O Ministério Público Federal quer que não seja mais exigida a declaração de óbito em casos de “abortos induzidos previstos em lei” feitos no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (MG). Após o pedido ser considerado improcedente em primeira instância, o MPF recorreu. Então, o defensor público da União Danilo de Almeida Martins apresentou pedido para entrar no caso na defesa dos nascituros. Segundo ele, “a ausência da declaração de óbito irá refletir nos direitos de personalidade do feto que são irrenunciáveis e intransmissíveis”.

No Brasil, o aborto é crime e não é punível apenas em três situações: gravidez decorrente de estupro, risco para a vida da mãe e casos de bebê com anencefalia. O Conselho Federal de Medicina (CFM) determina que, nos casos de aborto, a declaração de óbito deve ser preenchida pelo médico a partir de 20 semanas de gestação, quando o peso corporal do bebê for igual ou superior a 500 gramas, ou quando a estatura do bebê abortado for igual ou superior a 25 centímetros.

O procurador da República Leonardo Andrade de Macedo ajuizou em janeiro de 2021 a ação civil pública que pede que a declaração de óbito para bebês abortados deixe de ser exigida. Ele afirmou que a declaração “no caso de aborto induzido só se justifica quando solicitado pela mulher, para fins de sepultamento (por razões pessoais, culturais ou religiosas), hipótese em que o médico estará obrigado a emitir o documento”.

“Nas situações em que o produto da concepção receba outras destinações (remessa ao instituto médico legal para processamento dos vestígios do estupro, doação a projetos institucionais para fins de estudo e pesquisa, incineração ou outras destinações previstas nas normas de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde), a Declaração de Óbito não tem nenhuma utilidade, configurando, tão somente, mais um constrangimento à vítima, confrontada com as circunstâncias do aborto, parte do condenável processo de revitimização estatal”, declarou.

Em sentença de julho de 2021, o juiz federal Osmar Vaz de Mello da Fonseca, da 3ª Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Uberlândia (MG), do Tribunal Federal da 1ª Região (TRF-1), considerou o pedido do MPF improcedente.  O juiz disse que, “nos casos de interrupção da gravidez previstos em lei, não se deve atribuir à puérpera, salvo se assim o desejar, o dever de ambular do hospital ao cartório, deste à agência funerária e, dali, ao cemitério, para sepultar o feto concebido a partir de humilhante violação, ou nos demais casos informados na inicial”. Para o magistrado, “conquanto seja imperativa a emissão da Declaração de Óbito”, esta “medida e as subsequentes, cartorárias e para efetivação do sepultamento, devem estar a cargo do respectivo serviço de saúde”.

O juiz também afirmou a importância da declaração de óbito para fins estatísticos na formatação de políticas públicas de saúde. Após a sentença em primeira instância, o MPF recorreu.

Na terça-feira, 30 de novembro, o defensor público da União Danilo de Almeida Martins apresentou pedido de admissão e manifestação no processo na qualidade de custos vulnerabilis (guardião de vulneráveis) em favor dos nascituros. Martins argumentou que a pretensão de pôr fim à declaração de óbito em casos de aborto, “além de malferir interesses governamentais de controle sanitário e estatístico”, também atinge os interesses dos nascituros, “pois a ausência da declaração de óbito irá refletir nos direitos de personalidade do feto que são irrenunciáveis e intransmissíveis e receberam a devida proteção de nosso legislador constituinte”. Ele citou o artigo 5º da Constituição, segundo o qual, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

O defensor público também se referiu ao artigo 2º do Código Civil, que afirma que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. “Mesmo que lhe ceifem a vida, a criança ainda no ventre de sua mãe tem seus direitos de personalidade assegurados, pois sua vinda a este mundo ocasiona repercussões jurídicas, entre as quais podemos citar seu nome, imagem e direito à sepultura”, afirmou.

Martins criticou o fato de o MPF se referir ao bebê como “produto da concepção” que, abortado, poderia ter como destino doação para pesquisa, “incineração ou outras destinações previstas nas normas de gerenciamento de resíduos”. Segundo o defensor público, “esses recursos de linguagem buscam suavizar o real significado das palavras a fim de dissimular as motivações daquele que as profere”.  Por isso, disse, “referir-se ao ser humano como ‘produto da concepção’ e defender que seu destino seja aquele referido nas ‘normas de gerenciamento de resíduos’ soa muito mais agradável do que dizer que o destino do ser humano é a lata do lixo”.

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O advogado da Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, Júlio César Coutinho Fernandes, afirmou que a aprovação desse pedido do MPF representaria o reconhecimento de que o bebê ainda não nascido não é uma pessoa. “Basta ver que o Ministério Público chama esse bebê de produto. Se o bebê é um produto, nós também somos. Aí voltamos lá atrás, quando a pessoa era vista como produto e podia, portanto, ser comercializada”, afirmou.

Segundo o advogado, neste caso que pede o fim da declaração de óbito para “abortos induzidos previstos em lei” feitos no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlância (MG), “uma decisão favorável” poderia “formar paradigma” e fazer com que ações deste tipo “passassem a ser formuladas em outros estados também”.

Após o recurso do MPF, a decisão sobre o pedido caberá aos desembargadores federais da Sexta Turma Tribunal Federal da 1ª Região (TRF-1). Depois disso, podem ser apresentados recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo Fernandes, no Brasil “não há uma lei específica que determine os direitos do nascituro”, mas há “dispositivos legais que protegem os bebês ainda não nascidos”, como o Código Civil citado pelo defensor público Martins, que diz que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

A presidente e fundadora da Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, Zezé Luz, declarou que a estratégia dos defensores do aborto no Brasil é “judicializar o tema, pois sabem que esta matéria não passa no Congresso”. “Mas, nós estamos dispostos a lutar para dignificar a vida humana, desde a concepção”, afirmou.

Zezé contou que associações pró-vida em todo o país acolhem as mulheres gestantes e lhes dão “orientação, cuidado, apoio”. “A partir do momento que conscientizamos a mulher sobre os direitos do bebê, elas dizem que não querem matar este bebê”. Segundo Zezé, o aborto “deixa muitos traumas para a mulher” e, por isso, há uma preocupação dos defensores da vida em relação à “saúde psíquica dessa mãe”. “Além da prática do aborto, saber que o destino do bebê abortado foi o lixo pode trazer no futuro um trauma muito grande”, disse.

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