DENVER, 28 de out de 2021 às 10:54
Em artigo publicado pelo jornal americano National Catholic Register, em 25 de outubro, Joseph M. Eble, presidente do grêmio de Tulsa, Oklahoma, da Associação Médica Católica (CMA, na sigla em inglês), explicou todos os detalhes que os católicos devem levar em consideração sobre o que os médicos chamam de morte cerebral. "Em 1968, um comitê influente da Faculdade de Medicina de Harvard introduziu a morte cerebral com a definição contraditória de 'coma irreversível como um novo critério de morte', sem levar em consideração o fato de que estar em coma não é estar morto, mas vivo”, escreveu Eble .
“Declarar uma pessoa morta segundo os critérios de morte cerebral é o principal meio pelo qual os órgãos são obtidos para transplante”, continuou o médico.
Segundo Eble, “a validade dos critérios de morte cerebral é questionada por aqueles que defendem a crença na dignidade inerente de todo ser humano”.
“Alguns, inclusive eu, estão convencidos de que a morte cerebral não representa a morte da pessoa humana”, disse ele. "Outros pensam que se houver uma perda total e irreversível de todas as funções cerebrais, o ser humano está morto".
“Proponho que, independentemente da posição que um indivíduo ocupe, todos devemos nos opor ao uso de critérios de morte cerebral na prática clínica”, continuou o médico em seu artigo.
Eble comenta que a validade da morte cerebral pode ser avaliada em dois níveis.
“A primeira é a nível teórico: se o cérebro está destruído, ou seja, sofreu ‘necrose patológica total’, a pessoa humana está, necessariamente, morta? O segundo é prático: o cérebro sofreu de fato uma destruição em uma pessoa declarada com morte cerebral?”
Eble afirmou que, para examinar qualquer tema bioético, deve-se começar examinando as evidências científicas e, em seguida, analisá-as usando a filosofia e a teologia.
“Por fim, chegamos a uma conclusão moral. Se não procedermos nessa ordem (por exemplo, se concebermos uma ideia filosófica e depois tentarmos impô-la artificialmente à realidade), cometemos erros fundamentais, que resulta em conclusões erradas. Por isso, vamos examinar o que revelam os casos de três pacientes reais”, disse.
O caso de "TK"
O caso de "TK" trata da solidez teórica da morte cerebral. Um artigo de 2006 sobre o caso no Journal of Child Neurology aborda diretamente a questão crítica: quando o cérebro está completamente destruído, a pessoa humana está necessariamente morta?
“Aos 4 anos, TK foi acometido por um tipo de meningite bacteriana”, segue Eble. “Essa infecção destruiu seu cérebro. É fundamental entender que TK não tinha nenhum tecido cerebral. O cérebro de TK estava realmente morto. Mas a pessoa humana TK estava morta?".
“Apesar de não ter cérebro”, continuou, “TK sobreviveu por 20 anos. Usou os nutrientes da alimentação por sonda, lutou contra as infecções, manteve a temperatura corporal e experimentou um crescimento físico proporcional. Em outras palavras, o corpo de TK continuou funcionando como um todo unificado. Afirmo que não há forma de explicar isso, exceto pela presença persistente de sua alma, o princípio de integração do corpo. O caso de TK mostra que um ser humano pode continuar vivendo na ausência de tecido cerebral funcional”.
Segundo Eble, alguns estudiosos da tradição judaico-cristã que apoiam o uso de critérios de morte cerebral argumentam, usando argumentos filosóficos elaborados, que, embora TK tenha sobrevivido 20 anos, "ele na verdade estava morto todo esse tempo". Uns poucos estudiosos católicos que apoiam os critérios para morte cerebral afirmam que o corpo de TK estava vivo, mas o próprio TK não".
A respeito de ambos, comentou: "Pedem que não acreditemos nos nossos próprios olhos e insistem em que TK só parecia estar vivo, ou que o que estava vivo só parecia ser TK”.
“Os leitores podem decidir por si próprios, usando o bom senso, se um paciente que é quente e corado, tem batimento cardíaco, mostra crescimento físico proporcional e sobrevive por 20 anos, está vivo ou morto e, se está vivo, se é um ser humano ou uma nova espécie biológica não mamífera que não existe na natureza”, acrescentou.
O caso de Zack Dunlap
O segundo caso analisado por Eble lida com a questão: "morte cerebral no nível prático: se um paciente é declarado com morte cerebral, o cérebro é destruído?"
Os critérios médicos para declarar um paciente adulto com morte cerebral nos EUA são as da Academia Americana de Neurologia (AAN, na sigla em inglês), publicadas pela primeira vez em 1995 e revistas pela última vez em 2010. Os critérios pediátricos são muito similares às pautas para adultos, escreveu Eble.
O médico disse que para abordar esta questão deveria ser explicado o caso Zack Dunlap.
Zack é de uma pequena cidade na periferia de Oklahoma City. Em 2007, aos 21 anos, ele sofreu uma grave lesão cerebral em um acidente de quadriciclo. Foi levado de avião a um hospital e 36 horas depois do acidente foi declarado com morte cerebral.
Eble conta que Zack havia indicado em sua carteira de motorista que queria ser doador de órgãos e seus pais deram permissão para que seus órgãos fossem removidos.
“Nessa época, o primo de Zack, que era enfermeiro, temia que Zack não estivesse morto. Ele segurou o pé de Zack e raspou o calcanhar com um canivete. Zack tirou o pé da mão do primo. Seu primo então enfiou a unha debaixo da unha de Zack em uma área dolorida. Zack retirou a mão. Esses movimentos lançaram dúvidas sobre o diagnóstico de morte cerebral e a retirada de órgãos foi suspensa. Zack escapou por pouco da morte por extração de órgãos”, escreveu o médico.
E continuou: “Cinco dias depois, Zack abriu os olhos. Doze dias depois, Zack disse a seus pais ‘Eu te amo’ e deu seus primeiros passos. Quarenta e oito dias depois, Zack deixou o centro de reabilitação e voltou para casa. Zack contou depois que conseguiu escutar o médico declarar que ele tinha morte cerebral e que ficou com raiva, mas que não conseguia se comunicar”.
Para Eble, o caso de Zack "ilustra um exemplo de paciente declarado com morte cerebral que (1) não estava morto, (2) não tinha morte cerebral e (3) teve uma recuperação completa".
“Os defensores da morte cerebral podem argumentar que o caso de Zack não está formalmente documentado e, portanto, não pode ser usado como um exemplo de falha das pautas da AAN. Em um nível pragmático, podemos nos perguntar: isso realmente importa? O caso de Zack é um exemplo de grave erro de diagnóstico na prática clínica, seja pelo fato de as diretrizes serem menos de 100% infalíveis ou pela conhecida variabilidade na observação dos critérios”, concluiu.
O caso de Jahi McMath
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Em 2013, aos 13 anos, Jahi McMath foi submetido a uma cirurgia na garganta devido à apneia do sono. Depois, teve uma hemorragia no local da cirurgia e sua condição piorou. Em dado momento, o coração de Jahi parou durante 10 minutos. Dois dias depois, foi declarada a morte cerebral de Jahi.
“No caso de Jahi, os critérios para o diagnóstico de morte cerebral foram rigorosamente seguidos e documentados. No entanto, Jahi sobreviveu por mais de quatro anos até sucumbir a complicações abdominais. Passou a maior parte do tempo no apartamento de sua mãe, com o apoio de um respirador e alimentação por tubo. Os vídeos mostram Jahi se movendo e respondendo apropriadamente a comandos simples. Jahi passou pelas mudanças da puberdade, incluindo a menstruação. A ressonância magnética mostrou a preservação de grandes partes do cérebro”, disse o médico.
Foi declarada a morte cerebral de Jahi usando os critérios médicos atuais, "mas ela não estava nem (1) morta nem (2) com morte cerebral".
"Morte cerebral" não significa morto
"Quantos pacientes como Zack e Jahi existem cujos casos nunca vieram à tona, seja porque o suporte vital foi interrompido ou os órgãos foram removidos?", pergunta Eble no artigo.
“No início deste ano, Michael Nair-Collins e Ari R. Joffe escreveram juntos um capítulo no Handbook of Clinical Neurology no qual examinaram a pergunta: Qual porcentagem de pacientes declarados com morte cerebral tem função hipotalâmica persistente (uma parte do cérebro)?”, escreveu ele.
Eble comentou que aqueles que não estão familiarizados com a literatura sobre morte encefálica “ficarão surpresos ao saber que aproximadamente metade dos pacientes declarados com morte cerebral têm função hipotalâmica persistente”.
"Mas esses pacientes ainda podem ser declarados com morte cerebral porque os critérios da AAN consideram a função hipotalâmica persistente irrelevante para um diagnóstico de morte cerebral", disse ele.
Segundo Eble, “isso viola o que a maioria dos defensores dos critérios de morte cerebral na tradição judaico-cristã estipula como necessário para que uma declaração de morte cerebral seja válida: a perda completa da função cerebral. Porque não pode haver uma perda completa da função cerebral se parte do cérebro (o hipotálamo) ainda estiver funcionando".
“E como há uma probabilidade de 50% de que um paciente declarado em morte cerebral ainda tenha função hipotalâmica, de acordo com seus critérios, há uma chance de 50% de que um paciente seja declarado com morte cerebral e ainda esteja vivo. Nos EUA, isso equivale a cerca de 7,5 mil a 10 mil pacientes com ‘morte cerebral’ que têm seus órgãos removidos enquanto estão vivos a cada ano”, explicou o médico.
Lutando contra a maré crescente de critérios de morte cerebral
Para Eble, “se cada paciente declarado em morte cerebral tivesse tempo para manifestar um possível retorno a alguma função cerebral, em vez da remoção rápida de órgãos em poucos dias, certamente haveria mais pacientes vivos e não mortos".
"Além disso, o número de pacientes com função cerebral persistente de qualquer tipo pode ser muito maior do que a metade, já que muitas funções cerebrais não se comprovam clinicamente", disse ele.
O médico lamentou que ninguém tenha "proposto um padrão médico 'mais preciso' para os EUA" e, embora não haja nenhum indício de que o padrão médico irá mudar, uma mudança está sendo procurada na esfera da lei, para fazer com que a declaração de morte cerebral seja mais fácil, não mais difícil”.
“Uma revisão proposta atualmente à Lei de Determinação Uniforme de Morte, a lei modelo para a morte cerebral nos Estado Unidos, visa fazer precisamente isso”, destacou.
Eble afirma que “um princípio fundamental da ética médica é o consentimento informado”, o que significa que “o paciente deve ser informado sobre os riscos, benefícios e alternativas de uma intervenção médica”.
“Aqueles que apoiam a validade teórica dos critérios de morte cerebral devem, no mínimo, advogar pelo consentimento informado”, disse ele.
“Para aqueles que argumentam que todo o cérebro deve ser destruído para que uma declaração de morte cerebral seja válida, o consentimento informado requer revelar às partes interessadas (como aqueles que decidem se devem ser doadores de órgãos em sua carteira de motorista) que, pelo menos a metade dos pacientes declarados mortos pelos critérios de morte cerebral ainda estão vivos", disse o médico.
Além disso, afirmou que "é necessário revelar que existe o risco, por menor que seja, de estar consciente quando se declara a morte cerebral (como aconteceu com Zack) e talvez até durante a retirada de órgãos".
“Com este conhecimento, provavelmente muitas pessoas não se inscreveriam para ser doadoras de órgãos”, acrescentou.
Ao concluir seu artigo, Eble escreve: “Acho que uma abordagem melhor é que todos aqueles que acreditam na santidade da vida, independentemente de apoiarem ou se oporem à validade teórica dos critérios de morte cerebral, oponham-se ao uso de critérios de morte cerebral para a obtenção de órgãos para transplante na prática clínica”.
"Então, podemos, como uma só voz, apoiar pesquisas médicas que busquem maneiras inovadoras e moralmente não conflitantes de substituir órgãos defeituosos", concluiu.
Confira também:
O que a Igreja Católica ensina sobre a eutanásia? https://t.co/pEQ90YjJsK
— ACI Digital (@acidigital) January 9, 2019