“Não é violando um sacramento” que a Igreja deve combater o flagelo dos abusos sexuais, diz o cardeal italiano Mauro Piacenza, Penitenciário Mor da Santa Igreja Romana. A publicação de um relatório sobre os abusos sexuais cometidos por membros do clero na França desde os anos 1950 gerou uma polêmica em torno dessa questão. O bispo de Reims, dom Éric de Moulins-Beaufort, presidente da Conferência Episcopal Francesa, que encomendou o relatório, disse em uma entrevista que o segredo da confissão estava acima das leis da república. Convidado a uma reunião com o ministro do Interior do país, o bispo fez declarações que foram interpretadas como um recuo da Igreja na França.

Nos últimos anos, o segredo da confissão tem sofrido ataques por parte da imprensa e de juristas em diversos países. O argumento é que os sacerdotes que ouvem em confissão um caso de abuso de menores deveriam ser obrigados a relatar o que ouviram às autoridades civis como já acontece com diretores de escola, ministros de outras confissões cristãs, médicos e advogados.

Em entrevista à ACI Stampa, agência em italiano do grupo ACI, o cardeal Mauro Piacenza, fala sobre o segredo da confissão.

ACI: Por que o segredo da Confissão é fundamental? De onde ele e em que consiste?

Cardeal Piacenza: A natureza do Sacramento da Reconciliação consiste no encontro pessoal do pecador com o Pai Misericordioso. O objetivo do sacramento é o perdão dos pecados, a reconciliação com Deus e com a Igreja e a restauração da dignidade filial em virtude da redenção operada por Jesus Cristo. O ensinamento da Igreja sobre Confissão é apresentado sucintamente no Catecismo da Igreja Católica, que, no numera 1422, retoma o ensinamento da Lumen Gentium 11, do Concílio Vaticano II, e o cânon 959 do Código de Direito Canônico.

É essencial ressaltar o que é o sacramento da Reconciliação. Sendo um ato de adoração, não pode e não deve ser confundido com um atendimento psicológico ou uma forma de aconselhamento. Como ato sacramental deve ser protegido em nome da liberdade religiosa, e, qualquer interferência deve ser considerada ilegítima e prejudicial aos direitos de consciência.

ACI: O confessor deve, portanto, manter sigilo e ao mesmo tempo ajudar a denunciar crimes às autoridades eclesiásticas e civis? Como isto é possível?

Piacenza: Tudo o que foi dito em confissão, isto é, a partir do momento em que este ato de adoração começa com o sinal da cruz e o momento em que termina com a absolvição ou com a absolvição negada, está sob sigilo absolutamente inviolável. Toda informação dada em confissão é "selada" porque é dada somente a Deus, portanto não está disponível ao confessor, ou seja, ao sacerdote. Mesmo no caso específico em que, durante a confissão, por exemplo, um menor revela que foi abusado, a conversa deve, por sua natureza, permanecer sempre protegida pelo sigilo. Isto não diminui o fato de que o confessor recomende fortemente ao menor que denuncie o abuso aos pais, educadores ou à polícia.

Se o confessor não tem dúvidas sobre as disposições do penitente e este pede a absolvição, esta não pode ser negada ou adiada. Há certamente um dever de reparar uma injustiça perpetrada e de se comprometer sinceramente a evitar que o abuso se repita, recorrendo, se necessário, à ajuda competente, mas, estes graves deveres ligados ao caminho da conversão não envolvem a denúncia de si próprio. No entanto, o confessor deve sempre convidar o penitente a refletir mais profundamente e avaliar as consequências de suas ações, especialmente quando outra pessoa for considerada suspeita ou até mesmo condenada injustamente por uma acusação.

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ACI: Como se pode responder aos bispos que são tentados, mesmo que por uma causa justa, a renunciar "parcialmente" ao dever de segredo confessional, que certamente não é um "segredo profissional"?

Piacenza: A analogia entre o sigilo sacramental e o sigilo profissional ao qual, por exemplo, médicos, farmacêuticos, advogados, etc., estão vinculados deve ser evitada a todo custo. Fora do contexto da penitência sacramental, não há segredo que não possa ceder a certas exigências estabelecidas por lei ou pelo juiz, por códigos de ética ou pela pessoa interessada que autoriza sua revelação.

O segredo da confissão, diferentemente, não é uma obrigação imposta de fora, mas uma exigência intrínseca do sacramento, e como tal não pode ser quebrado nem mesmo pelo próprio penitente.

O penitente não fala ao confessor como um homem, mas a Deus. Portanto, tomar posse do que é de Deus seria um ato sacrilégio. A proteção do próprio sacramento, instituído por Cristo para ser um porto seguro de salvação para todos os pecadores, entra em ação. A aproximação ao sacramento da confissão por parte dos fiéis poderia desmoronar se a confiança neste sigilo fosse perdida, com danos seríssimos para as almas e para toda a obra de evangelização.

É essencial insistir na impossibilidade de comparar o segredo confessional com o segredo profissional, a fim de evitar que a legislação secular se aplique ao segredo confessional que é inviolável, tal como no caso das exceções ao segredo profissional por justa causa.

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