30 de nov de 2023 às 16:20
O papa Francisco confirmou que tirou os privilégios salariais e de moradia no Vaticano do cardeal Raymond Burke, mas negou ter se referido ao cardeal americano como “inimigo”, segundo Austen Ivereigh, biógrafo de Francisco.
O papa teria anunciado as medidas contra Burke em uma reunião de chefes de gabinete da Santa Sé em 20 de novembro.
O blog de notícias católico italiano La Nuova Bussola Quotidiana foi o primeiro a dar, já na segunda-feira (27), as ações contra Burke, prefeito emérito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, mais alta instância judicial da Santa Sé.
A agência de notícias americana Associated Press (AP) corroborou mais tarde a matéria com base em conversas com duas fontes anônimas.
“Encontrei-me com o papa Francisco na tarde de 27 de novembro”, escreveu Ivereigh em artigo publicado no site Where Peter Is. “Foi uma reunião curta por causa da inflamação pulmonar, o que significou que ele teve algum esforço para falar. (Na noite seguinte, a sua viagem a Dubai foi cancelada porque a situação não tinha melhorado o suficiente.) No decorrer da nossa conversa, Francisco disse-me que tinha decidido retirar os privilégios cardinalícios do cardeal Burke – o seu apartamento e o seu salário – porque ele vinha usando esses privilégios contra a Igreja”.
“Ele me disse que embora a decisão não fosse secreta, ele não pretendia fazer um anúncio público, mas no início daquele dia (segunda-feira) ela havia vazado”, escreveu o biógrafo.
Ivereigh é autor de duas biografias do papa Francisco e coautor, com o papa, do livro Vamos Sonhar Juntos: O Caminho para um Futuro Melhor”. Ele também é consultor leigo do Sínodo da Sinodalidade.
Ivereigh escreveu que o papa disse não ter se referido a Burke como seu “inimigo”.
Segundo uma fonte anônima de La Nuova Bussola Quotidiana na Santa Sé, o papa Francisco disse na reunião dos chefes de gabinete da Santa Sé em 20 de novembro: “O cardeal Burke é meu inimigo, então tiro seu apartamento e seu salário”.
Em sua postagem na web, Ivereigh escreveu que duvidava da veracidade dessa informação. “Eu sabia que esta citação era pura ficção. O papa Francisco nunca conduziria uma vingança pessoal. Isso estava convenientemente alinhado com a narrativa tradicionalista de um papa impiedoso e vingativo que ‘castiga’ de forma imprudente e irracional aqueles que discordam dele.”
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“Escrevi uma nota ao papa Francisco alertando-o sobre esta citação e oferecendo-me para corrigi-la com a verdade, como ele me disse”, disse o biógrafo. O papa teria recusado a oferta.
“Na noite de terça recebi uma nota do papa: 'Eu nunca usei a palavra ‘inimigo’ nem o pronome ‘meu’. Simplesmente anunciei o fato na reunião dos chefes dos dicastérios, sem dar explicações específicas' ”, escreveu Ivereigh.
A CNA, agência em inglês do grupo EWTN, a que pertence ACI Digital, entrou em contato com a assessoria de imprensa da Santa Sé para verificar o relato de Ivereigh, mas não recebeu resposta até o momento da publicação.
O biógrafo do papa é um crítico frequente de Burke, que expressou publicamente as suas preocupações sobre a ameaça do Sínodo da Sinodalidade à doutrina da Igreja.
Numa publicação recente na plataforma de mídia social X, Ivereigh comparou o cardeal ao fundador da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, o arcebispo Marcel Lefebvre, excomungado por ordenar padres sem a aprovação da Santa Sé.
“A afirmação de Burke de estar no ramo verdadeiro enquanto a árvore segue seu próprio caminho foi a justificativa do arcebispo Lefebvre, que liderou um cisma após o Vaticano II. Assim como Lefebvre rejeitou a colegialidade, Burke rejeita agora a sinodalidade, apesar de ambos serem desenvolvimentos autênticos da Igreja”, escreveu Ivereigh.
O jornal americano Wall Street Journal disse ontem (29) que Burke declarou não ter sido informado da intenção do papa de cortar sua moradia e seu salário.
“As pessoas podem tirar as suas próprias conclusões sobre a razão pela qual o papa disse isto a Austen Ivereigh e não à pessoa em causa”, disse Burke. Ele disse ao canal que pretende ficar em Roma mesmo que seja forçado a encontrar outro lugar para morar. “É meu dever como cardeal permanecer em Roma”.
O papa Francisco demitiu Burke do cargo de prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica (a mais alta autoridade judicial da Igreja) em 2014 e o nomeou cardeal patrono da Soberana Ordem Militar de Malta, uma função cerimonial. Ele manteve o título até este ano, mas estava proibido de participar ativamente da ordem desde 2016.