REDAÇÃO CENTRAL, 26 de mai de 2022 às 16:00
“Coragem e auto-sacrifício, e talvez até um grau de imprudência”, podem ser vistos “como uma como escolha digna e preferível ao medo esmagador da doença”, disse o cardeal Robert Sarah em discurso para a nova turma de alunos do Christendom College, em Front Royal, Virginia, EUA. Sarah, ex-prefeito da Congregação para a Disciplina dos Sacramentos, falava sobre sabedoria prática, a prudência, “a coroa das virtudes”.
O cardeal Sarah refletiu sobre a necessidade da virtude da prudência, que se adquire com a prática, do ponto de vista natural. Depois de comentar a tradição aristotélica integrada ao catolicismo principalmente por santo Tomas de Aquino, o cardeal deu um exemplo de sabedoria prática. “É um exemplo adequado e surpreendente à luz de nossa experiência da pandemia e vem da autobiografia de Santo Inácio de Loyola”, disse Sarah.
Em seguida ele citou parte da biografia do santo fundador da ordem dos jesuítas:
"Naquela época a peste estava começando a se espalhar em Paris ... Inácio entrou em uma casa em que havia muitos cadáveres dos que haviam morrido da peste, e ele consolou e cuidou de um homem doente que encontrou deitado lá. Depois de ter tocado as feridas com a mão, Inácio partiu sozinho. Sua mão começou a causar-lhe muita dor, e parecia que ele havia contraído a doença. O medo que se abateu sobre ele foi tão grande que ele não conseguia vencer e agir até que, com grande esforço, colocou os dedos na boca e os manteve lá por muito tempo, dizendo a si mesmo: 'Se você tem a praga na mão, também a terá na boca. ' Assim que isso foi feito, a ilusão o deixou e a dor que ele sentia em sua mão cessou."
Inácio temia ter contraído a peste depois de cuidar do doente, comentou Sarah. “Se ele tivesse uma compreensão mais profunda da peste bubônica, saberia que a infecção não teria sido indicada pela dor na mão, mas isso não vem ao caso”, disse o cardeal. “O que impressiona é sua ação deliberada. Ele põe na boca o que julga ser a mão infectada. Ele não quer temer a infecção. Ele prefere ter a infecção e saber que a tem, em vez de temê-la. Para nós, após os enormes sacrifícios feitos para reduzir a propagação da Covid, a ação de Inácio pode parecer totalmente imprudente, até ofensiva”, disse o cardeal guineense.
“Mas sua ação traz à luz algo profundo”, disse. “A virtude busca o meio-termo, o meio-termo entre dois extremos. Para atingir o meio, a ação virtuosa deve muitas vezes ultrapassar seu alvo. Quando naturalmente nos inclinamos para um extremo, como o medo por nossa própria saúde, a virtude deve tender para o extremo oposto, repetidas vezes, até que o que é verdadeiramente o caminho do meio fique claro para nós. O que pode parecer uma ação extrema de santo Inácio talvez lhe tenha permitido encontrar o meio-termo. Ele temia que já tivesse sido infectado com peste bubônica. Por sua ação dramática, ele não se expôs novamente, mas simplesmente disciplinou seu próprio medo. Ele repreendeu a si mesmo, proibindo o medo de incomodá-lo, de desencorajá-lo de cuidar dos enfermos e de distraí-lo da obra de Deus”.
Para o cardeal Sarah, “a escolha de Inácio de arriscar sua vida para superar seu medo afeta a todos nós. Ele nos apresenta coragem e auto-sacrifício e talvez até um grau de imprudência como escolha digna e preferível ao medo esmagador da doença. A saúde é um bem legítimo, que devemos ter o cuidado de preservar. Assim, a escolha de Inácio não foi simplesmente um ato de coragem. Foi uma decisão de sabedoria prática, auxiliada pela perspectiva sobrenatural da vida e da morte que vem da fé cristã. Ele moldou sua vida naquele momento e colocou diante de todos nós uma surpreendente manifestação da escolha humana e da virtude humana”.
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Em sua conclusão, o cardeal disse: “É para tal ação que nós aqui hoje somos chamados. Não necessariamente para nos expormos a doenças. Mas agir contrariamente às tendências em nós mesmos e nos outros que obscurecem o caminho do meio da ação virtuosa. Agir com decisão, depois de madura deliberação, para que vivamos na liberdade que a formação na virtude proporciona. E revelar ao mundo por nossas escolhas o belo arranjo dos valores que Deus integra em cada um de nós.”
“Vivemos em uma época de crises – uma época que exige de nós decisão após decisão para responder aos imensos desafios que enfrentamos e que moldarão nossas vidas e as vidas das gerações vindouras. Penso em São José, que é justamente chamado de "Terror dos Demônios", pois tomava decisões sem demora em obediência à Palavra de Deus. Na Missa do Bacharelado de ontem, convidei-os a acolher Maria "em sua própria casa", "em seus próprios assuntos" e em todos os aspectos de suas vidas. Hoje, convido-vos também a "ir a São José". Ite ad Joseph. Com a Bem-Aventurada Virgem Maria e São José ao nosso lado, aceitemos o desafio. Agradeçamos a Deus pela formação que recebemos. Consideremos cuidadosamente as deliberações que devemos empreender e a gama de desafios que enfrentamos, que são graves e que não são”.
“Nossas deliberações mais profundas e nossa visão mais clara do que está por vir vêm a nós quando nossos corações descansam em silêncio. Especialmente o silêncio diante do Senhor na Eucaristia — seja no silêncio da Adoração diante do Santíssimo Sacramento ou no fio sonoro do silêncio que percorre a Santa Missa. Diante Dele, à luz da fé e na graça dos sacramentos, recebemos a maior ajuda para enfrentar as crises que enfrentamos e para escolher corretamente e de acordo com a Sua vontade. Reconhecendo as responsabilidades a que somos chamados, reservando o tempo adequado para deliberar, sobretudo em silêncio, e responder com sabedoria prática aos desafios que se avizinham, cumpriremos nossa vocação e revelaremos ao mundo a bela constelação de valores que Deus molda dentro de cada um de nós para restaurar todas as coisas em Cristo e assim reconstruir a cristandade”.
A íntegra do discurso do cardeal Robert Sarah, em inglês, pode ser lida aqui.
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— ACI Digital (@acidigital) March 10, 2021