“Hoje em dia, dentro da Igreja, para lidar com o abuso sexual, temos que ir mais embaixo. Entendemos que o abuso sexual é a ponta do iceberg. Há toda uma cultura dentro das instituições e da Igreja também que precisa melhorar”, disse à ACI Digital o psicólogo Dante Aragón.

Ele é membro do Sodalício de Vida Cristã e um dos coordenadores da Reconciliatio, projeto que há cinco anos vem desenvolvendo um programa de prevenção de abuso sexual e construção de ambientes seguros para crianças, adolescentes e adultos vulneráveis. Como parte deste programa, em junho, vai dar um curso com o tema “Relações saudáveis e relações abusivas em contextos eclesiais: um justo e necessário combate contra os abusos de poder, de autoridade, de consciência e espiritual”.

Segundo Aragón, “abuso de poder, de autoridade, de consciência e espiritual estão dentro de todo o âmbito de abusos que não são sexuais, mas que têm uma relação muito importante com os abusos sexuais”, pois fazem parte de “uma cultura na qual acontecem” os abusos sexuais.

O psicólogo destacou que o poder “é algo que o ser humano pode usar para o bem, para fazer com que o outro cresça, assim como a autoridade. Mas, por uma questão de mau uso do poder, temos o abuso”. Para ele, “este é um tema importante, porque a hierarquia na Igreja sempre vai existir, mas essas relações têm que ser a partir do poder de Cristo”.

Dante Aragón, que também é membro do Diretório Arquidiocesano sobre a Tutela de Menores e Pessoas Vulneráveis da arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ), especificou que, “na Igreja, este tema de abuso de poder, de autoridade, pode ser dito como abuso espiritual, que seria exatamente quando a pessoa exerce o poder que ela tem por uma posição, um status, e então manipula emocionalmente, afetivamente, sem entrar no abuso sexual, e também usando temas espirituais”.

O abuso de consciência se dá quando “as vítimas confundem se essa pessoa que tem autoridade está realmente representando Deus”, disse o psicólogo. “O curso quer conscientizar, por exemplo, as pessoas que pertencem a diversas comunidades, movimentos, a encontrar uma maneira mais saudável de ouvir Deus, que nos convida a nos comprometermos seja numa vida de comunidade, consagrada, religiosa. Este distinguir entre a voz de Deus e a voz humana é um tema importante”.

Para o coordenador de Reconciliatio, “a Igreja está contribuindo para melhorar este tema” dos abusos. Ele citou a versão definitiva do motu próprio do papa Francisco Vos estis luxmundi (Vós sois a luz do mundo), promulgada em março, que fala em delito “cometido com um menor ou com uma pessoa que habitualmente tem um uso imperfeito da razão ou com um adulto vulnerável”.

“Hoje em dia a Igreja não só considera vítimas os menores de idade, mas também pessoas adultas vulneráveis. Viu-se na Igreja que existem pessoas que estão em processo de discernimento, de formação, no seminário, ou pessoas que têm uma deficiência e não têm capacidade plena. A Igreja as considera como pessoas que precisam de cuidado de maneira especial, de proteção”, disse Aragón.

O psicólogo destacou ainda que “a Igreja hoje não tem pena canônica só quando acontece um abuso sexual, mas o abuso de poder também é considerado um delito”.

Mas, para Dante Aragón, o trabalho de prevenção ainda tem que ser mais desenvolvido e é algo que “vai demorar”, porque “a prevenção tem que se tornar cultura dentro da Igreja”.

Segundo ele, “os abusos começam quando se perde o horizonte da pessoa, porque o abuso, antes de tudo, é uma aproximação ao outro não como pessoa, mas como instrumento”.

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Por isso, o curso fala em relações saudáveis e relações abusivas. “Entendemos que o ser humano é um ser em relação. Nós entendemos isso mais ainda a partir do nosso batismo e da comunhão que somos chamados a viver dentro da Igreja”, disse.

Essa comunhão, “que é uma característica do católico”, “infelizmente se perdeu, pela cultura individualista”. “Não há muito a preocupação pelo meu irmão. Há problemas relacionais e, às vezes, as pessoas não estão tão bem preparadas para se relacionar. Dentro da Igreja isso também acontece e acontece nesse contexto de poder, de disputas, de coisas que carregamos como ciúmes, inveja, competitividade... Tudo isso tem afetado a relação para a qual somos chamados, de viver em comunhão”.

Dante Aragón disse que nas relações saudáveis “entram capacidades como empatia, escuta, coisas para as quais temos que nos reeducar”. “Para ter ambientes saudáveis, temos que ter boas relações entre nós, o que Cristo nos falou: ‘Amai-vos uns aos outros como eu vos amei’”.

“O poder que tenho é para servir, como o Senhor Jesus mostrou, que a atitude tem que ser o serviço”, completou.

Por fim, Dante Aragón destacou que “há uma responsabilidade de todos” na prevenção e no combate aos abusos.

O curso “Relações saudáveis e relações abusivas em contextos eclesiais: um justo e necessário combate contra os abusos de poder, de autoridade, de consciência e espiritual” acontecerá de 5 a 10 de junho, on-line através da plataforma Zoom.

Além de Dante Aragón, terá como professores: a teóloga Maria Teresa R. Rosa, palestrante nas áreas de espiritualidade, formação vocacional e prevenção de abusos em ambientes eclesiais e escolares; a terapeuta Rhayanne Zago, que trabalha com vítimas de abuso espiritual e tem um projeto social chamado ‘Magistério da Vítima’ para acolhida de vítimas de abuso; e padre Fabiano Schwanck Colares, mestre em Direito Canônico e coordenador da Comissão Especial Arquidiocesana de Promoção e Tutela de Crianças, Adolescentes e Pessoas Vulneráveis da arquidiocese de Porto Alegre (RS).

Mais informações sobre o curso e inscrições podem ser obtidas AQUI.

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