O bispo de Ondo, Nigéria, dom Jude Ayodeji Arogundade, rechaçou a ideia repetida entre autoridades europeias de que o massacre de Pentecostes, que deixou pelo menos 40 mortos dentro da igreja de São Francisco, Owo, foi causado pelas mudanças climáticas. “Gostaria de fazer um apelo àqueles que estão tentando tirar vantagem desse evento horrífico para promover alguma forma de agenda ideológica, que desistam desse tipo de oportunismo”, escreveu o bispo em resposta a uma declaração do presidente da Irlanda, Michael Higgins.

Higgins lamentou o ataque em uma declaração oficial, mas condenou “fazer de bode expiatório povos de pastores que estão entre as maiores vítimas das consequências das mudanças climáticas”.

Higgins se referia aos fulani, uma minoria muçulmana que habita em vários países da região do Sahel, ao sul do Sahara, incluindo a Nigéria, e se dedica ao pastoreio. Baseados nas imagens do massacre de Pentecostes que circularam, muitos nigerianos nas redes sociais atribuem o ataque por homens armados que invadiram a igreja na hora da missa e atiraram indiscriminadamente, a milicianos fulani. Milícias islâmicas fulani se juntaram à insurreição do grupo radical islâmico Boko Haram, iniciada em 2008, e ao Estado Islâmico, que passou a operar no Sahel, na tentativa de tornar a Nigéria, um país com cerca de 50% de cristãos, em uma república islâmica.

Num debate de não mais de meia hora que começou às 22h30 da segunda-feira, o Parlamento Europeu foi palco do mesmo tipo de argumento.

A condenação à morte de 40 cristãos nigerianos durante uma missa não recebeu até agora o tipo de condenação que ataques a pessoas de outras partes do mundo em outro tipo de lugar, como boates e shows, costuma receber. Os líderes europeus, especialmente, evitam falar em perseguição aos cristãos e têm se esforçado em diminuir a importância do radicalismo islâmico na violência que a Nigéria vem sofrendo.

“Terroristas estão à solta matando, massacrando, ferindo e instalando o terror em diferentes partes da Nigéria há mais de oito anos não por alguma coisa razoável, mas porque eles são maus _ ponto!”, escreveu o bispo de Ondo em sua resposta a Higgins.

A seguir, a íntegra do documento do bispo:

Esclarecendo os fatos: O massacre na Igreja de São Francisco, Owo não tem nada a ver com mudança climática ou questões de segurança alimentar na África

Como muitos outros, o presidente da República da Irlanda, o honorável Michael D. Higgins, divulgou um comentário na segunda feira 6 de junho condenando o horrífico ataque de terroristas que ocorreu no domingo de Pentecostes na igreja de São Francisco, Owo, Estado de Ondo, Nigéria. Esse ataque satânico levou ao cruel massacre de 40 pessoas, inclusive muitas crianças, homens e mulheres. Também resultou em ferimentos em mais de 126 pessoas e feridas emocionais em muitas mais. Dada a conexão histórica entre a República da Irlanda e a diocese de Ondo, os comentários do presidente foram importantes para mim como atual bispo da diocese de Ondo. Os dois primeiros bispos da diocese de Ondo eram irlandeses, o prédio da igreja em que ocorreu o ataque foi construído por missionários irlandeses, e algumas das pessoas mortas foram batizadas, receberam os sacramentos da confirmação ou do casamento das mãos de veneráveis missionários irlandeses. Foram também homens e mulheres irlandeses que estabeleceram as bases da fé para nós nesta parte do mundo. Pela memória etrena deles, continuamos gratos.

Ao mesmo tempo em que agradecemos o honorável senhor Higgins por se juntar a outros na condenação ao ataque e oferecer sua simpatia pelas vítimas, suas razões para o cruel ataque são incorretas e rebuscadas. No segundo parágrafo de sua declaração sobre o massacre na igreja católica de São Francisco em Owo, o sr. Higgins disse: “que um tal ataque tenha sido feito em um lugar de culto é fonte de particular condenação, assim como qualquer tentativa de usar como bodes expiatórios povos de pastores que estão entre as maiores vítimas das consequências das mudanças climáticas”. No terceiro parágrafo ele diz: “A negligência por tanto tempo com a segurança alimentar na África nos trouxe a um ponto de crise que agora está tendo consequências internas e regionais baseados nas lutas, nos próprios modos de vida." Em seu último parágrafo ele conclui que “a solidariedade de todos nós, como povos do mundo, é devida a todos os que sofrem o impacto não só desse terrível evento, mas na luta pelos mais vulneráveis sobre os quais as consequências da mudança climática recaíram.”

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Sugerir ou fazer uma conexão entre as vítimas do terror e as consequências da mudança climática é não apenas enganoso, mas é exatamente esfregar sal nas feridas de todos os que sofreram com o terrorismo na Nigéria. As vítimas de terrorismo são outra categoria com a qual nada pode ser comparado! É muito claro para qualquer um que tenha acompanhado de perto os eventos na Nigéria nos últimos anos, que os temas dos ataques terroristas, banditismo, e morticínio incontrolado na Nigéria e na região do Sahel, e a mudança climática não têm nada em comum. Comentários como esses que associam banditismo, sequestro e ataques cruéis a cidadãos da Nigéria inocentes e inofensivos, com assuntos que concernem mudança climática e segurança alimentar são desvios da verdade.

Talvez se muitos tivessem empregado algum tempo e interesse real para acompanhar os eventos na Nigéria de bem perto, eles teriam se dado conta de que aludir a alguma forma de política de mudança climática em nossa situação presente é completamente inapropriado. Terroristas estão à solta matando, massacrando, ferindo e instalando o terror em diferentes partes da Nigéria há mais de oito anos não por alguma coisa razoável, mas porque eles são maus _ ponto!

Fora o horrendo evento de domingo 5 de julho de 2022 em Owo, na parte sul da Nigéria, pode interessar saber que os incessantes casos de sequestro (muitos dos quais resultam em morte), ataques a várias igrejas, ataques a comunidades, ataques em transporte público, ataques em mercados etc. têm sido a marca registrada dos terroristas, especialmente na região norte da Nigéria. Há um medo profundo em todas as partes do país e essa situação não tem nada a ver com ideologia do clima.

Quero deixar claro que entendemos totalmente a preservação e o uso judicioso dos recursos do clima, e o Santo Padre o papa Francisco em sua encíclica de 2015 Laudato si’ já articulou a posição da Igreja Católica sobre esse assunto. É responsabilidade de cada um de nós tomar conta de nossa morada terrestre. O dever de preservar o meio ambiente começa em primeiro lugar com o dever de proteger as vidas das crianças não-nascidas, das crianças, dos homens e das mulheres.

Enquanto ainda estamos em luto por nossos entes queridos depois desse terrível ataque, gostaria de fazer um apelo àqueles que estão tentando tirar vantagem desse evento horrífico para promover alguma forma de agenda ideológica, que desistam desse tipo de oportunismo. Eu imploro a todos que rezem pela Nigéria e, de fato, pela paz no mundo.

As vítimas do terrorismo e, na verdade, todo o povo da Nigéria, ficariam agradecidos se os líderes mundiais propusessem ideias frutíferas ao governo da Nigéria sobre como proteger os cidadãos e fazer da Nigéria um lugar seguro para viver. Isso seria um modo melhor de honrar as vítimas do ódio e põr um fim ao morticínio incessante na Nigéria.

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