REDAÇÃO CENTRAL, 20 de jan de 2023 às 14:30
Padre Marcel Uwineza tinha apenas 14 anos quando testemunhou o genocídio de 1994 em Ruanda quando da guerra civil entre as duas principais etnias do país, os hutus e os tutsis. Uwinesa viu seu pai, sua mãe, seus dois irmãos e uma irmã serem mortos.
Agora padre jesuíta e diretor da Hekima University College, em Nairóbi, Quênia, Uwinesa diz ter superado a dor graças a sua fé. A ponto e fazer do perdão e da reconciliação um tema de pesquisa acadêmica.
Em seu novo livro, "Risen from the Ashes: Theology as Autobiography in Post-Genocide Rwanda" (“Ressuscitado das cinzas: A teologia como autobiografia em Ruanda pós-genocídio”), Uwinesa fala de sua experiência do genocídio através das lentes da fé.
"Há várias razões por trás da escrita deste livro. Venho de um país que teve várias feridas e, por isso, quando cresci, tive essa terrível experiência do genocídio contra os tutsis em Ruanda, mas depois tive o privilégio de ter a oportunidade de avançar nos estudos através da Companhia de Jesus", comentou padre Uwineza durante a apresentação oficial do seu novo livro, no dia 13 de janeiro transmitida por Capuchin TV Kenya. "Rezei e me dei conta de que era hora de deixar registrado o que estudei, mas também, o que é ainda mais importante, de olhar para trás em minha vida e ver como posso contar minha história de maneira significativa e racional, talvez imparcial, que possa ajudar as pessoas”.
Em 2003, depois do noviciado, padre Uwineza foi continuar os estudos no exterior. Antes de viajar, decidiu rezar junto dos túmulos dos seus familiares em sua aldeia natal.
"Providencialmente, conheci o homem que matou meus irmãos e exumei os restos mortais de meu pai. Agora, após ter sido libertado, era, de certo modo, uma oportunidade de ouro”, disse durante a apresentação do livro. "Eu o encontrei nos túmulos de meus pais e meus irmãos. Ele tinha sido libertado da prisão. Libertado pelo governo, mas ainda não libertado pelo meu coração”.
"Quando o encontrei lá, ele se ajoelhou e olhou para mim. Ele disse: 'Marcel, você sabe o que eu fiz? Você tem espaço em seu coração para me perdoar?'".
"Naquele momento, eu me perguntava se ele estava falando sério. Estou seguro?".
Padre Uwineza disse que se sentiu invadido por algo maior do que ele. “É algo que não podemos perdoar por nós mesmos É preciso tomar uma decisão, mas nós temos o poder de Deus".
"Pedi para ele se levantar e então nos abraçamos. Naquele momento, senti como se tivessem soltado correntes da minha perna. Como se eu também tivesse estado na prisão. Agora estava livre", contou.
E acrescentou: "A Companhia de Jesus me deu o pagamento das férias, então eu o levei a um bar próximo. Nós compartilhamos uma bebida e as lágrimas caíram".
"O perdão liberta. Não é um acontecimento, é um processo, então minha experiência pode não ser a de todos, mas espero que isso inspire os casais, muitas vezes com problemas nas famílias, os filhos que não conseguem perdoar seus pais, os funcionários que não podem perdoar seus chefes. Se, pela graça de Deus, consegui chegar a esse nível, há outras coisas que podemos deixar ir", disse."O perdão realmente significa muitas coisas, mas para mim é um milagre. Na linguagem de alguns estudiosos, é realmente fazer o inimaginável", disse o sacerdote. "O perdão aqui pode implicar realmente uma decisão de recordar o mal ou a ferida de forma diferente. Ou, ao mesmo tempo, decidir realmente não ser prisioneiro do passado”.
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"Quando segue sendo incapaz de renunciar ou deixar ir, você também é um prisioneiro. E isso é um processo, então não é igual para todos", disse.
O padre disse que se inspirou nos exercícios espirituais de santo Inácio de Loyola, fundador dos jesuítas, para ser capaz de perdoar.
Segundo o jesuíta, muitas pessoas em Ruanda “perderam a voz” desde o genocídio. "Escrevi este livro para dar voz a tantas pessoas que morreram, que hoje não podem falar. Esta é a minha voz para tantos que ficaram sem voz".
Segundo ele, o livro "vai ajudar as pessoas a compreender quem é a pessoa humana e do que somos capazes, sobretudo quando se chega ao terceiro capítulo sobre a dor de Ruanda, mas também a esperança que surgiu, de que alguém ainda possa falar de Deus mesmo quando ressurgiu das cinzas".
Hoje, Ruanda está se recuperando gradualmente do genocídio, disse o padre Uwineza.
“Ruanda deu alguns passos e percorreu um caminho. Se isso for acompanhado de responsabilidade e justiça, será bem-sucedido”, disse o sacerdote durante a cerimônia,.
"Hoje Ruanda tem duas imagens. Ruanda é um cemitério e uma obra em construção", disse. “Um cemitério no sentido de que em quase todas as colinas existem sepulturas. Há até pessoas que não descobrimos onde foram colocadas ou quem as matou; algumas famílias ainda esperam ver seus parentes”.
"Temos memoriais que nos recordam onde estivemos”, disse o padre. “Manter a memória daqueles que morreram é fundamental no processo de reconciliação e cura".
Ruanda também é uma obra em construção, disse o sacerdote, porque o país “vai levar muito tempo para construir a reconciliação e o perdão no coração das pessoas”.
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