29 de fev de 2024 às 14:57
“A personalidade civil do ser humano começa do nascimento com vida e termina com a morte encefálica; a lei põe a salvo, desde a concepção, para os fins deste Código, os direitos do nascituro”, diz o artigo segundo do texto do anteprojeto que pretende revisar e atualizar o Código Civil brasileiro, apresentado na segunda-feira (26) pela comissão de juristas do Senado. Para o advogado Maurício Colonna, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), essa nova redação poderia “sim” dar margem ao “aborto e eutanásia”.
Colonna disse à ACI Digital que a personalidade civil dita no texto do anteprojeto “é a aptidão para que uma pessoa seja apta a ter direitos e deveres, para que ela seja protegida pelo direito”. “Isso significa que poderia admitir-se a vida antes do nascimento, porém este indivíduo não teria personalidade civil”.
O jurista católico, porém, disse que a forma como o artigo foi redigido pode dar margem ao aborto porque, “quando o anteprojeto diz ‘para os fins deste Código’, ele está tentando limitar o direito do nascituro aos desdobramentos patrimoniais, como a herança ou a proteção da imagem”.
“Os eufemismos para o aborto, que tentam ligá-lo à saúde pública, passariam a dizer que o Código Civil não quer proteger o desenvolvimento do nascituro (para eles, não há vida, mas apenas um núcleo rudimentar de direitos), apenas os direitos civis que este poderia vir a ter”, disse. Colonna ressaltou que “ainda será possível defender o nascituro contra o aborto com a redação proposta, mas a intenção por trás da norma parece ser essa”.
Sobre a eutanásia, o jurista católico disse que, “ao prever a morte encefálica como final da vida, de certa forma a lei determinará o desligamento dos aparelhos quando esta for constatada. Pouco importará que a literatura médica registre falsas mortes encefálicas e a sua recuperação, para fins legais (como cobertura de plano de saúde e hospitais públicos), os aparelhos poderão ser desligados”.
Novo Código Civil
O atual Código Civil foi sancionado em 10 de janeiro de 2002, pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, mas só entrou em vigência no dia 11 de janeiro de 2003, substituindo o código de 1916. Em 9 de setembro de 2023, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), criou uma comissão de juristas para revisar e atualizar o atual Código.
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A comissão jurídica é presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão e por seu vice, o ministro do STJ, Marco Aurélio Bellizze. Os relatores são os juristas e professores de direito Flávio Tartuce e Rosa Maria de Andrade Nery. Os relatores da comissão apresentaram os relatórios do novo Código Civil no dia 26 de fevereiro e, na ocasião, foram parabenizados pelo presidente da comissão, o ministro do STJ Luis Felipe Salomão por apresentarem um “relatório de muita qualidade”.
Com a conclusão do anteprojeto do novo Código Civil, as propostas poderão receber emendas até 8 de março, e a votação do relatório final ocorrerá na primeira semana de abril. Depois, o relatório final será direcionado ao presidente do Senado que dará continuidade à tramitação. O prazo final dos trabalhos está marcado para o dia 12 de abril.
Algumas propostas sugerem que “a família” pode ser formada “por vínculo conjugal ou não conjugal” e que os animais, “são seres vivos sencientes” e “passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial”.
Para Colonna “as alterações vão ao encontro de decisões recentes dos tribunais superiores, especialmente quanto ao direito de família”.
“Há uma forte tendência ao afastamento da noção mais tradicional de família e de personalidade civil. Ocorre que questões como a guarda de animais e a sucessão patrimonial de pessoas sem vínculo conjugal estão em voga no judiciário e refletem dilemas sociais reais. O que se vê é, na nossa opinião, a acolhida de visões progressistas amplamente difundida nas faculdades de Direito e acolhida em decisões dos tribunais superiores. Essa visão será posta em xeque quando confrontada ao perfil relativamente conservador do Congresso Nacional”, enfatizou o jurista.
Colonna explicou à ACI Digital que este anteprojeto “não é vinculativo aos parlamentares”, mas “o fato de o documento ter sido produzido por uma comissão de juristas traz bastante peso e deve direcionar os debates”. Mas ainda acredita que “o anteprojeto deve sofrer fortes reações e ser muito alterado”. “É fundamental a movimentação de entidades cristãs e conservadores, bem como da sociedade como um todo, para que os congressistas encontrem respaldo e possam atuar com coragem”, disse.