REDAÇÃO CENTRAL, 17 de jun de 2021 às 10:35
Os bispos dos Estados Unidos estão reunidos na assembleia geral da primavera, iniciada no dia 16 de junho, e irão debater sobre a Eucaristia, a sua recepção por parte de políticos católicos favoráveis ao aborto e votar se um documento será ou não redigido.
Uma minuta do documento já foi preparada incluindo vários temas, como a presença real de Cristo, o domingo como dia do Senhor, a missa como sacrifício, a importância das obras de misericórdia e a “consistência” ou “coerência eucarística” para receber a Comunhão.
Nesta nota, queremos aprofundar no significado de “coerência eucarística” e fazer cinco perguntas que precisam de uma resposta esclarecedora.
1. Onde se originou a expressão “coerência eucarística”?
A origem da expressão “coerência eucarística” está no documento final da V Conferência Geral dos Bispos da América Latina e do Caribe, realizada em Aparecida, no Brasil, em 2007. O documento foi elogiado pelo cardeal Mario Jorge Bergoglio, seu redator principal, e autorizado pelo papa Bento XVI, que enfatizou a suas “numerosas e oportunas recomendações pastorais, motivadas por ricas reflexões à luz da fé e do contexto social atual”.
Este é o parágrafo completo:
“Esperamos que os legisladores, governantes e profissionais da saúde, conscientes da dignidade da vida humana e do fundamento da família em nossos povos, defendam-na e protejam-na dos crimes abomináveis do aborto e da eutanásia; esta é sua responsabilidade. Por isso, diante de leis e disposições governamentais que são injustas à luz da fé e da razão, deve-se favorecer a objeção de consciência. Devemos nos ater à ‘coerência eucarística’, isto é, ser conscientes de que não se pode receber a Sagrada Comunhão e ao mesmo tempo agir com atos ou palavras contra os mandamentos, em particular quando se promove o aborto, a eutanásia e outros graves delitos contra a vida e a família. Esta responsabilidade pesa de maneira particular sobre os legisladores, governantes e os profissionais da saúde”.
2. Por que a coerência eucarística está tão intimamente relacionada ao aborto e à eutanásia?
A teologia da coerência eucarística baseia-se nos ensinamentos da Igreja contidos na encíclica Evangelium vitae e na exortação pós-sinodal Sacramentum caritatis. Quando alguns bispos dos Estados Unidos se referem a essa expressão, eles a utilizam em referência direta ao ensinamento do Magistério.
A Evangelium vitae, citada no parágrafo 436 do documento de Aparecida, fala sobre a gravidade do aborto e da eutanásia, sobre a clara necessidade de se opor a todas as leis que buscam legitimá-los e sobre a proibição da cooperação formal com esse mal.
Na Sacramentum caritatis, o papa Bento XVI aprofundou o tema. Ele inseriu a expressão “coerência eucarística” para falar da “conexão objetiva” entre a Eucaristia e os valores fundamentais que um católico deve ter na vida pessoal e pública, incluindo a “o respeito e defesa da vida humana desde a concepção até à morte natural, a família fundada sobre o matrimónio entre um homem e uma mulher, a liberdade de educação dos filhos e a promoção do bem comum em todas as suas formas” (n. 83).
3. Por que a coerência eucarística está ligada aos políticos católicos em particular?
Publicada três meses antes do documento de Aparecida, a Sacramentum caritatis reflete o pensamento do papa Bento XVI. Como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, ele escreveu uma carta aos bispos dos Estados Unidos em 2004 em resposta ao debate sobre o candidato presidencial democrata e promotor do aborto, John Kerry, que frequentemente recebia a Santo Comunhão.
Na carta, o papa Bento XVI sugeriu que cada cristão se faça algumas perguntas antes de pedir a Santa Comunhão: “Estou em plena comunhão com a Igreja Católica? Sou culpado de algum pecado grave? Incorri em uma pena (por exemplo, excomunhão, interdição) que me proíbe de receber a Sagrada Comunhão? Eu me preparei jejuando por pelo menos uma hora antes?”
A carta também esclarece, em relação aos graves pecados do aborto ou da eutanásia, que “quando se manifesta a cooperação formal de uma pessoa”, no caso, um político católico que na sua atuação decide “fazer campanha e votar sistematicamente por leis permissivas do aborto e da eutanásia, seu pároco deveria se reunir com ele, instruí-lo nos ensinamentos da Igreja, informando-o de que ele não deve se apresentar à Sagrada Comunhão até que a situação objetiva de pecado seja resolvida, e advertindo-o de que, se isso não acontecer, a Eucaristia lhe será negada”.
Essa é também a prescrição do direito canônico, expressada no cânon 915.
A Sacramentum caritatis expõe com mais detalhes o dever que os católicos na vida pública têm de afirmar os valores fundamentais inegociáveis, impedindo-os de separar as crenças pessoais dos deveres públicos e lembrando-os da sua “grave responsabilidade social”.
O documento de Aparecida também faz referência aos deveres dos legisladores e chefes de governo em matérias relacionadas à vida, isto é, de se opor aos “crimes hediondos de aborto e eutanásia” ou reconhecer que não podem receber a Sagrada Comunhão.
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4. Por que os profissionais médicos têm uma responsabilidade especial de viver a coerência eucarística?
O documento de Aparecida deixa claro que a defesa da vida humana e da coerência eucarística não se limita aos governantes. É também um dever especial de todo médico, enfermeiro e profissional de saúde batizado defender a dignidade da vida ou abster-se de receber a Eucaristia.
“O ´fazer morrer´ nunca pode ser considerado um cuidado médico, nem mesmo quando a intenção fosse apenas a de secundar um pedido do paciente: pelo contrário, é a própria negação da profissão médica, que se define como um apaixonado e vigoroso ´sim´ à vida”, escreveu São João Paulo II na Evangelium vitae (n. 89). Ele também exortou os profissionais da saúde a exercerem a objeção de consciência ao invés de participarem dos males do aborto e da eutanásia.
No discurso perante a Pontifícia Academia para a Vida, Bento XVI reafirmou que “a convivência humana e a própria comunidade política” se funda sobre o reconhecimento do direito à vida. Consequentemente, profissionais, médicos e advogados devem fazer uma “corajosa objeção de consciência” diante dos males que ameaçam o direito à vida.
5. Por que a coerência eucarística está relacionada com a reunião da primavera de 2021 da USCCB?
Em 2004, o cardeal Joseph Ratzinger escreveu uma carta à Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB), quando os prelados estavam envolvidos no debate sobre a comunhão de Kerry.
A discussão logo se estendeu aos políticos pró-aborto, em geral.
Em 2006, em resposta às perguntas suscitadas e às implicações do debate para todos os católicos, a USCCB publicou um documento sobre a preparação para receber dignamente a Eucaristia.
Nos anos seguintes àqueles episódios, revelou-se uma crise de fé em relação à Eucaristia entre os católicos norte-americanos. Em 2019, um relatório do Pew Research Center confirmou que apenas 31% dos católicos acreditavam na doutrina da presença real da Eucaristia.
A questão sobre a recepção digna da Eucaristia voltou a ressurgir com urgência quando o católico e partidário do aborto Joe Biden, do Partido Democrata, entrou na disputa presidencial.
Em novembro de 2020, foi formado um grupo de trabalho sobre coerência eucarística, para abordar a questão do escândalo gerado por uma figura pública tão proeminente que busca receber a Sagrada Comunhão. O grupo, liderado pelo vice-presidente da USCCB, Dom Allen Vigneron, propôs a criação de um documento sobre a Eucaristia dirigido a todos os católicos e não especificamente a um político.
Nos últimos meses, expandiu-se o uso do termo coerência eucarística. Bispos de todo o país estão defendendo o longevo ensinamento da Igreja que a expressão porta em si e as suas implicações para políticos e profissionais médicos, bem como para a população católica, com base no entendimento da natureza fundamental do direito à vida.
O atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Luis Ladaria, também afirmou a necessidade da coerência eucarística em uma carta aos bispos americanos, que foi amplamente mal interpretada como um pedido para interromper os procedimentos normais da USCCB.
Os bispos discutirão um esboço de um documento preliminar sobre a Eucaristia, preparado pela Comissão de Doutrina durante a reunião da primavera de junho de 2021. A reunião acontecerá virtualmente, entre os dias 16 e 18 de junho de 2021.
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— ACI Digital (@acidigital) June 16, 2021