Ao longo da história da Igreja Católica, cardeais, bispos e outras pessoas foram autorizadas a submeter perguntas concretas conhecidas como dubia (dúvidas, em latim) para receber respostas do papa ou de um dicastério competente. Na história recente da Igreja, desde o final do Concílio Vaticano II, as dubia foram levantadas sobre uma ampla variedade de temas, incluindo temas relativos à administração dos sacramentos, às normas litúrgicas e à natureza vinculativa do ensino moral.

Quais perguntas são enviadas?

Na maioria das vezes, um dubium é enviado a um dos três escritórios da Santa Sé: o Dicastério para a Doutrina da Fé, o Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e, especialmente, o Dicastério para os Textos Legislativos, ao qual é solicitado interpretar o significado ou a aplicabilidade de um cânone do Código de Direito Canônico.

As dubia são mais frequentemente apresentadas por bispos, conferências episcopais ou comunidades religiosas, mas qualquer católico pode apresentá-las, como foi o caso em 2021, quando três leigos alemães da diocese de Essen apresentaram um dubium à então Congregação para a Doutrina da Fé perguntando se a Igreja na Alemanha está em estado de cisma como resultado do Caminho Sinodal Alemão.

As respostas são tornadas públicas?

A maioria das respostas às dubia são fornecidas pelos dicastérios da cúria romana, como o do Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, ou o da Doutrina da Fé, que são competentes na matéria relacionada com as perguntas feitas. Estas respostas são geralmente preservadas e publicadas na Acta Apostolicae Sedis, a coleção de documentos oficiais do papa e da cúria romana.

As dubia mais recentes: o Sínodo da Sinodalidade e Amoris laetitia

A poucos dias da abertura da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos dedicada à sinodalidade que começará amanhã (4), cinco cardeais – o americano Burke, o guineense Sarah, o mexicano Sandoval, o alemão Brandmüller e o chinês Zen – presentearam cinco dubia ao papa Francisco sobre alguns temas que eles acreditam que serão abordadas pela assembleia sinodal.

Estas se referem à revelação divina, à bênção das uniões de pessoas do mesmo sexo, à dimensão constitutiva da Igreja, ao sacerdócio feminino e ao perdão. Aos cinco cardeais, o papa respondeu de forma explicativa. Insatisfeitos com as respostas do papa, os cinco cardeais enviaram novamente ao papa as dubia reformuladas.

No mesmo dia, 2 de outubro de 2023, em que foram tornadas públicas as dubia reformuladas dos cinco cardeais, também foi publicada a única resposta direta às dubia sobre a exortação apostólica pós-sinodal Amoris laetitia. Em setembro de 2023, o prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, o ainda bispo Víctor Manuel Fernández, respondeu em nome do papa a uma série de perguntas feitas em julho passado pelo cardeal Dominik Duka, arcebispo emérito de Praga, sobre a administração da Eucaristia aos divorciados recasados. O texto das respostas foi publicado no site do Dicastério para a Doutrina da Fé.

Dubia sobre Traditionis custodes

Após a publicação do motu proprio Traditionis custodes do papa Francisco, que derrubou o motu proprio anterior do papa Bento XVI sobre a liberalização da celebração da missa com o Missal Romano de 1962, 11 dubia foram apresentadas à então Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos sobre como interpretar o novo documento. Em 18 de dezembro de 2021, a Congregação publicou a “responsa ad dubia” sobre algumas disposições da Traditionis custodes, respondendo a perguntas precisas sobre como o motu proprio deveria ser implementado e esclarecendo ainda mais as restrições à missa tradicional em latim.

Segundo Traditionis custodes, a missa em latim só podia ser celebrada em igrejas não paroquiais, oratórios ou capelas. Mas, quando surgiu uma dubia perguntando o que aconteceria se nenhuma das opções acima estivesse disponível, a Congregação respondeu afirmativamente, permitindo a missa nas paróquias sob uma série de condições estritas que estipulavam que “tal celebração não é apropriada para ser incluída no horário das missas paroquiais, já que nela só participam os fiéis que fazem parte do grupo” e pedindo para evitar “que coincidam com as atividades pastorais da comunidade paroquial”.

Foram dadas respostas negativas ao dubium sobre a possibilidade de celebrar os sacramentos com o Rituale Romanum e o Pontificale Romanum, livros usados antes da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, e ao caso de um padre autorizado a usar o Missale Romanum de 1962 celebrar duas missas no mesmo dia. A Congregação disse que tal “binação” é impossível de ser concedida, porque não há caso de “causa justa” ou “necessidade pastoral” exigida pelo Código de Direito Canônico.

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Dubia sobre a bênção de uniões do mesmo sexo

Em 15 de março de 2021, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou um responsum a um dubium sobre a bênção das uniões entre pessoas do mesmo sexo. A resposta foi negativa: a Igreja não tem o poder de conceder bênçãos às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Na nota explicativa, assinada pelo então prefeito, cardeal Luis Ladaria Ferrer, e pelo então secretário, dom Giacomo Morandi, foi ainda esclarecido que “para ser coerente com a natureza dos sacramentais, quando se invoca a bênção sobre algumas relações humanas, é necessário – além da reta intenção daqueles que dela participam – que aquilo que é abençoado seja objetiva e positivamente ordenado a receber e a exprimir a graça, em função dos desígnios de Deus inscritos na Criação e plenamente revelados por Cristo Senhor”.

A resposta continua: “São, pois, compatíveis com a essência da bênção dada pela Igreja somente aquelas realidades que de per si são ordenadas a servir a tais desígnios. Por tal motivo, não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta por si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo”.

“Além disso, já que as bênçãos sobre as pessoas possuem uma relação com os sacramentos, a bênção das uniões homossexuais não pode ser considerada lícita, enquanto constituiria de certo modo uma imitação ou uma referência de analogia à bênção nupcial, invocada sobre o homem e a mulher que se unem no sacramento do Matrimônio, dado que ‘não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família’, continua o texto.

Dubia sobre Amoris laetitia

Em relação com a exortação apostólica pós-sinodal Amoris laetitia,de 2016, o cardeal italiano Carlo Caffarra, o cardeal americano Raymond Burke e os cardeais alemães Walter Brandmüller e Joachim Meisner apresentaram cinco dubia ao papa, especialmente sobre a readmissão à Eucaristia dos divorciados recasados no civil e sobre a validade do ensinamento proposto por são João Paulo II na encíclica Veritatis splendor. Os cardeais não receberam uma resposta direta a estas dubia, apenas uma declaração indireta através de uma publicação editada pelo cardeal Francesco Coccopalmerio, na época presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos. No livro de 2017 intitulado l capitolo ottavo dell’Esortazione post sinodale Amoris laetitia. Accompagnare, discernere e integrare le difficoltà (Capítulo oitavo da exortação pós-sinodal Amoris laetitia. Acompanhar, discernir e integrar as dificuldades), o cardeal Coccopalmerio, que participou no Sínodo sobre a Família como chefe de um dicastério da cúria romana, argumentou que a doutrina católica foi respeitada em Amoris laetitia.

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Dubia no pontificado de Bento XVI

Em 2012, durante o pontificado do papa Bento XVI, surgiu uma dúvida sobre a possibilidade de os diáconos se juntarem aos sacerdotes na renovação dos votos sacerdotais na Missa Crismal. A este dubium, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos respondeu negativamente, explicando que “o próprio Concílio Ecumênico Vaticano II, quando fala dos diáconos, distingue-os dos sacerdotes e define a sua natureza. Portanto, só os presbíteros são chamados na Missa Crismal a renovar as promessas sacerdotais, os quais participam em união com o bispo no mesmo sacerdócio e ministério de Cristo”.

Quatro anos antes, em 2008, ainda durante o pontificado de Bento XVI, a Congregação para a Doutrina da Fé interveio num dubium relacionado com a celebração do Batismo. Houve duas perguntas. A primeiro dizia: É válido o Batismo com as fórmulas “I baptize you in the name of the Creator, and of the Redeemer, and of the Sanctifier” (Eu te batizo em nome do Criador, e do Redentor, e do Santificador?) e “I baptize you in the name of the Creator, and of the Liberator, and of the Sustainer” (“Eu te batizo em nome do Criador, e do Libertador, e do Sustentador"). A segunda perguntava: “As pessoas para as quais o batismo foi celebrado com essa fórmula devem ser batizadas de forma absoluta?”. As respostas foram negativas no primeiro caso e afirmativas no segundo.

Dubia durante os pontificados de João Paulo II e Paulo VI

Durante o longo pontificado do papa João Paulo II não faltaram dubia e respostas correspondentes. Em 2001, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos se viu confrontada com uma dúvida expressa relativamente às disposições relativas à celebração do sacramento da penitência, com especial referência à possibilidade de confissão durante a celebração da missa. “A celebração do Sacramento da Penitência”, disse a Congregação, “é um dos ministérios próprios do sacerdote. É evidente que é permitido confessar-se durante a celebração da missa. Se estiver acontecendo uma concelebração, pede-se encarecidamente que alguns sacerdotes se abstenham de concelebrar para estar disponíveis aos fiéis que desejam aproximar-se do sacramento da Penitência”.

Em 1995, o então cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, respondeu energicamente ao dubium sobre o sacerdócio feminino. A pergunta era se o ensinamento da Igreja sobre a negação da ordenação de mulheres deveria ser considerado definitivo. O cardeal Ratzinger, que 10 anos mais tarde se tornaria o papa Bento XVI, respondeu afirmativamente.

Durante o pontificado de são Paulo VI, em 1971, levantou-se uma dúvida, poucos anos após o fim do Concílio Vaticano II, sobre se os leigos também poderiam fazer a homilia. A resposta, claro, foi negativa. Finalmente, em 1965, foi apresentado um dubium sobre a oração dos fiéis [também chamada de oração universal ou petições], se era obrigatória ou não durante a celebração da missa nos dias de semana. A resposta foi que não é obrigatória para celebrações durante a semana.

Matthew Bunson contribuiu com essa matéria.