Roma, 7 de abr de 2023 às 21:24
Hoje (7), Sexta-feira Santa, aconteceu a tradicional via-sacra no Coliseu. A oração foi conduzida pelo cardeal Angelo de Donatis, vigário-geral da diocese de Roma. O papa Francisco não esteve presente devido às baixas temperaturas registradas em Roma nos últimos dias.
A seguir, o texto completo das meditações da via-sacra com o título: “Vozes de paz num mundo de guerra”
Oração inicial
Senhor Jesus, Tu és «a nossa paz» (Ef 2, 14).
Antes da Paixão, disseste: «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo que Eu vo-la dou» (Jo 14, 27). Senhor, precisamos da tua paz, daquela paz que não conseguimos construir só com as nossas forças. Precisamos de ouvir repetir aquelas palavras com que Tu, depois de ressuscitado, por três vezes fortaleceste o coração dos discípulos: «A paz esteja convosco!» (Jo 20, 19.21.26). Jesus, que abraças a cruz por nós, vê a nossa terra sedenta de paz, enquanto o sangue dos teus irmãos e irmãs continua a ser derramado e as lágrimas de tantas mães, que perdem os filhos na guerra, se misturam com as da tua santa Mãe. Também Tu, Senhor, choraste sobre Jerusalém por não ter reconhecido o caminho da paz (cf. Lc 19, 42).
E é precisamente da Terra Santa que parte, esta noite, o caminho da cruz atrás de Ti. Vamos percorrê-lo escutando o teu sofrimento, refletido no dos irmãos e irmãs que no mundo sofreram e sofrem a falta de paz, deixando-nos penetrar por testemunhos e ressonâncias chegados ao ouvido e ao coração do Papa inclusivamente no decurso das suas visitas. São ecos de paz que afloram nesta «terceira guerra mundial aos pedaços», gritos que vêm de países e áreas hoje dilacerados por violências, injustiças e pobreza. Todos os lugares onde se sofre por conflitos, ódios e perseguições estão presentes na oração desta Sexta-feira Santa.
Senhor Jesus, no teu nascimento os anjos proclamaram nos céus: «Paz na terra aos homens» (Lc 2, 14). Agora sobem ao céu as nossas orações para atrair «a paz à terra, um anseio profundo dos seres humanos de todos os tempos» (Pacem in terris, 1). Rezamos implorando aquela paz que nos confiaste e que não conseguimos guardar. Da cruz, Jesus abraças o mundo inteiro: perdoa os nossos erros, sara os nossos corações, dá-nos a tua paz.
1. Jesus é condenado à morte
(vozes de paz da Terra Santa)
Então [Pilatos] soltou-lhes Barrabás. Quanto a Jesus, depois de O mandar flagelar, entregou-O para ser crucificado (Mt 27, 26).
Barrabás ou Jesus? Devem escolher. Não é uma escolha qualquer: trata-se de decidir onde estar, que posição tomar nas complexas vicissitudes da vida. A paz, que todos desejamos, não nasce por si mesma, mas aguarda uma decisão nossa. Hoje, como então, somos continuamente chamados a escolher entre Barrabás ou Jesus: a revolta ou a mansidão, as armas ou o testemunho, o poder humano ou a força silenciosa da pequenina semente, o poder do mundo ou o do Espírito. Na Terra Santa, parece que a nossa escolha recai sempre sobre Barrabás. A violência parece ser a nossa única linguagem. O motor das retaliações recíprocas é continuamente alimentado pelo próprio sofrimento, que muitas vezes se torna o único critério de juízo. Justiça e perdão não conseguem dialogar. Vivemos juntos, sem nos reconhecermos, rejeitando um a existência do outro, condenando-nos mutuamente, num círculo vicioso sem fim e cada vez mais violento. E neste contexto carregado de ódio e rancor, também nós somos chamados a expressar um juízo e a tomar a nossa decisão. E não podemos fazê-lo sem olhar para Aquele condenado à morte silencioso, perdedor, mas sobre o Qual recaiu a nossa escolha, Jesus. Cristo convida-nos a não usar o metro de Pilatos e da multidão, mas a reconhecer o sofrimento do outro, colocar justiça e perdão em diálogo e desejar a salvação para todos, mesmo para os ladrões, mesmo para Barrabás.
Rezemos dizendo: Ilumina-nos, Senhor Jesus!
Quando cremos que temos sempre razão: Ilumina-nos, Senhor Jesus!
Quando condenamos sem apelo os irmãos: Ilumina-nos, Senhor Jesus!
Quando fechamos os olhos perante a injustiça: Ilumina-nos, Senhor Jesus!
Quando sufocarmos o bem ao nosso redor: Iluminai-nos, Senhor Jesus!
2. Jesus é carregado com a cruz
(vozes de paz dum migrante da África ocidental)
Subindo ao madeiro,
Ele levou os nossos pecados no seu corpo,
para que, mortos para o pecado,
vivamos pela justiça:
pelas suas chagas fostes curados (1 Ped 2, 24).
A minha via-sacra começou há 6 anos, quando deixei a minha cidade. Depois de 13 dias de viagem, chegamos ao deserto e atravessamo-lo durante 8 dias, cruzando-nos com carros queimados, bidões de água vazios, cadáveres de pessoas, até chegarmos à Líbia. Quem tinha ainda de pagar os contrabandistas pela travessia foi encarcerado e torturado até pagar. Alguns perderam a vida, outros o juízo. Prometeram colocar-me num navio para a Europa, mas as viagens foram canceladas e não nos foi restituído o dinheiro. Lá reinava a guerra e chegamos ao ponto de deixar de prestar atenção à violência e às balas perdidas. Encontrei trabalho como estucador para pagar outra travessia. Por fim, subi com mais de 100 pessoas num bote de borracha. Navegamos durantes horas antes que um navio italiano nos salvasse. Estava cheio de alegria, ajoelhamo-nos a agradecer a Deus; depois descobrimos que o navio estava a voltar para a Líbia. Lá fomos encerrados num centro de detenção, o pior lugar do mundo. Dez meses depois, eu estava de novo num barco. Na primeira noite, houve ondas altas: 4 caíram ao mar, conseguimos salvar-nos 2. Adormeci, esperando morrer. Ao acordar, vi junto de mim pessoas que sorriam. Pescadores tunisianos pediram ajuda, o navio atracou e as ONGs deram-nos comida, roupas e abrigo. Trabalhei para pagar outra travessia. Era a sexta vez; depois de 3 dias no mar, cheguei a Malta. Fiquei num centro durante 6 meses e lá perdi o juízo; todas as noites, perguntava a Deus porquê: porquê homens como nós devem considerar-nos inimigos? Muitas pessoas que fogem da guerra carregam cruzes semelhantes à minha.
Rezemos dizendo: Livra-nos, Senhor Jesus!
Das condenações fáceis do próximo: Livra-nos, Senhor Jesus!
Dos julgamentos precipitados: Livra-nos, Senhor Jesus!
Das críticas e das palavras inúteis: Livra-nos, Senhor Jesus!
Das murmurações destrutivas: Livra-nos, Senhor Jesus!
3. Jesus cai pela primeira vez
(vozes de paz dos jovens da América Central)
Ele tomou sobre si as nossas doenças,
carregou as nossas dores.
Nós o reputávamos como um leproso,
ferido por Deus e humilhado.
Mas foi ferido por causa dos nossos crimes,
esmagado por causa das nossas iniquidades (Is 53, 4-5).
Nós, jovens, queremos a paz. Mas muitas vezes caímos; e a queda tem muitos nomes: deitam-nos por terra a preguiça, o medo, o desalento e também as promessas vazias duma vida fácil mas desonesta, feita de ganância e corrupção. É isto que aumenta as espirais do narcotráfico, da violência, dos vícios e da exploração das pessoas, enquanto muitas famílias continuam a chorar a perda dos filhos; e a impunidade de quem engana, sequestra e mata não tem fim. Como obter a paz? Jesus, caíste sob o peso da cruz, mas depois levantaste-Te, tomaste de novo a cruz e, com ela, deste-nos a paz. Impele-nos a tomar a vida em nossas mãos, impele-nos à coragem do empenhamento que, na nossa língua, se diz compromisso. E significa dizer não a tantas cedências, aos falsos compromissos que matam a paz. Estamos cheios destas cedências: não queremos violência, mas atacamos nas redes sociais quem não pensa como nós; queremos uma sociedade unida, mas não nos esforçamos por compreender quem temos ao nosso lado; pior, negligenciamos quem precisa de nós. Senhor, coloca-nos no coração o desejo de levantar alguém que está caído por terra. Como fazes Tu conosco.
Rezemos dizendo: Levanta-nos, Senhor Jesus!
Das nossas preguiças: Levanta-nos, Senhor Jesus!
Das nossas quedas: Levanta-nos, Senhor Jesus!
Das nossas tristezas: Levanta-nos, Senhor Jesus!
De pensar que ajudar os outros não toca a nós: Levanta-nos, Senhor Jesus!
4. Jesus encontra a Mãe
(vozes de paz duma mãe da América do Sul)
Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada traspassará a tua alma. Assim hão de revelar-se os pensamentos de muitos corações» (Lc 2, 34-35).
Em 2012, a explosão duma bomba colocada pelos guerrilheiros esfacelou-me uma perna. Os estilhaços provocaram-me dezenas de feridas no corpo. Daquele momento, recordo os gritos das pessoas e sangue por todo o lado. Mas o que mais me terrorizou foi ver a minha filha de 7 meses, coberta de sangue, com muitos pedacinhos de vidro cravados no seu rostinho. Como deve ter sido para Maria ver o rosto de Jesus pisado e ensanguentado! Eu, vítima daquela violência insensata, a princípio senti raiva e ressentimento, mas depois descobri que, se espalhasse ódio, criava ainda mais violência. Compreendi que dentro de mim e ao meu redor havia feridas mais profundas que as do corpo. Entendi que muitas vítimas precisavam de descobrir, como eu e através de mim, que a vida para elas também não tinha acabado e que não se pode viver de ressentimentos. Assim comecei a ajudá-las: estudei para ensinar a prevenir os acidentes causados por milhões de minas disseminadas no nosso território. Agradeço a Jesus e à sua Mãe por ter descoberto que enxugar as lágrimas dos outros não é tempo perdido, mas o melhor remédio para se curar a si mesmo.
Rezemos dizendo: Concede-nos reconhecer-Te, Senhor Jesus!
No rosto desfigurado de quem sofre: Concede-nos reconhecer-Te, Senhor Jesus!
Nos pequeninos e nos pobres: Concede-nos reconhecer-Te, Senhor Jesus!
Em quem pede um gesto de amor: Concede-nos reconhecer-Te, Senhor Jesus!
Nos perseguidos por causa da justiça: Concede-nos reconhecer-Te, Senhor Jesus!
5. Jesus é ajudado pelo Cireneu
(vozes de paz de três migrantes da África, do sul da Ásia e do Médio Oriente)
Quando O iam conduzindo, lançaram mão de um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e carregaram-no com a cruz, para a levar atrás de Jesus (Lc 23, 26).
[1] Sou uma pessoa ferida pelo ódio. Uma vez experimentado, o ódio não se esquece; muda-te. O ódio assume formas horríveis. Leva um ser humano a usar uma pistola não só para disparar contra o outro, mas também para lhe quebrar os ossos enquanto os outros assistem. Tenho dentro de mim um vazio de amor que me faz sentir um peso inútil. Haverá um Cireneu para mim? [2] A minha vida é na estrada, escapei das bombas, das facas, da fome e do sofrimento. Fui atirado para dentro dum camião, escondido em baús, lançado para barcos precários. Contudo a minha viagem continuou esperando alcançar um lugar seguro, que ofereça liberdade e oportunidades, onde possa dar e receber amor, praticar a minha fé, onde a esperança seja real. Haverá um Cireneu para mim? [3] Com frequência me perguntam: Quem és? Porque é que estás aqui? Qual é a tua situação? Esperas ficar? Para onde irás? Não são perguntas que pretendam ferir, mas ferem. Fazem reduzir, aquilo que espero ser, a um sinal nos quadrados dum formulário; devo escolher estrangeiro, vítima, requerente de asilo, refugiado, migrante, outro, mas aquilo que gostaria de escrever é pessoa, irmão, amigo, crente, próximo... Haverá um Cireneu para mim?
Rezemos dizendo: Perdoa-nos, Senhor Jesus!
Desprezamos-Te nos desventurados: Perdoa-nos, Senhor Jesus!
Ignoramos-Te nos necessitados de ajuda: Perdoa-nos, Senhor Jesus!
Abandonamos-Te nos inermes: Perdoa-nos, Senhor Jesus!
Não Te servimos nos doentes: Perdoa-nos, Senhor Jesus!
6. A Verônica limpa o rosto de Jesus
(vozes de paz dum sacerdote religioso da Península Balcânica)
«Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber, era peregrino e recolhestes-Me, estava nu e destes-Me que vestir, adoeci e visitastes-Me, estive na prisão e fostes ter comigo» (Mt 25, 34-36).
Era um pároco de 40 anos, quando chegou a guerra: agentes armados entraram na casa paroquial e levaram-me para um campo onde passei quatro meses. Foram terríveis: privados das mínimas condições de higiene, sofríamos fome e sede, sem nos podermos lavar e barbear; éramos maltratados fisicamente, espancados e torturados com vários objetos. Levavam-me para fora, inclusive cinco vezes ao dia, sobretudo de noite, chamando-me pároco e batendo-me. Quebraram-me, para além do mais, três costelas e ameaçaram de me arrancar as unhas, verter sal nas feridas e esfolar-me vivo. Uma vez foi tão difícil resistir que implorei ao guarda que me matasse, convencido como estava de que era isso mesmo que eles iriam fazer-me. O guarda respondeu-me: «Não morrerás assim facilmente; por ti receberemos em troca 150 dos nossos». Aquelas palavras reacenderam em mim a esperança de sobreviver. Mas não teria sido capaz de suportar todo aquele mal sozinho, sem Deus: a oração, repetida no coração, fez maravilhas. E a Providência chegou sob a forma de ajudas e comida, através duma mulher muçulmana, Fátima, que conseguiu chegar até mim abrindo caminho através do ódio. Foi para mim como a Verónica para Jesus. Agora, até ao fim dos meus dias, dou testemunho dos horrores da guerra, e grito: Jamais a guerra!
Rezemos dizendo: Dá-nos o teu olhar, Senhor Jesus!
Para amar quem não é amado: Dá-nos o teu olhar, Senhor Jesus!
Para socorrer quem se perdeu na estrada: Dá-nos o teu olhar, Senhor Jesus!
Para cuidar de quem sofre violência: Dá-nos o teu olhar, Senhor Jesus!
Para acolher quem se arrepende do mal: Dá-nos o teu olhar, Senhor Jesus!
7. Jesus cai pela segunda vez
(vozes de paz de 2 adolescentes do norte de África)
«Senhor, quando foi que Te vimos com fome e Te demos de comer, ou com sede e Te demos de beber? Quando Te vimos peregrino e Te recolhemos, ou nu e Te vestimos? E quando Te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-Te?» E o Rei vai dizer-lhes em resposta: «Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 37-40).
Chamo-me José, tenho 16 anos. Cheguei ao campo de deslocados com os meus pais em 2015, e vivo lá há mais de 8 anos. Se houvesse paz, teria ficado na minha casa, onde nasci, e gozado a infância. Aqui a vida não é boa. Temo pelo futuro, meu e dos outros adolescentes. Porque sofremos no campo de deslocados? Por causa dos conflitos em curso no meu país, flagelado pela guerra desde que existe. Sem paz, não conseguiremos levantar-nos. Uma vez e outra promete-se a paz, mas continua-se a cair sob o peso da guerra, a nossa cruz. Agradeço a Deus, que nos ergue como um pai, e a muitos homens generosos que talvez nunca conhecerei e que, ajudando-nos, permitem-nos sobreviver. [2] Sou Johnson e, desde 2014, vivo noutro campo para deslocados, bloco B, setor 2. Tenho 14 anos e frequento a terceira classe. Aqui a vida não é boa, muitas crianças não vão à escola, porque não há professores nem escolas para todos, o lugar é demasiado pequeno e superlotado, não há espaço sequer para jogar futebol. Queremos a paz a fim de voltar para casa. A paz é boa, a guerra é má. Gostaria de o dizer aos líderes do mundo. E, a todos os amigos, peço que rezem pela paz.
Rezemos dizendo: Fortalece-nos, Senhor Jesus!
Na hora da provação: Fortalece-nos, Senhor Jesus!
Na fadiga de construir pontes de fraternidade: Fortalece-nos, Senhor Jesus!
Ao levarmos a nossa cruz: Fortalece-nos, Senhor Jesus!
Ao darmos testemunho do Evangelho: Fortalece-nos, Senhor Jesus!
8. Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
(vozes de paz do sudeste asiático)
Seguiam Jesus uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele (Lc 23, 27).
Jesus, levas a tua cruz. E penso que também o meu país leva a sua cruz. Somos um povo que ama a paz, mas estamos esmagados pela cruz do conflito: da violência, das deslocações internas, dos ataques aos lugares de culto... É um fardo pesado, Jesus, que arrastamos numa via-sacra que parece não ter fim. As lágrimas das nossas mães choram a fome dos seus filhos. E, como elas, também eu não tenho muitas palavras para rezar, mas tantas lágrimas para oferecer. Senhor, o cortejo que Te conduzia ao calvário era tremendo, mas, por entre a multidão brutalizada pelo mal, abriram caminho mulheres que choravam. Foram elas que Te deram força, mães que viam em Ti, não um condenado, mas um filho. Também entre nós, saiu da multidão uma mulher, que se tornou mãe no espírito para muitos, a qual, em defesa do seu povo, se ajoelhou diante do poder com as armas em riste e, disposta a dar a vida, com mansidão invocou paz e reconciliação. Jesus, agora como então, na macabra confusão do ódio, nasce a dança da paz. E nós, cristãos, queremos ser instrumentos de paz. Converte-nos a Ti, Jesus, e dá-nos força, porque só Tu és a nossa força.
Rezemos dizendo: Converte-nos, Senhor Jesus!
De traficar armas sem escrúpulos de consciência: Converte-nos, Senhor Jesus!
De destinar o dinheiro para armamentos em vez de alimentos: Converte-nos, Senhor Jesus!
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9. Jesus cai pela terceira vez
(vozes de paz duma consagrada da África Central)
Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto. Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna (Jo 12, 24-25).
No dia 5 de dezembro de 2013, às 5 da manhã, fui acordada pelas armas. Os rebeldes estavam a invadir a capital. Muitos corriam e procuravam esconder-se, mas bastava-lhes interceptar uma bala perdida para morrerem. Foi o início de sofrimentos indescritíveis: assassinatos, perda de familiares, amigos e colegas. A minha irmã desapareceu e nunca mais voltou, facto este imensamente traumático para o pai que nos deixaria alguns anos depois na sequência duma breve doença. Eu continuava a chorar. Naquele vale de lágrimas e de «porquês»... pensei em Jesus. Também Ele caiu sob o peso da violência, a ponto de dizer na cruz: «Meu Deus, porque Me abandonaste?» Juntava os meus «porquês» aos d’Ele e em mim abriu caminho uma resposta: ama como Jesus te ama. Foi a luz no meio da escuridão. Compreendi que devia haurir força do ato de amar. Desde então, sempre que há um mínimo de calma, vou à Missa. Para chegar à paróquia, devo fazer muita estrada e atravessar pelo menos três postos de controle rebeldes. Mas, Missa após Missa, cresceu em mim uma certeza: apesar de ter perdido praticamente tudo, inclusive a casa onde cresci, tudo passa exceto Deus. Isto levantou-me o ânimo e, com alguns amigos, começamos a reunir crianças, que jogavam a fazer de soldados, para lhes transmitir, a eles que são o futuro, os valores evangélicos da ajuda mútua, do perdão, da honestidade, para que o sonho da paz se torne realidade.
Rezemos dizendo: Sara-nos, Senhor Jesus!
Do medo de não ser amados: Sara-nos, Senhor Jesus!
Do medo de não ser compreendidos: Sara-nos, Senhor Jesus!
Do medo de ser esquecidos: Sara-nos, Senhor Jesus!
Do medo de falhar: Sara-nos, Senhor Jesus!
10. Jesus é despojado das suas vestes
(vozes de paz dos jovens da Ucrânia e da Rússia)
[Os soldados] crucificaram-No e repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, para ver o que cabia a cada um. (…) Assim se cumpriu a Escritura, que diz: Repartiram entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes (Mc 15, 24; Jo 19, 24).
[1] No ano passado, o pai e a mãe pegaram em mim no meu irmão mais novo para nos trazer para a Itália, onde a nossa avó trabalha há mais de vinte anos. Saímos de Mariupol durante a noite. Na fronteira, os soldados bloquearam o meu pai, dizendo-lhe que devia permanecer na Ucrânia para combater. Nós prosseguimos de autocarro por mais dois dias. Chegado à Itália, senti-me triste. Senti-me despojado de tudo: completamente nu. Não conhecia a língua, nem tinha qualquer amigo. A avó esforçava-se por me fazer sentir feliz, mas a única coisa que eu dizia era que queria voltar para casa. Por fim, a minha família decidiu regressar à Ucrânia. Aqui a situação continua a ser difícil; há guerra por todo o lado, a cidade está destruída. Mas, no coração, ficou-me aquela certeza de que falava a minha avó quando eu chorava: «Verás que tudo passa. E, com a ajuda do bom Deus, voltará a paz». [2] Eu, ao contrário, sou um rapaz russo… Enquanto o digo vem-me quase um sentido de culpa, mas ao mesmo tempo não compreendo porquê e sinto-me mal duas vezes. Despojado da felicidade e de sonhos para o futuro. Há dois anos vejo chorar a avó e a mãe. Uma carta informou-nos que o meu irmão mais velho morreu (recordo-o ainda no dia em que fez 18 anos, sorridente e resplandecente como o sol; e tudo isto apenas algumas semanas antes de partir para uma longa viagem). Todos nos diziam que devíamos estar orgulhosos, mas em casa só havia tanto sofrimento e tristeza. A mesma coisa aconteceu com o pai e o avô: também eles partiram e não sabemos mais nada. Com muito medo, algum dos meus colegas de escola sussurrou ao meu ouvido que há a guerra. Regressado a casa escrevi uma oração: Jesus, por favor, faz com que haja paz no mundo inteiro e que todos possamos ser irmãos.
Rezemos dizendo: Purifica-nos, Senhor Jesus!
Do ressentimento e do rancor: Purifica-nos, Senhor Jesus!
Das palavras e reações violentas: Purifica-nos, Senhor Jesus!
Das atitudes que criam divisões: Purifica-nos, Senhor Jesus!
Da procura de brilhar, humilhando os outros: Purifica-nos, Senhor Jesus!
11. Jesus é pregado na cruz
(vozes de paz dum jovem do Médio Oriente)
Com Ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita e o outro à sua esquerda. (…) Os que passavam injuriavam-No e, abanando a cabeça, diziam: «Olha O que destrói o templo e o reconstrói em três dias! Salva-Te a Ti mesmo, descendo da cruz!» (Mc 15, 27.29-30).
Em 2012, grupos de extremistas armados invadiram o nosso bairro, matando a rajadas de metralhadora quem se encontrava nas sacadas e nos condomínios. Eu tinha 9 anos. Recordo a angústia da mãe e do pai; à noite, encontramo-nos abraçados e rezando, cientes duma nova e duríssima realidade à nossa frente. A guerra tornava-se de dia para dia mais horrenda. Por longos períodos, faltavam luz e água, e abriram-se poços por toda a parte. A comida era um problema diário. Em 2014, enquanto estávamos na sacada, explodiu uma bomba em frente da casa, arremessando-nos para dentro e cobrindo-nos de vidros e estilhaços. Poucos meses depois, outra bomba centrou o quarto dos meus pais, que se salvaram por milagre e decidiram com relutância deixar o país. Começou outro calvário, porque, depois de duas tentativas para obter um visto, não tínhamos alternativa senão embarcar-nos. Arriscamos a vida, permanecemos numa rocha à espera do amanhecer e dum navio da guarda costeira. Salvos, os habitantes do lugar acolheram-nos de braços abertos, compreendendo as nossas dificuldades. A guerra foi a cruz da nossa vida. A guerra mata a esperança. No nosso país, e mais ainda depois das terríveis calamidades naturais, muitas famílias, crianças e idosos estão sem esperança. Em nome de Jesus, que abriu os braços na cruz, estendei a mão ao meu povo!
Rezemos dizendo: Cura-nos, Senhor Jesus!
Da incapacidade de dialogar: Cura-nos, Senhor Jesus!
Da difidência e da suspeita: Cura-nos, Senhor Jesus!
Da impaciência e da pressa: Cura-nos, Senhor Jesus!
Do egoísmo e do isolamento: Cura-nos, Senhor Jesus!
12. Jesus morre, perdoando aos seus assassinos
(vozes de paz duma mãe do ocidente asiático)
Jesus dizia: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem». (…) Por volta do meio-dia, as trevas cobriram toda a região até às três horas da tarde. O sol tinha-se eclipsado e o véu do templo rasgou-se ao meio. Dando um forte grito, Jesus exclamou: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito». Dito isto, expirou (Lc 23, 34.44-46).
No dia 6 de agosto de 2014, a cidade foi despertada pelas bombas. Os terroristas estavam à porta. Três semanas antes, tinham invadido as cidades e as aldeias vizinhas, tratando-as cruelmente. Por isso fugimos, mas, pouco dias depois, regressamos a casa. Uma manhã, enquanto estávamos nos nossos trabalhos e as crianças brincavam às portas de casas, ressoou no ar um tiro de morteiro. Saí a correr. Já não se ouviam as vozes das crianças, mas aumentavam os gritos dos adultos. O meu filho, o seu primo e a jovem vizinha de casa que estava a preparar-se para o matrimónio foram atingidos: mortos. A morte destes três anjos impeliu-nos a fugir: se não fossem eles, ficando na cidade, teríamos inevitavelmente caído nas mãos dos terroristas. Não é fácil aceitar esta realidade. Contudo a fé ajuda-me a esperar, porque me lembra que os mortos estão nos braços de Jesus. E nós, sobreviventes, procuramos perdoar ao agressor, porque Jesus perdoou aos seus carrascos. Nas nossas mortes, cremos em Ti, Senhor da vida. Queremos seguir-Te e testemunhar que o teu amor é mais forte do que tudo o resto.
Rezemos dizendo: Ensina-nos, Senhor Jesus!
A amar como Tu nos amaste: Ensina-nos, Senhor Jesus!
A perdoar, como Tu nos perdoaste: Ensina-nos, Senhor Jesus!
A dar o primeiro passo para nos reconciliarmos: Ensina-nos, Senhor Jesus!
A praticar o bem sem exigir retribuição: Ensina-nos, Senhor Jesus!
13. Jesus é descido da cruz
(vozes de paz duma religiosa da África oriental)
Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? (…) Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças Àquele que nos amou (Rm 8, 35.37).
Estava-se no 7 de setembro de 2022, dia em que, no nosso país, recordamos o Acordo com o qual finalmente se reconheceu ao nosso povo o direito à plena independência, quando de repente aconteceu algo que quebrou a alegria: uma religiosa, missionária desde sempre nas nossas terras, foi morta. Os terroristas entraram em casa e, sem piedade, tiraram-lhe a vida. O dia da vitória transformou-se em derrota: o medo e a incerteza inundaram os nossos corações. A experiência de centenas de famílias que viram a morte trágica dos seus entes queridos tornou-se realidade: o corpo sem vida da irmã jazia nos nossos braços. Não é fácil assistir à morte violenta dum familiar, dum amigo, dum vizinho de casa, assim como não é fácil ver a casa e os próprios haveres reduzidos em cinza… o futuro torna-se escuro. Mas esta é a vida do meu povo, é a minha vida. Porém, como nos foi testemunhado e aprendemos na escola da Virgem de Nazaré, que acolheu nos braços Jesus já morto e O contemplou com amor iluminado pela fé, nunca devemos deixar de encontrar a coragem de sonhar um futuro de esperança, paz e reconciliação. É que o amor de Cristo Ressuscitado foi derramado nos nossos corações; Ele é a nossa paz, é Ele a nossa verdadeira vitória. E nada nos separará jamais do seu amor.
Rezemos dizendo: Tem piedade de nós, Senhor Jesus!
Bom Pastor, que dás a vida pelo teu rebanho: Tem piedade de nós, Senhor Jesus!
Tu que, morrendo, destruíste a morte: Tem piedade de nós, Senhor Jesus!
Tu que, do coração trespassado, fazes jorrar a Vida: Tem piedade de nós, Senhor Jesus!
Tu que, do sepulcro, iluminas a História: Tem piedade de nós, Senhor Jesus!
14. Jesus é colocado no sepulcro
(vozes de paz de jovens moças da África austral)
Depois disto, José de Arimatéia (...) pediu a Pilatos que lhe deixasse levar o corpo de Jesus. E Pilatos permitiu-o. Veio, pois, e retirou o corpo. Nicodemos (...) apareceu também trazendo uma mistura de perto de cem libras de mirra e aloés. Tomaram então o corpo de Jesus e envolveram-No em panos de linho com os perfumes (Jo 19, 38-40).
Era o entardecer duma sexta-feira, quando os rebeldes invadiram a nossa aldeia, tomaram como reféns todos aqueles que puderam, deportaram quem encontraram e carregaram-nos com aquilo saquearam. No caminho, mataram muitos homens com balas ou facas. As mulheres, levaram-nas para um parque. Todos os dias éramos maltratadas no corpo e na alma. Despojadas de roupa e de dignidade, vivíamos nuas para não fugir. Por Deus, um dia, quando nos mandaram buscar água ao rio, consegui escapar. Ainda hoje a nossa província é um lugar de lágrimas e sofrimento. Quando o Papa veio ao nosso Continente, depositamos ao pé da cruz de Jesus as roupas dos homens armados, que ainda nos metem medo. No nome de Jesus, perdoamos-lhes por tudo o que nos fizeram. Pedimos ao Senhor a graça duma convivência pacífica e humana. Sabemos e acreditamos que o sepulcro não é a última habitação, mas todos somos chamados a uma nova vida na Jerusalém celeste.
Rezemos dizendo: Guarda-nos, Senhor Jesus!
Na esperança que não desilude: Guarda-nos, Senhor Jesus!
Na luz que não se apaga: Guarda-nos, Senhor Jesus!
No perdão que renova o coração: Guarda-nos, Senhor Jesus!
Na paz que nos torna bem-aventurados: Guarda-nos, Senhor Jesus!
Oração final
(«14 obrigados»)
Senhor Jesus, Palavra eterna do Pai, por nós fizeste-Te silêncio. E, no silêncio que nos guia até ao teu sepulcro, há ainda uma palavra que Te queremos dizer repassando o caminho da Via-Sacra percorrida contigo: obrigado!
Obrigado, Senhor Jesus, pela mansidão que confunde a arrogância.
Obrigado pela coragem com que abraçaste a cruz.
Obrigado pela paz que jorra das tuas feridas.
Obrigado por nos teres dado a tua santa Mãe como nossa Mãe.
Obrigado pelo amor demonstrado diante da traição.
Obrigado por teres mudado as lágrimas em sorriso.
Obrigado por teres amado a todos sem excluir ninguém.
Obrigado pela esperança que infundes na hora da provação.
Obrigado pela misericórdia que sara as misérias.
Obrigado por Te teres despojado de tudo para nos enriquecer.
Obrigado por teres mudado a cruz em árvore da vida.
Obrigado pelo perdão que ofereceste aos teus assassinos.
Obrigado por teres derrotado a morte.
Obrigado, Senhor Jesus, pela luz que acendeste nas nossas noites e, reconciliando todas as divisões, tornaste-nos a todos irmãos, filhos do mesmo Pai que está nos céus.