“Quando cheguei ao Haiti, vi uma cruz que estava caída no chão e uma das crianças se deitou sobre esta cruz com os braços abertos. Então, percebi que iria encontrar Jesus nos pobres deste país”. O relato é do irmão Hélio Silva Ferreira, brasileiro, missionário da Missão Belém, que atende crianças e adolescentes em uma das regiões mais pobres do Haiti.

“Ao chegar aqui, percebi que era uma pobreza muito diferente daquela que via no Brasil”, disse a irmã Vanessa Matias dos Santos, também missionária da Missão Belém no Haiti. “As pessoas não têm absolutamente nada, saneamento, água, energia”.

A situação de pobreza, instabilidade e violência do país testemunhada pelos missionários foi agravada com o assassinato do presidente Jovenel Moïse, no dia 7 de julho. Moïse foi morto a tiros em sua casa, na capital Porto Príncipe. Sua esposa, Martine, ficou ferida durante o ataque e segue internada em Miami, Estados Unidos.

Moïse tinha dissolvido o Parlamento e governava por decreto desde janeiro de 2020. Após o assassinato de Moïse, o primeiro-ministro interino Claude Joseph assumiu provisoriamente o comando do Haiti. Joseph não chegou a ser aprovado no cargo porque o Parlamento está dissolvido. O próximo na linha de sucessão, então, seria o presidente da Suprema Corte do país, mas ele morreu de Covid-19 e ainda não foi substituído.

Segundo autoridades do Haiti, 21 pessoas foram presas suspeitas de participar do assassinato de Moïse. Destes, três são haitianos e 18 colombianos, alguns dos quais são ex-militares. Outros três colombianos foram mortos pela polícia e há cinco suspeitos foragidos, entre eles um ex-senador haitiano.

O Haiti é um dos países mais pobres do mundo, com um PIB per capita de 2,9 mil dólares PPP (Power Purchase Parity, ajustado pelo poder de compra) segundo o Banco Mundial. O do Brasil é, segundo a mesma lista, de 14, 8 mil dólares PPP e o da América Latina e Caribe como um todo é de 15,9 mil.

“Nenhum ser humano nasceu para viver dessa maneira, todos nascemos para viver com dignidade”, diz a irmã Vanessa sobre a situação dos haitianos em entrevista à ACI Digital.

Irmão Hélio contou que estava estudando Engenharia Civil quando conheceu a Missão Belém, da arquidiocese de São Paulo (SP). Ele, então, “sonhava em ser missionário em Jerusalém, Belém”. Mas, quando foi para o Haiti e se deparou com as necessidades da população, percebeu “que ali seria de fato a Belém a que Jesus queria que eu fosse”.

Irmão Hélio Silva Ferreira com crianças e adolescentes da Missão Belém no Haiti / Foto: Missão Belém

A Missão Belém nasceu em 2005 e foi aprovada na arquidiocese de São Paulo, em 2010, e realiza um trabalho voltado aos mais pobres. Após o terremoto que atingiu o Haiti em 2010, a missão abriu uma casa em Porto Príncipe, na favela Warf Jeremie. Trata-se, segundo a instituição, de uma “área de extrema miséria que surge à beira do oceano, em cima de um enorme lixão”.

Para o irmão Hélio, “quando nos deparamos com esta realidade, não tem como ficar indiferente. É muito difícil ver a falta de saneamento básico, as pessoas fazem suas necessidades na rua, tomam banho ao ar livre”.

Segundo os missionários, a violência “vem se agravando nos últimos anos”. “As pessoas acabam tendo que ficar presas em suas casas por causa da violência”, disse irmã Vanessa. Segundo ela, “isso afeta o centro [da Missão Belém], pois o ano escolar não funciona como deveria, as atividades precisam ser paradas”.

Entretanto, afirmou irmão Hélio, “apesar de toda a miséria em que vivem, eles conseguem manter um sorriso no rosto, ter uma alegria de viver”. E, dessa forma, “acabam nos ensinando muito também”.

As crianças e adolescentes atendidos pela Missão Belém vêm dessa realidade e muitos trazem consigo problemas de saúde e alimentação. Dessa forma, a Missão Belém busca atendê-los em todas as suas necessidades. “Quando as crianças chegam aqui, tentamos também resolver a questão da saúde, encaminhando para nossa enfermaria, porque elas vivem em condições precárias e o sistema de saúde aqui não funciona”, disse irmã Vanessa.

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Além disso, “muitas dessas crianças não têm família estruturada” e, por isso, a Missão também passa a ser este apoio frente às questões familiares. “Há crianças que moram só com a mãe ou o pai, adolescentes que moram de favor ou crianças que foram deixadas aqui com uma avó, uma tia e os pais foram para o interior”, disse ir. Vanessa. Segundo ela, “há casos inclusive de crianças que vêm por conta própria e pedem uma vaga para estudar aqui no centro e nós buscamos acolhê-las”.

Irmã Vanessa Matias dos Santos com umadas crianças atendidas no centro da Missão Belém no Haiti / Foto: Missão Belém

Um menino que hoje está com cinco anos foi abandonado na Missão Belém. “Primeiro ele foi abandonado pela mãe, que o deixou com o pai. O pai cuidava dele, mas morou em várias locais da comunidade. Um dia, o pai o deixou na rua e ele foi trazido para o centro. Nós cuidamos dele e fomos atrás do pai. Conseguimos achá-lo e o pai ficou com ele mais uns dois ou três meses. Certo dia, trouxe o menino para a escola e não voltou mais”, contou. “Mas, vemos como Deus age. Uma mulher que trabalha aqui na cozinha, por conta própria, decidiu pegar o menino e hoje cuida dele como um filho. Ele até a chama de mãe. Assim, vemos como as pessoas que trabalham aqui têm o coração tocado e também cuidam dos pobres”, disse.

Irmão Hélio conta de um menino, hoje com dez anos, cuja mãe tinha Aids e não pôde amamentar. “A mãe conheceu a missão e a criança chegou aqui desnutrida. Eles viveram conosco e em 1º de janeiro deste ano, a mãe morreu. Hoje o menino mora conosco e, diante da situação em que chegou aqui, podemos dizer que ele é um milagre”.

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Os missionários afirmaram que, como essas, muitas outras histórias marcaram as suas vidas e, para eles, “é uma experiência muito forte acompanhar a forma como as crianças chegam aqui e se desenvolvem”. “Para mim, é um presente de Deus e temos muita gratidão a Deus por poder contemplar este milagre que são as crianças que chegam aqui com dificuldades e vão se desenvolvendo. Claro que já vimos casos de adolescentes que desistiram, saíram e seguiram por outro caminho, mas são poucos”, disse ir. Vanessa.

Um adolescente “me falou que sem a Missão Belém, muitos jovens seguiriam para a criminalidade. Mas, como veem a Missão Belém aqui, percebem que há outro caminho melhor a seguir”, disse o irmão Hélio.

Crianças na escola da Missão Belém no Haiti / Foto: Missão Belém

Mesmo em meio a uma população tão necessitada, a Missão Belém não deixa de lado a evangelização. Nos fins de semana, são realizadas atividades com as crianças e, para isso, contam com a ajuda dos próprios jovens da comunidade, que participam também de formações e retiros. Uma experiência ocorreu em 2019, segundo o irmão Hélio, quando um grupo de 10 jovens atendidos pela Missão Belém Haiti pôde participar da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no Panamá. “Lá os jovens tiveram uma experiência de fé e receberam muito carinho dos outros países. Sempre que falávamos que éramos do Haiti, recebíamos este carinho. Foi uma oportunidade de conhecerem outras realidades, pois eles só conhecem esta realidade daqui. Então, voltaram transformados e dando testemunho para as pessoas dessa experiência e de evangelização”, contou.

Atualmente, a Missão Belém atende 2,2 mil crianças e adolescentes no Haiti e conta com 6 missionários e 220 funcionários. Ir. Vanessa e ir. Hélio afirmaram que trabalho desenvolvido para a população local é gratuito e conta com apoio de um sistema de apadrinhamento. “As pessoas podem apadrinhar uma criança e ajudar economicamente. E nós sempre enviamos para esta pessoa fotos, notícias, o acompanhamento da criança. Assim, acabam criando laços”, disse irmã Vanessa.

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