BOGOTÁ, 6 de dez de 2022 às 15:56
O colombiano Silverio Suárez sentiu o chamado de Deus para duas missões: salvar almas através do sacerdócio e salvar vidas através da Polícia.
Padre Suárez, de 61 anos, é o único padre católico a servir como oficial de alto escalão na polícia colombiana.
Há poucos dias, foi nomeado subdiretor da Polícia Nacional da Colômbia, onde luta contra o narcotráfico e pelos processos de paz, ao mesmo tempo que confessa os presos, acompanha famílias em momentos de dor ou convida seus companheiros para rezar o terço.
Padre Silvério cumprimenta o papa Francisco / Crédito: Padre Silverio Suárez
O começo de uma vocação
Padre Silvério trabalhava como jornalista no jornal colombiano El Tiempo e foi em uma de suas páginas que viu um anúncio para um cargo na polícia colombiana.
Depois de várias provas e entrevistas, conseguiu entrar, sem imaginar a grande missão que Deus ainda tinha para ele.
Foi nos seus primeiros anos como polícia, onde ingressou aos 32 anos, quando viu a necessidade de mudar os “corações” dos seus companheiros e pôde ver a morte de perto e pensar na efemeridade da vida.
Falando à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, disse que "o que mais me marcou foi o lema da polícia, que é 'Deus e Pátria', e eu queria entregar a minha vida para servir a Deus e servir ao meu país, era isso que eu estava buscando na minha vida".
“Entreguei um cheque em branco a Nosso Senhor”, disse o padre Silvério, que conseguiu conciliar os estudos sacerdotais com o trabalho de policial, apesar das dificuldades e complicações que isso implicava. Ele foi ordenado aos 39 anos.
Padre Silvério com colegas do Corpo de Polícia / Crédito: Diocese da Diocese Militar da Colômbia
Acompanhar na dor
“Qual é a missão do padre? Acima de tudo, servir a Deus e servir ao próximo. Qual é a missão da polícia? O lema diz, servir a Deus e, em segundo lugar, servir à pátria, servir aos meus semelhantes. A minha missão como sacerdote é salvar almas e como polícia salvar vidas”, disse o padre general.
“Eu estive com meus companheiros numa tarde e dois dias depois eles foram assassinados em um ato terrorista. Tive que enterrá-los e vi tantos companheiros vítimas de violência, que foram sequestrados nas piores condições de vida”, lamentou.
O padre contou que na Colômbia os guerrilheiros tinham campos de concentração onde viviam pessoas nas piores condições, “onde nem os animais eram tratados assim”.
“Acorrentados, em celas com arame farpado, onde não podiam nem ir ao banheiro. Eles não tinham nem onde dormir... porque eram policiais. E como sacerdote acompanho essas famílias em sua dor”.
Recordou com emoção uma conversa que teve com um companheiro que lhe “pediu que rezasse por ele e por seus homens”. “Despedimo-nos e, por surpresa, aos poucos dias ele foi sequestrado. Ele conseguiu escapar dos guerrilheiros, que o prenderam novamente, o violaram e o mataram. Umas coisas muito difíceis”, lamentou.
Ele contou que, como padre, "você também tem que dar muito ânimo aos policiais, principalmente ultimamente com os protestos sociais, onde praticamente queimavam vivos os policiais”.
"Eu vou com Deus"
Ao responder sobre o perigo de vida que ele corre, disse que “vou com Deus, não tenho medo disso. Vivo uma vida normal, não tenho guarda-costas, não tenho nada disso”.
"Apesar de ter vivido muitas situações perigosas, principalmente na época forte da guerrilha, em 1995".
Para o padre Silverio, as duas vocações são compatíveis e “quando minha vida esteve em perigo, tive que me defender. A própria Igreja o contempla: o injusto agressor”.
“Eu tenho que defender minha vida contra a agressão de alguém que quer me machucar. Sim, já tive que atuar como policial, mas felizmente não tive que matar ninguém. Mas me defender sim, claro", disse.
Encontro do padre Silverio e um companheiro com o papa Francisco após a Audiência Geral / Crédito: Padre Silverio
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Patrulhar e confessar
Ele também contou à ACI Prensa que “enquanto patrulhamos, eu vou falando com os policiais, e muitos deles são alunos da escola. São 'confissões' de duas horas, onde os rapazes abrem o coração e saem totalmente renovados. É muito bonito."
“Eu também ia pelas guaritas e via os rapazes sozinhos, com seu fuzil, pensando em tantas coisas. E eu os visitava, falava com eles, perguntava se eram católicos e lhes convidava a rezar o terço juntos. Rezávamos por suas famílias e namoradas. E eles ficavam felizes”, disse.
Trabalho com os presos
O major-general da polícia contou que “grande parte do meu trabalho foi com os presos. Nas delegacias há salas para detentos, e nessas salas há uma superlotação bárbara”.
“Nos locais onde havia 150 reclusos que muitas vezes dormem inclusive agachados ou sentados, porque não há espaço. Dediquei-me plenamente a eles, levava roupa, dava dinheiro para que pudessem telefonar... a maioria era muito pobre”, lamentou o padre.
Ele também contou que “muitos deles roubavam porque tinham que alimentar suas famílias. Com a chuva em Bogotá o papelão molha e eles não têm nada para vender. Eles me disseram: 'Você não sabe o que é chegar em casa e ouvir meus filhos chorarem de fome'. Isso é o roubo por causa da fome”, disse.
O que é mais difícil?
“Acho que escolhi as vocações mais difíceis”, disse o padre com um sorriso.
"Se você me perguntasse o que me faz mais feliz", continuou ele, "eu diria que o sacerdócio tem um significado sobrenatural. É o melhor presente que Deus me deu, meu ministério sacerdotal que eu jamais imaginaria, e Deus me deu”.
“O que pude fazer com o sacerdócio não tem nome. É a melhor coisa que pode acontecer a alguém, salvar almas. E a polícia é para ajudar a sociedade, estou muito feliz com as duas vocações”, disse.
"Com o narcotráfico, o diabo entrou na Colômbia"
Para Suárez, o narcotráfico "é a pior coisa que poderia ter acontecido à Colômbia".
“Antes do narcotráfico, a Colômbia era um país trabalhador, com gente que estudava, trabalhava na agricultura, e o narcotráfico se infiltrou no coração dos colombianos. Até na própria igreja as pessoas recebiam ofertas de narcotráfico. Foi assim que o demônio se meteu na Colômbia, com o narcotráfico”, disse.
“Pablo Escobar parecia intocável, tinha seu próprio exército", disse ele.
Suárez disse que "o objetivo de Pablo Escobar eram os policiais, ofereciam um milhão de pesos por um policial, ele matou mais de 500 policiais para semear o terror".
“Pessoas muito boas morreram. Os valores foram muito degradados em nosso país, o dinheiro fácil é o pior. E aqui na Europa vendem a camisa do Pablo Escobar como se fosse um herói”.
Ele também disse que os policiais “são as pessoas mais expostas à corrupção dentro da polícia. Temos lutado muito contra isso."
“Juramos diante de Deus cumprir nosso dever, e nisso somos muito respeitosos, embora infelizmente algumas pessoas se deixem corromper e temos que lutar contra isso. É muito triste quando um policial se deixa corromper, o dinheiro fácil corrompe os corações e é um dinheiro maldito”, disse.
Padre Silvério no Vaticano / Crédito: Diocese Militar da Colômbia
Após dois anos em Roma, onde colaborou com a polícia italiana na formação de mais de 1,8 mil policiais colombianos, retornará ao seu país para continuar sua missão a serviço de Deus e da Pátria.
“O esforço vale a pena”, concluiu o padre Silvério.
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— ACI Digital (@acidigital) March 14, 2018