terroristas em Mocímboa da Praia. “A irmã Eliane viveu 24 dias no meio dos terroristas, no mato, e alertou-me dizendo: ‘Padre Fonseca, não se esqueça das pessoas raptadas, principalmente as crianças e adolescentes, que são treinadas também para serem terroristas’”, disse o sacerdote à ACN.

O sacerdote, responsável pela comunicação na diocese de Pemba, tem a missão de denunciar a situação das pessoas sequestradas em Cabo Delgado e apoiar os deslocados. Segundo ele, essas pessoas vivem com “feridas difíceis de curar”.

Entre os diversos casos, recordou o de Mina, uma moradora de Mucojo, um posto administrativo costeiro no distrito Macomia, que viu os filhos sequestrados e o marido e o irmão assassinados.

“Apareceram lá cinco homens de surpresa [e as pessoas] perceberam que eram eles, eram os Al-Shabaab, os terroristas. E os terroristas encontraram lá o marido dessa senhora, o seu irmão, quatro filhos… Aí disseram o seguinte: nós vamos levar os dois meninos, na verdade levaram os três meninos, um de 14, outro de 12 e outro de 10 anos. E foram. O marido e o irmão já tinham sido amarrados. E insistiram para que a mulher se fosse embora, pois iriam matar o marido e o irmão. Ela resistiu e não saiu do local. Então ela viu sendo degolados o seu marido e o seu irmão. Naquele momento uma criança, uma menor, dos seus dois ou três anos, viu toda essa cena e essa criança neste momento [continua] assustada e insiste para que voltem [à aldeia] para ver o pai. Ela viu tudo isso”, contou padre Fonseca.

Segundo a Fundação ACN, desde 2017, os ataques terroristas em Cabo Delgado já deixaram mais 2,5 mil mortos e 750 mil deslocados. Muitos desses deslocados estão nas províncias de Niassa, Nampula, Zambézia e Maputo.

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Irmã Mónica da Rocha é uma religiosa portuguesa da Congregação das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima. Ela está em Lichinga, na província de Niassa, e contou à ACN que todos os dias chegam deslocados a esta localidade. Para ela, é “urgente reconstruir vidas destruídas”.

A religiosa afirmou que também em Lichinga há relatos de sequestros. Segundo ele, “os raptos, a separação de famílias e as violações”, sendo uma consequência dos ataques terroristas, “já existiam antes do conflito de Cabo Delgado um pouco por todo o país”. Mas, agora estão se agravando.

“Os raptos em contexto de guerra são mais comuns em jovens e crianças. No caso dos meninos raptados são na maioria das vezes levados para serem treinados para lutar e no caso das meninas para serem escravas sexuais”, disse irmã Mónica.

O padre Kwiriwi Fonseca expressou sua preocupação com o processo de radicalização ao qual estes jovens sequestrados são submetidos. “Estamos falando de gente que saiu no ano passado, no ano anterior… é muito tempo em contato com o mal e aí acaba assimilando o mal. E também, e eu insisto nisso também, na incapacidade de distinção de ‘isto é o mal, isto é o bem’, pelas próprias crianças, pode levar a serem mais radicais. Pelo período de que têm contato, interação, podem vir a ser piores terroristas”, afirmou.

Por outro lado, alertou que essas crianças e adolescentes foram tiradas de suas aldeias, de suas famílias. E questionou se as ações militares contra os terroristas vai levar isso em consideração. “Se intensificarem esta guerra, e vários parceiros internacionais, vários governos, vários países pretendem ajudar [Moçambique] a eliminar [os terroristas], que quer dizer isso?”, perguntou padre Fonseca e respondeu: “Quer dizer que também muitos inocentes irão morrer”.

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