Lisboa, 31 de mai de 2022 às 12:49
O manuscrito original de Clavis Prophetarum (Chave dos Profetas), de padre Antônio Vieira (1608-1697), foi encontrado por pesquisadores portugueses depois de ter sido dado como desaparecido há mais de 300 anos. A obra foi apresentada na segunda-feira (30), em Lisboa, Portugal.
“Estou certo de que apresentar em 2022 este manuscrito de Antônio Vieira é motivo de satisfação para todos nós: pelo valor do manuscrito em si mesmo e porque o seu autor, Vieira, é uma figura luso-brasileira por excelência; uma figura capaz de continuar a juntar as duas margens do Atlântico”, disse o jesuíta português padre Nuno da Silva Gonçalves, reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, onde foi encontrado o manuscrito.
Padre Gonçalves participou de modo remoto da sessão especial de apresentação do manuscrito que aconteceu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em sua fala on-line, ele destacou que a descoberta desse manuscrito “tão importante para a história luso-brasileira” ocorre no momento em que são comemorados os 200 anos da independência do Brasil.
O manuscrito foi descoberto na Biblioteca da Pontifícia Universidade Gregoriana pelos pesquisadores portugueses Ana Travassos Valdez, especialista em literatura apocalíptica e pesquisadora principal do Centro de História da Universidade de Lisboa, e Arnaldo Espírito Santo, professor emérito da Faculdade de Letras e responsável por uma edição crítica do livro III da Clavis.
Ana Travassos Valdez encontrou o documento em 2019, quando teve acesso ao arquivo da Gregoriana. O manuscrito em “mau aspecto” lhe abriu a hipótese aparentemente “impossível”, isto é, de que aquele fosse o texto original de padre Antônio Vieira. Juntamente com Arnaldo Espírito Santo, começou o trabalho de investigação. “As minhas certezas cresciam, a par das minhas inseguranças”, disse a pesquisadora durante a apresentação do livro.
A Clavis foi escrita em latim por Vieira. O sacerdote jesuíta trabalhou por mais de quatro décadas na obra. Começou a escrevê-la na Europa e terminou no Brasil. Nos últimos anos, já com a saúde debilitada e cego, chegou a ditar alguns trechos do texto e morreu sem terminá-lo. O livro era conhecido por meio de uma série de cópias e traduções.
Em entrevista à Rádio Renascença, os pesquisadores José Eduardo Franco, Pedro Calafate e António Guimarães Pinto, responsáveis pela publicação da obra completa de Vieira, disseram que Clavis Prophetarum é “um tratado teológico-político sobre a justiça e a paz universais e constitui a obra mais importante do padre António Vieira, valorização por ele várias vezes sublinhada”.
Em fevereiro de 2020, tiveram início os primeiros testes materiais do manuscrito encontrado na Universidade Gregoriana, que apontavam para os últimos anos do século XVII, com papeis diferentes e vários cadernos. Durante os dois últimos anos, por causa da pandemia de covid-19, não foi possível trabalhar fisicamente com o manuscrito. O trabalho de pesquisa que levou à identificação da obra como o original contou com o cruzamento de várias fontes e referências cronológicas, a partir da correspondência do próprio Antônio Vieira, ao longo de várias décadas.
“Hoje, as dúvidas já não existem: é o original da Clavis”, disse Ana Valdez no evento de ontem na Universidade de Lisboa. “Ele está aqui e o trabalho só agora começou, para se desvendarem os segredos da Clavis Prophetarum”, declarou.
Ao final da sessão, Ana Valdez e Arnaldo Espírito Santo disseram aos jornalistas que, com a descoberta do original, se abre uma janela “completamente diferente” para a obra, com as anotações originais e texto que estava escondido por baixo de páginas coladas com farinha de mandioca, por exemplo.
Os pesquisadores descartaram a possibilidade de o manuscrito ser transferido e depositado em Portugal.
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Padre Antônio Vieira
Nascido a 6 de fevereiro de 1608, em Lisboa, Antônio Vieira partiu com a família para o Brasil aos seis anos de idade. Estudou no Colégio dos Jesuítas de Salvador e ali despertou sua vocação religiosa. Estudou línguas, filosofia, teologia, retórica e dialética tornando-se um dos mais importantes portugueses oradores de sua época.
Como religioso jesuíta, foi missionário e diplomata, ficando conhecido pelas denúncias da desumanidade com que os colonos tratavam indígenas e também contra escravos na sua época. Além de sacerdote e catequista, foi considerado pelo poeta Fernando Pessoa um “imperador da língua portuguesa”.
Em 1641, retornou para Lisboa, em um momento importante para história portuguesa, com a restauração do reinado de Portugal após seis décadas de subordinação ao trono espanhol. Dom João IV, o primeiro monarca da casa de Bragança, foi conquistado pelas pregações de padre Vieira. O jesuíta se tornou o maior pregador da corte, conselheiro de dom João IV, mediador e representante de Portugal em relações econômicas e políticas na França, Holanda e Itália.
Voltou para o Brasil em 1653 e se dedicou à catequese dos índios no Pará e no Maranhã, pois dominava sete idiomas indígenas. No Maranhão, e lutou contra os interesses dos colonos que desejavam escravizar os índios. Por isso, os jesuítas foram expulsos do Maranhão em 1661, retornando a Lisboa.
Em Portugal, foi acusado de heresia e ficou preso entre 1666 e 1667. Anistiado, viajou para Roma, quando foi absolvido pelo papa em 1675.
Padre Antônio Vieira retornou ao Brasil em 1681, e se dedicou a ordenar seus sermões para transformá-los em livros, deixando mais de 200 sermões e 700 cartas. Morreu em Salvador (BA), em 18 de julho de 1697, aos 89 anos.
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