Quatro bispos se reuniram com membros do crime organizado no Estado mexicano de Guerrero. O bispo de Chilpancingo-Chilapa, dom José de Jesús González, confirmou em entrevista coletiva no dia 14 de fevereiro que os bispos da Província Eclesiástica de Acapulco “começaram a buscar o diálogo com os chefes [criminosos] que poderiam trazer-nos paz.” O bispo lamentou que o objetivo “não tenha sido alcançado”. 

Os outros três bispos que participaram das tentativas de diálogo foram o arcebispo de Acapulco, dom Leopoldo González; o bispo de Tlapa, dom Dagoberto Sosa; e o bispo de Ciudad Altamirano, dom Joel Ocampo.

A Igreja Católica “não pode ficar indiferente ao sofrimento”

O padre Mario Ángel Flores Ramos, diretor do Observatório da Conferência do Episcopado Mexicano (CEM) e ex-reitor da Pontifícia Universidade do México, disse à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, ontem (21) os dois principais pontos que levaram ao diálogo dos bispos com o crime organizado em sua opinião.

Em primeiro lugar, a Igreja “não pode ficar indiferente ao sofrimento da comunidade”, disse o padre Flores Ramos. Os párocos, como parte ativa da sociedade, “estão em contato direto com as realidades enfrentadas pela população, o que motiva a Igreja a procurar superar os conflitos e atuar como mediadora em situações de crise”.

Os padres não têm a responsabilidade de “resolver o problema em profundidade”, mas no diálogo com os narcotraficantes a Igreja pretende “convidá-los a chegar a acordos entre si para não brigarem e assim evitar que o problema se torne maior”.

A segunda razão, segundo Flores Ramos, é a “falta de ação eficaz das autoridades para manter a ordem” e “combater a impunidade”.

“Inclusive, levando em consideração que há presença da Guarda Nacional, de algumas polícias estaduais ou municipais, não há atuação e muito menos eficácia. Então, há impunidade”, lamentou.

A Guarda Nacional é um órgão criado em 2019 pelo governo de Andrés Manuel López Obrador como uma reforma da extinta Polícia Federal do México, com o objetivo de “garantir a segurança pública”.

Padre Flores Ramos denunciou que no país “há uma expressão de violência que transborda toda sensibilidade e respeito pela vida humana”. Esta situação, observou ele, “leva a Igreja a tentar tornar esta situação um pouco menos pesada para todos”.

 

O padre também disse que a “figura religiosa ainda pesa muito sobre os criminosos” e “se preservam o respeito e uma certa confiança” nas freiras, padres e bispos. Isto, disse ele, dá à Igreja Católica a “capacidade de ser mediadora mesmo em conflitos fortes”.

Guerrero, um “estado falido”

Acapulco, a maior e mais conhecida cidade de Guerrero, esteve entre as 50 cidades mais violentas do mundo nos últimos dois anos, segundo a lista elaborada pelo Conselho Cidadão de Segurança Pública e Justiça Criminal. Em 2022 ficou em 10º lugar e em 2023 ficou em 15º.

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A região sofre disputas territoriais e controle de rotas de tráfico de drogas entre diversos grupos criminosos, como Los Ardillos, Los Tlacos, Guerreros Unidos, La Familia Michoacana, o cartel Jalisco Nueva Generación e o cartel de la Sierra.

Em Guerrero são produzidas papoulas, das quais se obtém o ópio e a heroína. O uso desta substância junto com fentanil e ocasionalmente cocaína resultou em uma droga poderosa conhecida como “China White”.

Segundo números da Secretaria Executiva do Sistema Nacional de Segurança Pública, em 2023 foram registrados 1.398 homicídios dolosos em Guerrero. 1.026 foram executados com armas de fogo.

José Antonio Ortega Sánchez, presidente do Conselho Cidadão de Segurança Pública e Justiça Penal, disse à ACI Prensa que “é muito provável que os números e a incidência de homicídios no México sejam maiores".

"Há uma operação incontestável para ocultar os números reais".

Ortega Sánchez descreveu Guerrero como “um Estado falido”, onde organizações criminosas “exercem um controle dominante”. Ele também disse que a “inação” das autoridades, somada à “impunidade” são os fatores que contribuem para a violência na região.

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“Diante da vulnerabilidade do povo de Guerrero e do poder das organizações criminosas, os bispos da região de Guerrero decidiram intervir diretamente, buscando um entendimento com os líderes criminosos para parar os confrontos e proteger a população”, disse ele.

Ortega Sánchez disse que a atividade dos grupos criminosos “não se limita apenas ao tráfico de droga”, mas abrange também um vasto leque de atividades criminosas, “como a cobrança de direitos de propriedade”, roubos, sequestros e extorsões.” Este panorama, disse, “levou a Igreja a intervir em busca de soluções pacíficas”.

Ortega Sánchez disse que a única coisa que a Igreja pede é “paz, tranquilidade e segurança para a população, que é a primeira obrigação da autoridade para com os seus cidadãos”.

O encontro dos bispos com o crime organizado “não é compactuar”

Dom Salvador Rangel, bispo emérito de Chilpancingo-Chilapa, que manteve encontros semelhantes com membros do crime organizado, falou sobre o recente encontro dos bispos de Guerrero: “não é compactuar, simplesmente (é) conversar, dialogar”.

Em entrevista à ACI Prensa no dia 16 de fevereiro, dom Rangel lamentou que “aqui quem ganhou a batalha são os traficantes de drogas”.

No entanto, ele incentivou a não perder a esperança e, “não importa como as coisas aconteçam”, deve-se trabalhar para “que o bem vença em favor das pessoas”: “Não devemos perder a fé e a esperança”.