MUNIQUE, 7 de jan de 2022 às 09:48
Uma acusação contra o agora papa emérito Bento XVI por supostamente acobertar um caso de abuso na arquidiocese alemã de Munique e Freising ressurgiu esta semana, mais de 10 anos depois que a Santa Sé a rejeitou.
O jornal alemão Die Zeit publicou no dia 4 de janeiro uma longa reportagem sobre como a arquidiocese agiu no caso do padre Peter Hullermann, acusado de abusar de ao menos 23 menores de oito a 16 anos.
O padre, identificado na mídia alemã apenas como "H", foi suspenso na diocese de Essen em 1979, após ser acusado de abusar de um menino de 11 anos.
O padre foi enviado em 1980 à arquidiocese de Munique, liderada pelo então cardeal Joseph Ratzinger, futuro Bento XVI, que ocupou o cargo entre 1977 e 1982. Hullermann foi declarado culpado de abuso de menores em uma paróquia da arquidiocese em 1986.
O arcebispo alemão Georg Gänswein, atual secretário pessoal de Bento XVI, disse ao Die Zeit que “a acusação de que ele sabia da história prévia (a acusação de abuso sexual) no momento da decisão de admitir o padre H. (na arquidiocese) é errada. Ele não sabia da história prévia”.
O jornal alemão publicou seu artigo antes do anúncio da apresentação de um relatório importante da arquidiocese, que deveria ser divulgado no fim do mês, como resposta aos casos de abusos cometidos por clérigos.
O relatório, produzido pelo escritório de advogados de Munique, Westpfahl Spilker Wastl, é intitulado “Relatório sobre Abusos Sexuais de Menores e Adultos Vulneráveis por Clérigos, bem como (outros) funcionários na Arquidiocese de Munique e Freising entre 1945 e 2019”.
Die Zeit também publicou em 4 de janeiro uma entrevista com dois advogados canonistas que acusaram o cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique desde 2008, de não lidar bem com o caso Hullermann.
O cardeal Marx, cuja renúncia não foi aceita pelo papa Francisco em junho de 2021, não respondeu às perguntas do Die Zeit sobre a divulgação iminente do relatório de abuso.
O que aconteceu quando a história foi publicada pela primeira vez?
O caso Hullermann ficou conhecido em março de 2010, quando foi publicado pelo jornal Süddeutsche Zeitung, de Munique.
Em 12 de março de 2010, a arquidiocese de Munique publicou um comunicado no qual seu então vigário-geral, monsenhor Gerhard Gruber, assumia “plena responsabilidade” por não ter impedido Hullermann de continuar a exercer seu ministério.
A arquidiocese forneceu um relato detalhado do caso. Disse que a diocese de Essen solicitou à arquidiocese de Munique que aceitasse Hullermann como capelão em janeiro de 1980, para que o sacerdote pudesse receber terapia.
Hullerman ficou hospedado em uma reitoria para permitir que ele recebesse terapia. "O então arcebispo (Ratzinger) participou da decisão", disse a arquidiocese.
“No entanto, e numa mudança de decisão, H. foi posteriormente designado, sem nenhuma restrição, à assistência pastoral numa paróquia de Munique pelo então vigário-geral”, disse a arquidiocese.
"Desde então (1º de fevereiro de 1980 a 31 de agosto de 1982) não houve reclamações ou acusações contra H".
Segundo o comunicado, monsenhor Gruber reconheceu que “a reiterada participação de H. no cuidado pastoral paroquial foi um grave erro. Assumo toda a responsabilidade por isso. Lamento profundamente que esta decisão tenha resultado em uma ofensa a menores e peço perdão a todos os afetados”.
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O caso foi divulgado pela mídia internacional, incluindo o New York Times, que disse que o futuro papa alemão foi copiado em um memorando, depois de uma reunião em 15 de janeiro de 1980, que afirma que Hullermann seria destinado a uma paróquia justo depois do tratamento “médico psicoterapêutico”, por estar envolvido em abusos de menores.
O artigo citava o padre Lorenz Wolf, vigário judicial da arquidiocese de Munique, que disse que se tratava de um memorando de "rotina" que "muito pouco provavelmente poderia ter chegado à mesa do arcebispo".
O padre acrescentou que não se pode descartar que o cardeal Ratzinger possa tê-lo lido.
A Santa Sé respondeu destacando que a declaração da arquidiocese de Munique "confirma, portanto, sua posição segundo a qual o então arcebispo (cardeal Ratzinger) desconhecia a decisão de reintegrar o padre H. à atividade pastoral paroquial".
A revista alemã Der Spiegel sugeriu em abril de 2010 que monsenhor Gruber foi pressionado para assumir a responsabilidade da decisão sobre Hullermann, mas numa carta ao Süddeutsche Zeitung, o então vigário-geral disse que isso não é verdade.
Quando a história estourou, Hullermann foi suspenso de seu cargo na cidade bávara de Bad Tölz, para onde havia sido transferido em 2008.
CNA Deutsch informou que o sacerdote, agora com 74 anos, estaria morando na diocese de Essen desde a primavera de 2021.
O mais recente
Die Zeit disse ter visto um decreto de 43 páginas de 2016 do tribunal eclesiástico da arquidiocese de Munique.
O documento, afirma o jornal, declara que Hullermann não pode mais exercer seu ministério sacerdotal e ordenava que fizesse uma contribuição financeira a crianças de uma fundação.
O jornal informa que o decreto, que menciona Ratzinger por seu nome, critica fortemente as autoridades da Igreja por não evitarem os abusos de Hullermann, e alega que eles “deliberadamente se abstiveram de penalizar esse delito”.
Em um e-mail enviado ao Die Zeit, dom Gänswein insistiu que isso não se aplica a Bento XVI, pois "ele não tinha conhecimento das acusações de abuso sexual".
Confira também:
O Diagnóstico de Bento XVI sobre a crise da Igreja e dos abusos sexuais do clero https://t.co/Z4DGWvVV1L
— ACI Digital (@acidigital) April 11, 2019