REDAÇÃO CENTRAL, 19 de ago de 2021 às 13:00
Há uma cidade na Bósnia-Herzegovina, me disseram, chamada Široki-Brijeg, onde ninguém nunca, até onde as pessoas se lembram, se divorciou. Cerca de 30 mil almas habitam o lugar, quase todas elas são católicas.
Como pode isso ser possível em um mundo em que, mesmo entre católicos, tantos casamentos fracassam? O que é que torna essa cidade diferente? É alguma coisa na água?
Não, não é. Nem é o resultado de qualquer tipo de lei que proíba os casais de se divorciarem. Porque não existe lei assim. As pessoas que se casam em Široki-Brijeg não foram doutrinadas pelo Estado para ver a união entre um homem e uma mulher como uma pena de prisão perpétua. Não há código penal, em outras palavras, pelo qual seja exigida a obediência de casais casados. O troca de votos diante do altar não deve ser confundida com o ritual do carrasco pondo a corda em volta do pescoço do prisioneiro condenado. Se alguma vontade tiver que ser dobrada, não será o resultado de ninguém a não ser do próprio casal.
Então, o que é que mantém esses casais juntos? É o fruto de uma atitude firme de completa e livre submissão a Jesus Cristo, cuja cruz une no nível mais profundo todos os aspectos da vida deles. Com todas as diferenças que os separam, eles, mesmo assim, permanecem profundamente comprometidos com uma vida de amor em doação mútua. Em resumo, é uma vida inteiramente centrada em Cristo e sua cruz, na qual Ele escolheu livremente ser pendurado pela salvação do mundo.
E o que Ele nos diz a partir de sua cruz? Ele diz, na verdade: “Eu te amo. E aqui está a prova que eu realmente falo sério: que eu escolhi morrer por ti.” Há uma alegria inegável e uma paz despertada pelo conhecimento dado por essa cruz, de uma vida embebida em tal sacrifício.
Podem os casais unidos a Cristo fazer menos do que tentar imitar seu Mestre crucificado? O que mais poderia significar unir-se à madeira sagrada dessa cruz? Significa, no nível prático, que a uma pessoa se pede constantemente que morra pelo cônjude por quem escolheu viver. E quando fracassamos, o que frequentemente fazemos, não jogamos a toalha e vamos embora resignados. Em vez disso, combatemos em nome daquele que amamos, alguém por quem nenhum sacrifício é grande demais. Cada lasca de madeira da cruz deve ser juntada, apresentada amorosamente de volta a Deus por aquele de quem prometemos tomar conta.
Imagine a liberdade que isso traz aos casais, suas vidas livres das amarras de uma cultura construída sobre mentiras. Eles não precisam mais ver as coisas através da névoa de romance de Hollywood, as lantejoulas das expectativas irreais _ a ilusão dos cartões Hallmark que cega tantos casais, que prefeririam de longe celebrar fantasias a fatos diante da perspectiva do casamento.
É o realismo, em outras palavras, de saber que nenhum relacionamento humano pode igualar o desejo humano, uma vez que só Deus pode satisfazer por fim os anseios do coração. Mas que por meio do amor humano é concedido um vislumbre do próprio amor de Deus, no qual se garante estonteantes reflexos de Sua própria glória.
Não é assim, afinal de contas, que Deus tipicamente mostra seu amor por nós? De que outra maneira o amor de uma Divindade infinita poderia chegar a uma criatura finita senão por meio de sinais de mediação? Através do prisma da vida sacramental, especialmente quando, como no casamento cristão, o próprio casal administra o sacramento. “O amor não pode ser um momento único”, escreveu Karol Wojtila em A Loja do Ourives. “A eternidade do homem passa por ele. É por isso que tem que ser achada na dimensão de Deus, porque só Ele é eternidade”.
Ninguém pode viver sem amor. Mas só se houver o reconhecimento de que, para amar outra pessoa em um mundo cheio de criaturas caídas e defeituosas, transfusões constantes de paciência e perdão são necessárias. Tentar carregar o peso do pecado do cônjuge simplesmente não é possível sem a graça de Deus. Mas saber que Ele nos ajuda a carregar esse peso, na verdade sustenta Ele mesmo a maior parte desse peso, torna-se a fonte de profunda consolação e alegria.
O que está envolvido aqui, como o testemunho de incontáveis casais pode dizer, é que a troca real de votos ocorre quando o casal está literalmente se agarrando à Cruz. Ouvir, além disso, com toda a atenção ao padre enquanto ele envolve as mãos do casal em torno da cruz, lembrando a cada um: “Vocês encontraram a cruz de vocês! É uma cruz que vocês devem amar e levar com vocês todos os dias da vida de vocês. Saibam apreciá-la!” E então, tendo beijado a cruz tirada do altar, o casal a entroniza em um lugar de honra em sua casa, seguro no conhecimento de que abandonar um ao outro é abandonar Cristo. É só Ele que pode sustentar _e santificar_ o casamento.
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Eles devem ir à cruz sempre que aparecerem problemas, ajoelhando-se diante dele para pedir a Jesus para ajudá-los a suportar. E como sinal seguro de sua apreciação, devem dar presentes a quem foram unidos por Deus para abraçar diante e sobre aquela mesma cruz.
Não é uma opção, estão dizendo os casais de Široki-Brijeg, viver assim. É o único modo de viver. Viver cada dia da realidade de uma profundamente íntima participação na vida de Cristo, permitindo que Ele viva agora em nós. A fé em Cristo, portanto, que serve como trampolim para a fidelidade prometida um ao outro, não é mais um ideal ao qual alguém luta sem esperança para se conformar; é o próprio centro do qual eles se já se encontram vivendo.
E, sim, há muita alegria _e não pouca risada_ em meio a uma vida assim centrada em Cristo.
Regis Martin é professor de teologia do Centro Veritas para a Ética na Vida Pública da Universidade Francisca de Steubenville, Ohio, EUA.
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