Em março de 2022, o cardeal George Pell, morto em 10 de janeiro de 2023, publicou uma crítica ao pontificado do papa Francisco. Usando o mesmo pseudônimo – “Demos” – um suposto cardeal torna pública uma nova crítica ao papa Francisco, sugerindo sete tarefas para o próximo papa.

Este suposto cardeal, que se identifica como “Demos II”, publicou há poucos dias o seu texto, intitulado O Vaticano amanhã em seis idiomas, no site Bússola Cotidiana.

“Em março de 2022 apareceu um texto anônimo – assinado sob o pseudônimo ‘Demos’ e intitulado ‘O Vaticano Hoje’ – que levantava uma série de graves perguntas e críticas sobre o pontificado do papa Francisco. As condições na Igreja desde que esse texto apareceu não mudaram materialmente, muito menos melhoraram”.

Na sua análise de 2022, o cardeal Pell escreveu: “Os comentaristas de todas as escolas, ainda que por razões diferentes, com a possível exceção do padre (Antonio) Spadaro, SJ, concordam que este pontificado é um desastre em muitos aspectos, uma catástrofe”.

“Demos II” destaca que há aspectos positivos do atual pontificado, como a sua preocupação pelos mais fracos e pobres, e pelas questões ambientais; mas que “os seus defeitos são igualmente óbvios: um estilo de governo autocrático, por vezes parecendo vingativo; um descuido em questões de direito; intolerância mesmo diante de desacordos respeitosos; e – o que é mais grave – um estilo persistente de ambiguidade em questões de fé e moral que causa confusão entre os fiéis”.

“A confusão gera divisão e conflito. Isso mina a confiança na Palavra de Deus. Enfraquece o testemunho evangélico. O resultado disto é uma Igreja mais fraturada do que em qualquer outro momento da sua história recente”, diz o suposto cardeal.

Os sete conceitos que Demos II acha que devem ser recuperados na Igreja

Demos II comenta que o próximo papa deverá trabalhar para recuperar alguns conceitos que, segundo ele, se perderam entre os cristãos:

1. “Ninguém se salva senão por Jesus Cristo, e só por Ele, como Ele mesmo deixou claro.”

2. “Deus é misericordioso, mas também justo, e está intimamente interessado em cada vida humana. Ele perdoa, mas também nos pede contas”.

3. “O homem é uma criatura de Deus, não uma invenção própria, uma criatura não apenas emocional e com apetites, mas também com intelecto, livre arbítrio e um destino eterno”.

4. “Existem verdades objetivas imutáveis ​​sobre o mundo e a natureza humana, que podem ser conhecidas através da Revelação Divina e o exercício da razão”.

5. “A Palavra de Deus, recolhida nas Escrituras, é confiável e tem força permanente”.

6. “O pecado é real e seus efeitos são letais”.

7. “A Igreja tem a autoridade e o dever de ‘fazer discípulos a todas as nações’”.

As sete tarefas que Demos II sugere para o sucessor do papa Francisco

1. Sobre a autoridade do papa

“A autoridade real é prejudicada quando são utilizados meios autoritários no seu exercício. O papa é o sucessor de Pedro e aquele que garante a unidade da Igreja. Mas ele não é um autocrata. Ele não pode mudar a doutrina da Igreja e não deve inventar ou alterar arbitrariamente a disciplina da Igreja”, diz Demos II em seu texto.

“Ele governa a Igreja colegialmente com seus irmãos bispos nas dioceses locais. E fá-lo sempre em fiel continuidade com a Palavra de Deus e com o ensinamento da Igreja. Os ‘novos paradigmas’ e os ‘novos caminhos inexplorados’ que se desviam de um e de outro não são de Deus”, continua.

“Um novo papa deve restaurar a hermenêutica da continuidade na vida católica e reafirmar a compreensão do Vaticano II sobre o papel próprio do papado”.

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2. A Igreja Católica não é uma democracia

“Assim como a Igreja não é uma autocracia, também não é uma democracia. A Igreja pertence a Jesus Cristo. É a sua Igreja. Ela é o Corpo Místico de Cristo, composto por muitos membros. Não temos autoridade para adaptar os seus ensinamentos para melhor se adequarem ao mundo”, diz Demos II.

“Além disso, o sensus fidelium (sentido dos fiéis) católico não é uma questão de pesquisas de opinião, nem mesmo a opinião de uma maioria batizada”.

3. “A ambiguidade não é evangélica nem acolhedora”

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“A ambiguidade não é evangélica nem acolhedora. Pelo contrário, gera dúvidas e alimenta impulsos cismáticos”, diz Demos II. As questões doutrinárias “são vitais para viver uma vida cristã autêntica, porque tratam de aplicações da verdade, e a verdade exige clareza, não nuances ambivalentes”.

“Desde o início, o atual pontificado resistiu à força evangélica e à clareza intelectual dos seus antecessores imediatos”, diz Demos II. “O desmantelamento e reutilização do Instituto João Paulo II em Roma e a marginalização de textos como o Veritatis splendor sugerem uma elevação da 'compaixão' e da emoção em detrimento da razão, da justiça e da verdade. Para uma comunidade de fé, isto não é saudável e é profundamente perigoso”.

 

Em 2019, foram estabelecidos novos estatutos e iniciou-se uma série de mudanças acadêmicas. Teólogos foram substituídos por cientistas sociais no Instituto João Paulo II, o que representou “um perigo para manter a herança” do santo polonês nos estudos sobre o matrimônio e a família, como disse um padre na época.

A encíclica Veritatis splendor (O Esplendor da Verdade) foi publicada por são João Paulo II em 1993 e explica, entre outras coisas, que há atos que são sempre “intrinsecamente maus”. O homossexualismo é caracterizado no Catecismo da Igreja Católica como “intrinsecamente desordenado, o que significa que não pode ser bom ou ter aspectos bons em nenhuma cirscunstância.

4. Desprezo pelo direito canônico

“Entre as marcas do atual pontificado estão a excessiva confiança no motu proprio como ferramenta de governo e uma despreocupação geral e aversão aos detalhes canônicos”, observa Demos II em seu texto

“Mais uma vez, tal como acontece com a ambiguidade da doutrina, o desprezo pelo direito canônico e pelo procedimento canônico adequado mina a confiança na pureza da missão da Igreja”, diz o cardeal, que recorda que “o direito canônico ordena a vida da Igreja, harmoniza suas instituições e procedimentos e garante os direitos dos crentes".

5. O afastamento da teologia do corpo

Depois de recordar que a Igreja é “mãe e mestra”, o cardeal destaca que “ela nunca pode ser reduzida a um sistema flexível de ética ou a uma análise e remodelação sociológica para adaptá-la aos instintos e apetites (e às confusões sexuais) de época”.

“Um dos principais defeitos do pontificado atual é o seu afastamento de uma 'teologia do corpo' convincente e a falta de uma antropologia cristã atraente... precisamente num momento em que aumentam os ataques à natureza e à identidade humanas, desde o transgenerismo ao transumanismo”, destaca.

A teologia do corpo é o conjunto de catequeses que o papa são João Paulo II proferiu durante as audiências gerais de quarta-feira entre 1979 e 1984, em resposta às consequências causadas pela revolução sexual do final dos anos 1960.

6. É necessário que o papa viaje e saia do Vaticano?

“As viagens pelo mundo serviram muito bem a um pastor como o papa João Paulo II, devido aos seus dons pessoais únicos e à natureza dos tempos. Mas os tempos e as circunstâncias mudaram. A Igreja na Itália e em toda a Europa – o lar histórico da fé – está em crise”, diz Demos II.

“O próprio Vaticano precisa urgentemente de uma renovação da sua moral, de uma limpeza das suas instituições, procedimentos e pessoal, e de uma reforma profunda das suas finanças para se preparar para um futuro mais difícil”, acrescenta.

Nesse sentido, a carta diz que estas “não são coisas pequenas”. “Exigem a presença, a atenção direta e o compromisso pessoal de qualquer novo papa”.

7. Advertência de um colégio de cardeais “vulneráveis ​​à manipulação”

“O Colégio Cardinalício existe para aconselhar o papa e eleger o seu sucessor depois da sua morte. Este serviço requer homens de caráter limpo, sólida formação teológica, experiência madura de liderança e santidade pessoal”, diz Demos II. “Também requer um papa disposto a pedir conselhos e depois a escutar. Não está claro até que ponto isso se aplica no pontificado do papa Francisco”.

“O pontificado atual enfatizou a diversificação do colégio, mas não conseguiu reunir os cardeais em consistórios regulares destinados a promover a autêntica colegialidade e a confiança entre irmãos. Como resultado, muitos dos eleitores que votarem no próximo conclave não se conhecerão realmente entre si e, portanto, poderão ser mais vulneráveis ​​à manipulação”, alerta o cardeal.

Por que o texto de Demos II é anônimo?

“A resposta deveria ser óbvia para todo aquele que conheça o teor do ambiente romano atual. A sinceridade não é bem-vinda e as suas consequências podem ser incômodas”, diz o suposto cardeal.

Demos II fala também de outros temas como “a forte dependência do atual pontificado da Companhia de Jesus, a recente atuação problemática do cardeal Fernández, da DDF, e o surgimento de uma pequena oligarquia de confidentes com excessiva influência dentro do Vaticano: tudo isso apesar das reivindicações descentralizadoras da sinodalidade, entre outras coisas”.

O cardeal argentino Víctor “Tucho” Fernández é o atual prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF), com cuja assinatura foi publicada a declaração Fiducia supplicans, que gerou polêmica em todo o mundo, porque permite a bênção de uniões do mesmo sexo.

O cardeal também gerou polêmica com seu livro A Paixão Mística. Espiritualidade e sensualidade publicado no México em 1998, e reaparecido recentemente, ao tratar de temas como “Orgasmo masculino e feminino”, “O caminho para o orgasmo” e “Deus no orgasmo do casal”.