Lima, 16 de set de 2021 às 14:15
Depoimento da madre Delfina (em espanhol).
Uma religiosa peruana contou como conheceu Abimael Guzmán, líder do grupo terrorista Sendero Luminoso, e como, há quase 40 anos, os terroristas sequestraram e assassinaram 200 crianças indígenas.
“Ele me disse: ´venha irmã, quero dar-lhe um refrigerante. São quantas irmãs? Você é de que congregação? E essa casa onde você mora, é do governo? Eu lhe contei tudo, porque... como eu ia saber que classe de homem era ele?”, disse a madre Delfina, das Franciscanas da Imaculada Conceição, que servia na casa-missão Santa Teresinha, na localidade amazônica de Puerto Ocopa, departamento de Junín, no Peru sobre Guzmán, morto no sábado, 11 de setembro.
Em um relatório de Gino Tassara, originalmente difundido pela América TV, em setembro de 2017, atualizado e retransmitido no Canal N e na América TV após a morte de Abimael Guzmán, a religiosa contou que confiou no líder do Sendero Luminoso porque não tinha como saber quem ele realmente era.
Com as informações obtidas, Guzmán levou um professor de educação física ao albergue e, em uma quarta-feira em 1982, os terroristas do Sendero Luminoso sequestraram todas as crianças que ali eram atendidas pelas religiosas.
“Todas as crianças estavam em formação e uma madre ficava ali na frente para fazê-los rezar. Então, a madre entrou e eu também. Saí e não havia ninguém. Corri perguntando onde eles estavam. ´Vamos, madre, vamos ver`, e não havia ninguém. Claro que os narcotraficantes os levaram. Tomara que não façam nada às crianças. Fomos até o (rio) Perenê, mas era um silêncio, não havia ninguém”, contou a madre Delfina.
A casa-missão ou casa de repouso foi fundada em 1924, perto da confluência dos rios Pangoa e Perenê. Originalmente, ela esteve a cargo dos franciscanos. Depois, passou para a congregação das Franciscanas da Imaculada Conceição. Ali, atendem crianças, muitas órfãs ou abandonadas, provenientes das comunidades nativas da região.
Em seu relatório, Gino Tassara lembrou que os terroristas forçavam as religiosas e os sacerdotes a falar bem dos terroristas do Sendero Luminoso. Mas, como elas se recusavam a fazê-lo, começaram a assassinar as crianças ashaninkas que tinham sequestrado.
“Não me faça falar das crianças, porque as crianças morreram às centenas, morreram muitas crianças. Todos os dias as enterrávamos. Todos os dias, de duas em duas”, contou a madre Delfina entre lágrimas.
“Tenho muita pena dos ashaninkas, onde quer que eles estejam, eu me lembro deles”, disse a madre Delfina. “Não podemos nos esquecer”, acrescentou a religiosa.
Tassara disse à ACI Prensa que não houve sobreviventes entre as 200 crianças sequestradas pelo Sendero Luminoso e que os terroristas foram deixando-as de duas em duas, na entrada da capela da missão.
A religiosa lembrou que, quando os terroristas chegavam à zona, o único lugar onde não entravam era na igreja. Ali, ela escondia os moradores para protegê-los.
Tassara também contou à ACI Prensa que a casa-missão Santa Teresinha não era seu destino original. Ele chegou lá porque tinham se perdido com seu cinegrafista e, tentando sair da região, caminharam durante uma hora e meia pela selva até chegar ao local.
A casa-missão tem agora 200 cruzes sobre as tumbas onde as crianças assassinadas pelo Sendero Luminoso foram sepultadas.
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O povo Asháninka é a maior etnia da amazônia peruana e pertence à família linguística Arawak. Eles também são conhecidos como ´campas`. Vivem na selva central do Peru, nos departamentos do Cuzco, Ayacucho, Junín, Pasco, Huánuco e Ucayali.
Abimael Guzmán e seu legado de terror e morte no Peru
Em 11 de setembro, o Ministério da Justiça e Direitos Humanos do Peru confirmou a morte de Abimael Guzmán. Aos 86 anos, ele morreu “devido as complicações do seu estado de saúde” no presídio de segurança máxima da base naval de Callao, onde cumpria prisão perpétua desde 1992.
Abimael Guzmán encabeçou, na década de 1960, uma facção do Partido Comunista Peruano que tinha como lema “pela trilha luminosa (sendero luminoso, em espanhol) de Mariátegui”, tomando como inspiração o escritor e político peruano José Carlos Mariátegui.
Naquela época, Abimael Guzmán começou a utilizar o codinome de “presidente Gonzalo”, sendo dessa forma reverenciado pelos terroristas do Sendero Luminoso.
No final da década de 70, o Sendero Luminoso iniciou o caminho da violência e do terror, seguindo a ideologia que os terroristas descreviam como “marxismo-leninismo-maoísmo-pensamento Gonzalo”.
A atuação violenta do Sendero Luminoso se estendeu da serrania sul do Peru a todo o país, com assassinatos de camponeses, líderes de comunidades, profissionais, policiais, militares, políticos e qualquer pessoa que fosse considerada um obstáculo no seu caminho ao poder.
Estima-se que o Sendero Luminoso assassinou mais de 30 mil pessoas.
Foi somente em 12 de setembro de 1992 que a polícia, após um longo trabalho de inteligência, conseguiu capturar Abimael Guzmán em Lima, capital do Peru.
Com a captura do líder terrorista, o Sendero Luminoso iniciou um processo de retirada que os levou a se associar com o narcotráfico em regiões inóspitas do Peru e a criar um braço político chamado Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais (MOVADEF).
Desde a campanha eleitoral de 2021, que elegeu o atual presidente Pedro Castillo, ele e vários membros do seu partido Perú Libre foram acusados de ter vínculos com o MOVADEF.
Em seu plano de governo, o partido de Castillo afirma que, quando uma pessoa “se diz de esquerda sem reconhecer-se marxista, leninista ou mariateguista”, o que faz “é simplesmente agir em favor da direita com decoro da mais alta hipocrisia”.
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— ACI Digital (@acidigital) September 15, 2021