Em novembro de 2013, o arcebispo José Rodríguez Carballo, então recém- nomeado pelo papa Francisco secretário da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, falou em uma conferência no pontifício ateneu Antonianum sobre uma conversa com o papa sobre o declínio das vocações e as dificuldades que existiam para mantê-las ativas de acordo com o direito canônico, a que o papa respondeu: "E então mudaremos o direito canônico".

Não chegou a tanto. Se em 2017, o jornal Il Regno observou que o Papa Francisco legislou 50% mais do que Bento XVI (e na metade do tempo), hoje a atividade legislativa do Papa Francisco atingiu seu auge no momento em que ele interveio para mudar as regras de um julgamento em andamento, com quatro alterações para questões específicas durante a investigação.

Uma exceção ou um modus operandi?

Um modus operandi, responde Geraldina Boni. Canonista e consultora do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos desde 2011, Boni analisa as características de Francisco como legislador no livro Finis Terrae per lo ius canonicum, disponível em italiano aqui, ao qual não falta o tom crítico. O livro diz que, na prática, o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos foi desautorizado de sua função, afastado das discussões das grandes reformas, utilizado apenas em casos muito raros e só para dar cobertura a situações de fato.

O livro de Boni é uma tomada de consciência de uma canonista, mas que representa muitos outros, que se viu diante de um papa que faz as leis e também as descarta sem manter a homogeneidade nas decisões.

É o problema de uma ação legislativa centralizadora, diz Boni, que deixou de lado o papel do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, não mais chamado a oferecer as chamadas interpretações autênticas das leis, e cujos pareceres sobre alguns projetos são desconsiderados. Os fruto desse estilo do papa Francisco são leis mais complexas, mais difíceis de ler e interpretar, o que torna ainda mais incerta a justiça.

Um exemplo é a questão da culpa ou negligência dos bispos em abusos contida no motu proprio "Como uma mãe amorosa". Boni cita o arcebispo Giuseppe Sciacca , secretário do Supremo Tribunal da Signatura Apostólica: "instituir a competência das congregações em vez da de um Tribunal significa, evidentemente, deixar ao critério do dicastério tanto a avaliação dos 'indícios graves' de negligência, como a própria decisão escolha de abrir o processo”.

Sciacca observa: “não devemos descurar o perigo inerente à possibilidade de usar o instrumento em questão para usos distorcidos motivados por sérias dissidências em relação a um bispo ou, mesmo, dentro do episcopado de uma região”.

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A citação de Sciacca é uma das muitas no poderoso aparato bibliográfico que mostra que a preocupação de Boni não é a de um estudioso isolado. Com efeito, os canonistas várias vezes, nos últimos anos, em textos mais ou menos especializados, notaram os riscos inerentes a este movimento reformista que resultou na reforma do processo de nulidade matrimonial, nas reformas das leis de combate aos abusos, em várias outras atividades que também chegaram a afetar os processos em curso no Vaticano.

A questão básica é para onde foram os órgãos de controle? A denúncia é que o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos tem sido, na prática, posto de lado, assim como todo o direito canônico, em favor de uma legislação centralizada e que, segundo Boni, “pega a doutrina desprevenida”.

Nessa situação, pergunta Boni, há certeza de justiça? Existe segurança jurídica? Ou tudo está confiado ao legislador supremo, que não hesita em "ajustar" as suas disposições de acordo com a situação ou quando estas não se revelam compatíveis com o quadro jurídico já existente e em vigor?

No final das contas, esta é a pergunta básica de Santo Agostinho: “Sem a lei, o que é o Estado senão um bando de bandidos?"

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