A cidade de São João del-Rei (MG) mantém há mais de 300 anos a tradição do Ofício de Trevas na Semana Santa. Trata-se deum antigo rito da Igreja Católica que leva o fiel a “entrar nos sentimentos de Cristo no momento de sua Paixão”, diz o padre Geraldo Magela da Silva, pároco da paróquia da catedral de Nossa Senhora do Pilar.

Na igreja, é aceso um grande candelabro triangular com 15 velas, chamado tenebrário. Após cada salmo, uma vela é apagada e, ao final, apenas a vela que fica no vértice do tenebrário permanece acesa, representado Cristo, a luz do mundo. Esta vela é retirada e levada para trás do altar. “Este gesto representa a sepultura de Cristo. A sua luz não se apagou”, contou padre Geraldo Magela, em entrevista à ACI Digital em 2022.  Depois, as luzes da igreja são apagadas e as pessoas fazem um grande barulho, batendo com os pés no assoalho da igreja. “O estrondo dentro da igreja lembra aquilo que Mateus disse que na hora da Paixão houve terremotos, toda a natureza se alterou”, disse o padre.

Ao final, as luzes da igreja são novamente acesas e a vela que não foi apagada volta para o centro do tenebrário, lembrando a ressurreição de Jesus. “No ofício, meditamos a Paixão de Cristo, procuramos entrar nos sentimentos de Cristo no momento de sua Paixão, mas nós o fazemos sempre à luz da ressurreição”, afirmou o pároco.

 

Ofício de Trevas na Catedral de São João del-Rei. Foto: Marcos Luan / Pascom Paróquia da Catedral Nossa Senhora do Pilar

“O Ofício de Trevas é da Liturgia das Horas da Igreja pré-conciliar e compreende dois momentos: as matinas e as laudes. Ele acontece na Semana Santa, na quinta-feira, sexta-feira e sábado”, disse o pároco. Mas, segundo ele, na catedral de São João del-Rei, o ofício é rezado na noite de quarta-feira, “que é o mais famoso e vêm mais pessoas”, e nas manhãs de sexta-feira e sábado.

A Liturgia das Horas são orações rezadas diariamente em determinados horários do dia, chamados horas canônicas, a fim de santificar as horas do dia. Pode ser recitada por todos os fiéis. Padres e religiosos são obrigados a rezá-la. Antes do Concílio Vaticano II era chamada Ofício Divino e sofreu modificações com a reforma litúrgica.

“Hoje, na nova liturgia das horas não há mais essa expressão Ofício de Trevas”, disse à ACI Digital padre Geraldo Magela, ressaltando que houve também mudanças nas horas canônicas. “Foi feita uma revisão e hoje as matinas [que eram celebradas de madrugada] são chamadas ofício de leituras [que pode ser recitado ao longo do dia], as laudes são as orações da manhã. Há também outra organização dos salmos e outras propostas de leitura bíblica e dos padres da Igreja”, afirmou o pároco.

Embora atualmente o Ofício de Trevas não esteja mais previsto na Liturgia das Horas, o sacerdote afirmou que a tradição é conservada em alguns lugares, como em São João del-Rei. Mesmo após o Concílio, disse, “essa tradição não foi proibida”. “Aquilo que é costume pode continuar sendo realizado. O bispo diocesano é aquele que vela pela liturgia em sua diocese, então, pode permitir que se continue com essa tradição”.

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Assim, afirmou, na cidade mineira, o Ofício de Trevas segue sendo rezado “em sua integralidade”, conservando “os salmos como eram antes do Concílio, as leituras bíblicas e dos padres da Igreja”.

Ofício de Trevas na Catedral de São João del-Rei. Foto: Marcos Luan / Pascom Paróquia da Catedral Nossa Senhora do Pilar
Padre Geraldo Magela explicou que em cada um dos três dias em que se reza o Ofício de Trevas, medita-se sobre algum aspecto da Paixão. Na Quarta-feira Santa, o ofício “nos introduz no grande drama da Paixão do Redentor, apresentando-nos Cristo no Horto das Oliveiras, a traição de Judas e a instituição da Eucaristia. Na Sexta-feira Santa, nos é apresentado o drama no seu auge: a crucifixão e morte do Senhor. No Sábado Santo, já vislumbramos a esperança certa da ressurreição que em breve despontará, embora continuemos imersos no silêncio à beira da sepultura do Senhor”.

Na catedral de São João del-Rei, o ofício conta com a participação do coro da Associação dos Coroinhas de Dom Bosco e da orquestra Ribeiro Bastos. Além disso, recordou o padre, “temos a música própria, do compositor José Maria Xavier e outros compositores que também fizeram música para este ofício”. “Já são mais de 300 anos, com a questão das tradições religiosas, as composições e a parte musical. Esse conjunto favorece que continuemos com essas tradições muito vivas”, afirmou padre Magela.

Todas as tradições da Quaresma e da Semana Santa de São João Del-Rei estão no livro “Piedosas e Solenes Tradições de Nossa Terra - Quaresma e Semana Santa em São João del-Rei”, que está em sua terceira edição. Segundo padre Geraldo Magela, esta obra também contribui para que sejam mantidas todas as tradições locais. “Quando registramos, garantimos que essa tradição seja mantida de maneira fiel. Se você não deixa registrado, essa tradição pode se desvirtuar, podem colocar elementos que não tem nada a ver com o espírito daquilo que está sendo celebrado”, disse.

Para o pároco, “as tradições são importantes porque são testemunho de fé de nossos antepassados, uma herança que eles nos deixaram”. Trata-se de “algo tão forte” que acaba “se manifestando na cultura do povo”. “Nós devemos cuidar com muito carinho dessas tradições para que possam ser transmitidas àqueles que estão chegando, e transmitir sempre em comunhão com a igreja”, concluiu.

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